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terça-feira, 3 de julho de 2012

"Não se começa a filosofar, se não se debruça seriamente sobre o problema da morte" (BAR)


A morada da morte




Como pensar a vida sem pensar a morte? A felicidade, sem aceitar a infelicidade? A sabedoria, sem aceitar sua loucura? (...)”



(p. 50)

(grifo meu)



Tão logo me deparei com este trecho de Sponville, em Bom dia, angústia (2010), compreendi, por intuição iluminadora (em inglês, insight), por que não me acontece ponderar sobre a vida sem levar em conta o fato da morte. Pessoas há que veem nessa minha disposição natural para o tratamento da morte em minha fala ou escrita um sinal de dissabor, desespero ou de gosto pelo trágico. Mas se esquecem de que a vida é trágica; a vida é decepcionante. Citarei as palavras de Sponville, que nos ensina a esse respeito. Por ora, noto que, entre aquelas pessoas que evitam pensar na morte ou me censuram quando esta palavra visita meus pensamentos ou freqüenta a cavidade de minha boca, está minha namorada. Ela não compreende e ninguém nunca compreendeu. E essa compreensão não conta com o serviço da razão; nada tem de racional. É pura emoção; é pura sensibilidade! Sensibilidade à fragilidade da vida, por certo. Um legado do limiar de minha existência. A razão, em si, não leva-nos à compreensão da relação visceral entre vida e morte. Provam-nos as palavras seguintes de Sponville, ao contar-nos sobre o comportamento de seus amigos, particularmente os inteligentes:



“Alguns de meus amigos, mesmo inteligentes, garantem-me que na morte eles nunca pensam, ou algumas vezes por ano quando muito. Quanto a sentir o sabor dela... Outros, como eu, pensam nela todos os dias, e quase a toda hora de cada dia... Este gosto, é ele o que melhor conhecemos. Como os morangos ao lado nos parecem exóticos! Medo? Não demais, parece-me. Mas esse gosto de nada em todas as coisas, carregar essa sombra do perecer... Não se morre uma vez, afinal de contas, para acabar. Morre-se todos os dias, a cada instante de cada dia. A criança que eu era está morta no adulto que sou, aquele que eu era está morto hoje, ou se sobrevivem em mim é apenas na medida em que lhes sobrevivo, cada qual tranporta seu cadáver consigo, e jamais retornarão os amores antigos... A vida é  pungente porque morre, porque não para de morrer, aqui, à nossa frente, em nós, e o tempo é pungência, essa morte em nós que avança, que escava, que espera, que ameaça... Deve-se pensar nela? Deve-se esquecê-la? Questão de sensibilidade, pelo que creio, mais do que de doutrina”.



                                                  (p. 51)




É de sensibilidade de que se trata, decerto, sempre que levamos em conta a morte. Pensar ou não na sua essência, que não é senão a perda. Enfrentar a angústia na serenidade do pensamento. Que é a angústia? O que manifesta o nada, ensinará Kierkegaard. É ela um pré-sentimento, segundo Lacan, porque destituída de conteúdo específico. É um lugar algum, segundo Heidegger, porque revela o fato de que o que nos ameaça não está presente. A angústia diante da ideia da morte ou mesmo da morte como fato constatado (quando velamos o corpo de um defunto) torna o ausente ameaçador. Mas um ausente sempre presente, em potência. Por isso, escrevi, certa vez, todo ser humano é grávido da morte. A morte está latente em nós. E isso me faz lembrar uma passagem de Pessoa, que observa “somos defuntos adiados”. Escreverá Sponville ainda “(...) viver é morrer; e por isso a vida é ainda mais bela, porque traz em si a morte amarga” (p. 53).

Preciso citá-lo novamente, quiçá, assim, se interesse o leitor em ler seu livro. Uma leitura inquietante e agradável!



“(...) A verdade? Qual verdade? A de viver e de morrer. É a mesma, pois que apenas os viventes morrem, e pois que morrem todos. O raciocínio não muda nada. Não se morre por acidente, doença, velhice. Morre-se por ser mortal, morre-se por viver, por ter vivido. A morte, ou a angústia da morte, ou a certeza da morte, é o próprio sabor da vida, seu amargor essencial.”.



                                                    (p. 49)



Morre-se, porque é necessário morrer. Porque não há vida sem morte; e, para morrer, é preciso antes ter vivido. O leitor experiente não concluirá que Sponville lança um olhar pessimista sobre a existência humana. Não se engane com esse trecho. Para o autor, a vida comanda, embora também a morte o faça. Para ele, a vida basta; tem ela “gosto de felicidade”, sem negar-lhe o gosto de desespero. Leiamos atentamente este trecho, a fim de que nos torne mais clara a visão do autor:



“Que a vida seja decepcionante, sempre decepcionante, no fundo é isso que ela nos ensina de mais claro. Não, por certo, que nela não haja alegrias e prazeres. Mas não os que esperávamos ou não da mesma forma, ou que não poderiam, quando estão presentes, dar-nos a felicidade que deles esperávamos  quando não estavam presentes, quando nos faltavam”.

