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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A grande maioria dos brasileiros pensa que não sabem falar português


                       


                               Uma aulinha de concordância verbal

Uma amiga, estudando para concurso, disse-me não se lembrar mais das lições de concordância. Quem, senão os estudantes de Letras, haveria de lembrá-las? Eu já não sei mais resolver as equações matemáticas. Ignoro completamente as regras de solubilidade dos compostos químicos. Mas, no caso da concordância verbal e nominal, nós a dominamos quase inconscientemente. Isso vale para todas as regras da gramática de nossa língua materna, gramática que internalizamos entre os 3 e 7 anos de vida. Nós operamos com essas regras, mas, como eu disse, de modo não-reflexivo. Claro é que não ativamos todas as regras, mas tão-só aquelas que regem os usos da variedade linguística que dominamos. E mesmo aqui há usos mais frequentes que outros e, por conseguinte, regras que são mais frequentemente seguidas do que outras. Por exemplo, é provável (digo provável porque desconheço algum estudo quantitativo nesse tocante) que, em construções como “quais de nós...”, a regra mais frequentemente seguida seja a que nos instrui a fazer com que o verbo assuma a forma de 3ª pessoa do plural, para concordar com o pronome indefinido interrogativo “quais” (cf. “Quais de nós vão com você?). Nesse caso, há outra regra válida: a que nos instrui a concordar o verbo com o pronome “nós” da construção “de nós” (cf. Quais de nós vamos com você?).
As dificuldades parecem surgir quando temos de tomar consciência das regras subjacentes aos mecanismos de concordância. Por exemplo, o leitor pode falar ou escrever “A maioria dos meus amigos falam inglês”. Uma vez ouvindo alguém dizer “A maioria dos cariocas não aprovou a iniciativa”, pode começar a hesitar entre o uso da forma plural e da forma singular do verbo. São ambas agasalhadas pela norma culta? Sim, são. Quais as regras que estão em jogo aí?
Comecemos notando a estrutura do sujeito. Todo sujeito é constituído de um substantivo ou palavra de igual valor. Esse substantivo preenche a posição de núcleo do sujeito, em torno do qual podem aparecer outras unidades, como em (1) e (2):

(1)     Os cabelos de Isabel são lindos.
                             Núcleo
                (2) As três melhores amigas de Isabel viajaram para o exterior.
                                             Núcleo

 Como podemos saber que todo o conjunto à esquerda dos verbos “são” e “viajaram” é o sujeito. Em primeiro lugar, o sujeito é o termo com o qual o verbo, via de regra, concorda. É o núcleo do sujeito, normalmente, que comanda a concordância. Como o núcleo dos respectivos sujeitos está no plural (v. cabelos/ amigas), o verbo tem de ir para o plural (na terceira pessoa). Mas por que não considerar apenas o núcleo como sujeito? Na verdade, quando o sujeito se constitui apenas do núcleo, é o que acontece, como em (3):

(3) Amor       não é remédio.
     Núcleo
      Sujeito

Nos casos (1) e (2), no entanto, presas ao núcleo há outras unidades (todas grifadas em negrito). O núcleo e as unidades a ele ligadas formam um "bloco de sentido", ou seja, um sintagma. Um dos expedientes para identificar um  sintagma é o da comutação com uma forma pronominal. Se fôssemos usar “eles” em (1), teríamos de inseri-lo no lugar de  “os cabelos de Isabel”.

(1a) Eles      são lindos.
      Núcleo

Agora, “eles” é o sujeito (o termo com que o verbo concorda). Uma vez que a forma “eles” é passível de ocupar a mesma posição de “Os cabelos de Isabel”, conclui-se que é toda esta unidade que funciona como sujeito em (1).
Há outro expediente para identificar um sintagma – o do deslocamento. Se fôssemos reescrever a frase (1), de modo a começá-la pelo verbo, o resultado seria:

(1b) (sujeito) São lindos os cabelos de Isabel.
                                                  (Sujeito)

O teste do deslocamento nos mostra que é toda a unidade “os cabelos de Isabel” que é deslocada, e não apenas “os cabelos” ou “de Isabel”. Disso se conclui que é toda a unidade “os cabelos de Isabel” que cumpre a função de sujeito.
Os dois referidos testes - o da comutação e o do deslocamento - são utilizados na análise gramatical para a identificação de grupos coesos de vocábulos (sintagmas), que são os verdadeiros constituintes da oração. No entanto, também se nos mostraram relevantes para determinar a extensão do sujeito, em caso de dúvida.
Eu disse, anteriormente, que o núcleo comanda a concordância do verbo. De fato, é a regra geral. Mas casos há em que essa regra concorre com outra regra. Se o sujeito for formado de substantivos “partitivos”, ou seja, que designa uma porção de um dado conjunto de coisas (a maioria de, grande parte de, uma porção de, etc.), é possível acomodar o verbo à forma do substantivo núcleo da construção preposicionada. Como esse substantivo aparece no plural, o verbo assumirá necessariamente a forma de plural. Voltemos ao exemplo com que iniciei este texto:

(3) A maioria dos cariocas não aprovou/ não aprovaram a iniciativa.
          Núcleo

Há duas regras em concorrência nesse caso.

Descrição do caso: sujeito formado de substantivo partitivo.

REGRA 1 :  o verbo concorda, no singular, com o núcleo do sujeito, ou seja, com o substantivo que designa a parcela do conjunto.

REGRA 2: o verbo pode concordar, no plural, com o substantivo que designa os componentes do conjunto.