Temporada
Desfiz
a mala de projetos. Devolvi-os às gavetas. Recomeçar. É preciso. Apenas a
companhia da solidão de meus passos. O não-ser como ventre de possibilidades,
potência que a vida, por mais monótona, não cala. Estou seguro como nunca
dantes estive. Amores e desamores vêm e vão como as ondas que o mar faz deitar
sobre nossos pés. A vida, apenas, e o devir de Heráclito. Fluindo, na
alternância dos opostos. E já posso ouvir a canção ‘nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia tudo passa
tudo passará...’ A vida tem sido,
para mim, um exercício de solidão. Não da solidão superficial que preenche o
vazio deixado pela falta de entretenimento circunstancial. Mas da solidão que
se entranha na alma, que nos aparta do mundo. É certo que, há tempos, sou eu
que comando, não ela. Valho-me dela como um homem errante se vale de uma cabana
abandonada. É meu lugar de refúgio, longe do qual mantenho o estrupido do
cotidiano. Para suportá-la, deito a alma nas páginas de livros. E me demoro a
saboreá-las com o espírito. Que é a leitura senão a alimentação diária da alma?
É certo que viverei, ainda por muito tempo, anonimamente no coração alheio. E
viverei serenamente à espera de ser descoberto. Quem sabe o amor um dia volte a
adejar suas asas e redescubra em meu seio um bom lugar para se aninhar? Despeço-me
como um retirante que precisa deixar sua terra natal. Embora saudoso, é improvável
que a ela regresse. Assim deve ser, como o fora antes. A vida flui; as memórias,
com o tempo, se embaçam. Que seja breve ou não a estiagem do amor. Por ora,
quero apenas estar só, absorto. Que as estações da vida sejam amenas!