Mostrando postagens com marcador Verberrando. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Verberrando. Mostrar todas as postagens

sábado, 5 de maio de 2012

"De todos os que preenchem nossa solidão, são os livros os mais anárquicos, os mais instigantes. Leia, e seu silêncio ganhará voz." ( Martha Medeiros)



Verberrando

Preciso retomar minhas leituras matinais. Mas tive de interrompê-las por causa de um forte sentimento que me coagia a escrever. É a vontade costumeira, decerto; mas ela se manifestou assaz enérgica. É certo que filósofos e poetas (escritores, para ser mais exato) escrevem sobre suas próprias vidas. Muitos produziram suas Memórias. E eu, que não suponho equiparar-me aos grandes doutos do saber, também me agrado de escrever sobre minha vida, sobre minha contribuição singela e discreta a uma ínfima parcela do Humano.
Quero ainda cursar filosofia, especializar-me nessa área a que meu espírito e coração se inclinam apaixonados. Não traio meu amor à Linguística. A linguagem me abraça, envolve-me por completo. De que mais é feita a filosofia senão da palavra? A linguagem é tudo. Somos na linguagem e graças a ela.
A leitura estimula a imaginação. E quando leio, sinto-me tão livre, que esqueço tudo que, ao derredor, me cinge a criatividade. Não raro, sinto ser ela castrada. Qual não é a frustração experimentada pelo professor em face de um público apático e desinteressado, ou incapaz de perceber que, para além do imperativo do imediato, do pragmatismo cego, há holofotes de conhecimentos a iluminar nossa prática! É preciso apropriar-se deles, para saber quando e como empregá-los.
Os fragmentos abaixo foram colhidos do livro A vida humana, do renomado filósofo francês André Comte-Sponville, que já conhecemos pelas referências que já fiz a alguns de seus trabalhos. Escusa explicá-los. Leia-os, leitor, para dar-se conta da afinidade intelectual que sinto ter entre algumas de minhas produções e as dele. Sponville - assim o penso – ousa dizer aquilo que, em algum momento, se me afigurou claro e inegável. Ás vezes, ele reitera, não sem o lúcido olhar de um filósofo, pensamentos que, em algum momento, externei. A questão do Mistério, a que, muitas vezes, me referi, em meus textos, está aí estampada. Contemplem-na!




"(...) não se sabe o que havia antes do universo, [...] não é possível sabê-lo e [...] e os religiosos o ignoram tanto quanto os ateus. A verdade não pertence a ninguém. O mistério tampouco."

(p. 14)


"Antes do homem há o mundo, e o mistério do mundo. Estamos dentro; no âmago do mistério - no âmago de tudo. Não, por certo, no centro do universo, pois nada indica que haja um centro (se ele é infinito, a ideia de centro seria contraditória), mas, nele, envolvidos por todos os lados pelo que ele é ou contém (bilhões de galáxias, cada uma composta por bilhões de estrelas ou de sistemas solares), porém incapazes de sair dele vivos, ou simplesmente sair dele".

(p. 15)