                                          

                                                    (p. 54)



A vida nos ensina esta dura lição: a decepção, a desilusão: “o amor decepciona. O trabalho decepciona. A filosofia decepciona” (id.ibid.). Que nos resta senão amar verdadeiramente sem crer no amor, sem divinizá-lo, aceitando-o como ele é, como tudo o mais, decepcionante?



“Prefiro o alegre amargor do amor, do sofrimento, da desilusão, do combate, vitórias e derrotas, da resistência, da lucidez, da vida em ato e em verdade. Prefiro a realidade, e a dureza da realidade. Se a vida não corresponde às nossas esperanças que nos enganam, desde o início (desde a nostalgia primeira que as alimenta), e que a vida só possa desde então nos desenganar... Gosto azedo da decepção, do qual nada cura senão o desespero, se for possível, a sapidez muito acre e muito salutar do desespero. Toda esperança é decepcionada, sempre, só existe felicidade inesperada.”.



                                                 (p. 55)

                                               (grifo meu)





Felicidade episódica! Poderíamos amar sem acreditar no amor? Apressar-nos-íamos em responder negativamente. Necessário, contudo, se faz compreender a lógica de Sponville. Escreve o autor: “E como amar verdadeiramente, enquanto se acredita no amor, enquanto se faz dele uma religião, um absoluto, um sonho?” (id.ibid.). É que só podemos amar verdadeiramente quando nos desfazemos das ilusões do amor, quando abandonamos os ideais de amor, quando não mais o idealizamos! Desfazer-se das ilusões que construímos sobre os objetos de desejo é a única forma de viver para quem abandonou as ilusões da transcendência e as mentiras da religião. Eis o que me parece inegável:



“Aquele que só amasse a felicidade não amaria a vida, e com isso se proibiria de ser feliz. O erro é querer selecionar, como nas prateleiras do real. A vida não é um supermercado, cujos clientes seríamos nós. O universo nada tem para nos vender, e nada diferente para nos oferecer senão ele próprio – nada diferente para oferecer senão tudo.”



(p. 56)



Preciso ainda citar estas últimas palavras de Sponville, antes de levar a cabo este texto; principalmente, porque é preciso que se dissipe qualquer dúvida sobre o valor que o autor atribui ao amor na vida dos seres humanos. Não nos enganemos com aquele tom desalentado com que parece encarar o amor. Sponville nos brinda com estas belas palavras a seguir, trecho em que trata da solidão:



“Solidão da arte. Há também uma solidão da dor, e é a mesma. Solidão de viver. Solidão de morrer. Solidão: finitude. A amizade não adianta nada, e, além disso, temos tão poucos amigos... Gostaríamos de ser amados ainda mais, o que confirma simplesmente que de amor, de puro amor, nós mesmos somos muito pouco capazes. Solidão do amor, do amor imenso que esperamos, daquele – também imenso por vezes – que desejaríamos dar...Mas o amor não se dá, nem se possui. O amor é pura perda (...), e essa perda, essa puríssima perda de amar, é a única riqueza, como que uma luz sobre o mundo, como que uma pobreza radiosa, como que uma jóia de alegria e de doçura na infinita solidão dos viventes”.



(p. 54)



Como negar que a vida é uma corrida em direção à morte? E como negar que, ao pensar na morte, temos de lidar com a fragilidade da vida, mas também com o amor, a solidão, o desejo de felicidade e a convivência com a decepção? Como escapar à angústia? Evitando pensar sobre a morte? Para Kierkegaard, quanto menos espírito, menos angústia. Mas a angústia está entranhada na existência, no seu absurdo, para ser mais exato. Para Heidegger, as instituições sociais são o modo que os homens encontraram para se defenderem contra a angústia. Mas, o que é mesmo angústia? Uma forma de ansiedade superlativizada. Que é ansiedade? Um estado emocional desagradável suscitado em nós por um perigo suposto. Ele não está adiante. Angústia em face da morte não é senão o medo da morte. A ansiedade está na raiz de todos os mecanismos de defesa do ego.

