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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

"Caminho conjuga bem com a vida" (BAR)


                                      

                             Caminhos

Bem sei que estou equivocado ao dizer isto: sempre achei que, para escrever um livro, é preciso que se tenha chegado a um estágio mais adiantado de maturidade.  Reconheço meu desejo de ver um livro meu publicado; no entanto, não mobilizo esforços para realizá-lo. Acho que não é chegado o momento. Por isso, se acaso eu vier a morrer antes de poder publicar um livro, eu gostaria de que alguém de minha família preservasse os textos que escrevi e que se acham arquivados neste computador e publicados neste blog. A escrita é uma prática que encaro com muita seriedade e, quando releio meus textos, percebo que dessa seriedade pude colher reflexões interessantes. Já escrevi sobre minha relação com a escrita, já manifestei como me dedico ao trabalho de confeccionar um texto. Por vezes, - também já o disse – tão-logo lhes ponho um ponto final, releio os textos , e descubro várias inconsistências. Corrijo-os, a fim de lhes dar uma forma publicável. Isso não me impede de revisitá-los e alterá-los num ou noutro ponto.
Não raro, ao relê-los, me admiro das coisas que escrevi. E cada releitura mostra-me uma pluralidade de caminhos verbais ainda por trilhar. Eis a magia do discurso: a inesgotabilidade dos sentidos, das possibilidades de dizer nunca exatamente do mesmo modo.
Neste átimo, fixo o olhar no vocábulo “caminhos” e sua semântica se me abre diante da consciência. O que ela revela? A possibilidade de ir adiante... E foi tomando os caminhos das palavras que pude reconciliar-me comigo mesmo e com mundo e ir adiante, nesta marcha social em direção à morte inevitável. Percebo, com regozijo, que minha dedicação ao trabalho com a linguagem curou-me o espírito. E, todas as noites, posso reencontrar-me com as palavras que me inundam de vida a solidão. Elas revestem meu espírito como músculos revestem os ossos. Dão-lhe força, elasticidade e mobilidade. A elasticidade do espírito se mede pela sua plasticidade linguística, isto é, pelo seu manejo com a maleabilidade e dinamicidade da língua.
Caminho conjuga bem com a vida. Esse vocábulo traz em seu bojo a transitoriedade. Por ele, fazemos a transição. E não é a vida transitoriedade? O caminho que leva à vida e à morte é o mesmo. Entre o nascimento e a morte, o transitório. Felizmente, o homem pôde desenvolver a linguagem verbal, que lhe permite acomodar o infinito na brevidade. Pensar a infinitude na brevidade da vida, na estreiteza de nossas percepções. Aspirar ao infinito nos limites de nossa compreensão da vida. Foi a linguagem que nos permitiu o “grande salto” (a transcendência às condições naturais, de cujas raízes, no entanto, os biólogos evolucionistas insistem em nos lembrar). Talvez, o caminho da vida não nos leve a lugar algum; mais vale estar nele, poder percorrê-lo de ponta a ponta, ainda que a chegada seja um precipício do qual nunca poderemos escapar. Uma boa imagem para a morte: a do precipício. Nascemos grávidos da morte. Nascemos já precipitados para a morte. Precipitar-se é lançar-se, atirar-se. Nascer é inclinar-se à morte. E toda a vida é uma luta contra o fenecimento. Nosso organismo, desde muito cedo, trava uma verdadeira batalha contra os operários da morte (e não faltam operários neste planeta a trabalhar para que a morte faça sua morada em cada ser vivo).
É o mesmo o caminho que me conduziu a alma a estas reflexões e que me levará a por um ponto final neste texto. Que o silêncio das palavras seja o prenúncio de longos e largos caminhos na urgência do viver que míngua a cada aurora desabrochada no céu.