Apressei-me para trazê-los à consciência de todos que compartilham comigo da vida virtual no facebook, com o único intento de partilhá-los, sem mais. É possível que poucos venham a se interessar pelo livro ou pelas questões que ele nos suscita. Que nos vale demorar-nos a pensar em algo tão inapreensível como a Existência e o seu sentido (que somente aos seres humanos interessa), a Origem do Universo, o propósito ou despropósito de nossa existência; em suma, para que pensar sobre o Mistério de cuja incomensurável extensão todos tomamos parte. Temos mais o que fazer! Ler sobre a vida íntima dos artistas globais, assistir a programas como Pânico na TV e Big Brother, saber dos fuxicos entre as celebridades, ler as revistas femininas, que nos oferece uma série de “dicas” para “conquistar o homem dos seus sonhos”, ou ainda, não sem o respaldo dos especialistas, um conjunto de dez razões por que os homens traem mais do que as mulheres, etc.
Lembro-me de que uma das poucas verdades que ouvi dizer um padre, um dia, estava na afirmação, dirigida a mim, de que a escolha pela vida intelectual, pela convivência com os livros implica certo isolamento. Em outras palavras, quanto mais intelectualizados nos tornamos tanto mais desinteressados (para não dizer intransigentes) da sociabilidade indiscriminada ficamos. Note-se bem: da sociabilidade indiscriminada! Disso não se conclui, portanto, que os que descobrem o valor dos livros, da leitura e da dedicação ao cultivo dos hectares intelectuais, cuja opulência tratam de explorar, não sejam dados à sociabilidade. A solidão é uma consequência, não que a desejem (muito embora, como nos ensina Rubem Alves, em seu texto A solidão amiga, lhes pareça agradável e útil). Os estudos requerem um silêncio imperturbável, um distanciamento de tudo quanto possa frustrá-los. O agito, o estrépito e as vozes dissonantes que nos envolvem na lida cotidiana devem ser silenciados, na reclusão do espírito que não se atém senão às páginas do saber.
Receio que eu tenha participado da formação de professores que ainda não descobriram o benefício dos livros. Não me culpo, pois que creio ter feito o melhor que me permitiram as condições pedagógico-mercadológicas da instituição. Em muitas instituições da rede de ensino privado, o espírito pedagógico-filosófico docente precisa enfrentar o imperativo econômico que rege as relações interpessoais no interior dela e que se nos aparece sob o slogan do sucesso – de um sucesso a qualquer custo (alto ou baixo, importa a promessa de qualidade).
Qual não é meu espanto ao deparar-me com redações de professores de português repletas de rasura (e nem preciso levantar observações sobre a má formação dos textos!)! E continuaremos a discutir sobre as razões pelas quais os jovens escrevem tão mal e lêem pouco e, quando o fazem, compreendem pouco do que lêem. Felizmente, muitos especialistas atentaram para o fato de que muitos professores de português não lêem ou lêem muito pouco. Como poderiam formar leitores competentes, se eles mesmos não são leitores assíduos à tarefa e são pouco competentes? A “crise” parece ocultar-nos um aspecto decisivo, que nos remete a um círculo vicioso: o professor deixa as cadeiras universitárias com uma formação empobrecida de leitura, ensina seus alunos a ler com base nessa formação empobrecida e estes entram na faculdade sem a devida competência de leitura, e sairão dela para continuar a estender esse empobrecimento, engrossando a quantidade de não-leitores (ou, na melhor das hipóteses, de leitores ineficientes). Tal é a situação nos cursos de Letras na rede privada.
Não deve surpreender ao leitor que eu me emprenhe em suscitar a reflexão, o desejo pelo saber e insista na importância da leitura. Na chamada era do conhecimento ou da informação (que não se confunde com conhecimento; afinal podemos estar mal informados; podemos estar enganados quanto à informação corresponder à verdade), o acesso ao saber é uma etapa fundamental ao exercício pleno da cidadania. Pense-se na imensa quantidade de pessoas que é privada do acesso ao saber livresco, em nosso país? Pense-se na imensa quantidade de pessoas para quem o único acesso à informação e a alguma forma de saber é a televisão? Ora, o saber, produzido pelas artes (pintura, escultura, literaturas, etc.), pelas ciências e filosofia é não só instrumento de poderes, mas algo que nos torna participantes do legado intelectual de nosso gênero; ele conta-nos sobre nossa História - a história do humano e do mundo. Produzir as condições indispensáveis a sua universalização deveria estar entre os deveres de nossos governantes.
Válidas, nesse tocante, são as palavras de Jean François Lyotard, em A condição pós-moderna (2009). Reflitamos sobre elas:

“Sabe-se que o saber tornou-se nos últimos decênios a principal força de produção, que já modificou sensivelmente a composição das populações ativas nos países mais desenvolvidos e constitui o principal ponto de estrangulamento para os países em vias de desenvolvimento”.
(p. 5)