Por que, então, pensar a morte? Porque é preciso enfrentá-la. É enfrentando-a na solidão do pensamento que podemos viver a alegre amargura da vida. À assunção de meu ateísmo seguiu-se o sentimento de libertação espiritual e intelectual que compartilho com Sponville. Sem a bengala da ilusão religiosa, vivo a fragilidade e fugacidade da vida. E a aceito, não sem pensá-la na sua relação visceral com a morte, condição final a que estamos destinados desde o nascimento. Entendidas estas palavras, o trecho abaixo não atormentará as noites solitárias do leitor:



“A morte não é terrível. Passa-se ao sono e o mundo desaparece – se tudo correr bem. Terrível pode ser a dor dos moribundos, terrível também a perda sofrida pelos vivos quando morre uma pessoa amada. Não há cura conhecida. Somos parte uns dos outros. Fantasias individuais e coletivas em torno da morte são frequentemente assustadoras. Como resultado, muitas pessoas, especialmente ao envelhecerem, vivem secreta ou abertamente em constante terror da morte. O sofrimento causado por essas fantasias e pelo medo da morte que engendram pode ser tão intenso quanto a dor física de um corpo em deterioração. Aplacar esses terrores, opor-lhes a simples realidade de uma vida finita, é uma tarefa que ainda temos que enfrentar”.



                      ( A solidão dos moribundos, 2001: 76-77)






terça-feira, 12 de julho de 2011

"Viver a fecundidade da solidão é produzir o melhor de si mesmo". (BAR)


                               

                                           Eu diante de mim
                                Sobre a solidão de nossos dias

Hoje, quando penso no que vivi, nos últimos sete anos de minha vida, nos infernos espirituais em que me afundei, por conta da depressão que me abalou a serenidade, quando penso no que podia ter vivido, se minhas escolhas tivessem sido outras, ou no que não teria vivido; quando penso no longo tempo em que a solidão me foi a única companhia e que, não raro, me abandonava a ela; quando penso nos benefícios que os livros e a leitura assídua e incansável me trouxeram durante esse período; quando penso no alívio que experimentei ao ler o texto Solidão amiga, de Rubem Alves, que muito me ensinou a enfrentar minha ansiedade e meu desespero; quando penso nesse passado que me nega, enquanto sujeito que se realiza no presente, se bem que não possa negar a herança do passado; quando penso em tudo isso, chego à conclusão de que as obras do pensamento, os frutos doces e amargos do intelecto sempre me contentaram, porque sempre foi o Bem maior em minha vida.
É claro que o AMOR sempre esteve a guiar-me os pensamentos e não nego que ele seja, em minha vida, um Bem eminente. Ora, quem levantaria às seis da manhã para compor um roteiro e destiná-lo à pessoa amada que apresentaria um seminário? Quem correria atrás de ônibus para não perder um minuto sequer do tempo em que podia estar junto à pessoa amada? Quem enfrentaria chuva, frio e calor intenso, numa caminhada incansável para estar junto à pessoa que ama? Quem brigaria por mais tempo, quem reivindicaria mais tempo para o amor?
Não vou me alongar nesse tocante; não cabe aqui insistir no quanto me dediquei às mulheres que amei, que foram poucas. Reitero que não serei eu que farei reconhecer o meu valor, serão os outros. Não lamento injustiça e não procuro justiça. Para onde quer que olhemos, vemos injustiças. Não quero ser justificado, quero dar o melhor de mim. Assim, se amo, dou o melhor de mim; quando leciono, dou o melhor de mim. Quando leio, quando escrevo, quando medito, dou o melhor de mim.
Minha inteligência, minha sensibilidade, meu coração, minha alma, minha forma peculiar de me relacionar com a existência, como fato irrecusável e absurdo, minha abertura para o Mistério, minha avidez por questionar e rejeitar dogmas e crenças infundadas, infensas ao bom-senso, meu esforço por conservar minha autenticidade, minha distinção, minha singularidade são o melhor de mim.
Hoje, distribuo, igualmente, ao corpo e ao intelecto os cuidados que lhes são devidos. E isso me contenta, me regozija. Decidi, finalmente, cuidar de mim e isso significa preservar a saúde do corpo e da alma. Minha alma sempre esteve bem alimentada e saudável, em que pese os estados depressivos de que foi acometida, no passado, porque fora nutrida de conhecimento. Os livros são suas vitaminas, suas refeições. O corpo, hoje, está mais forte, vigoroso. Houve um tempo em que valorizei excessivamente os cuidados com a alma em detrimento do corpo. Hoje, corpo e alma estão conciliados. E, no AMOR, busco conservar essa aliança.
Quem de vocês, leitores estimados, antes de dormir, quando o sono insiste em nos escapar, permite o acesso à sua mente de pensamentos metafísicos sobre a possibilidade da vida além-túmulo? Certa vez, uma amiga distante perguntou-me se eu era agnóstico, embora eu já tenha declarado minha simpatia pelo ateísmo. Se por agnóstico entendemos aquele que rejeita a possibilidade de conhecer o Absoluto e até de pensá-lo, então eu sou um agnóstico. No entanto, se o agnóstico for definido como quem “fica-em-cima-do-muro”, sem opinar para um ou outro lado de uma questão, então não sou um agnóstico de fato. E, se como diz Richard Dawkins, em Deus – um delírio (2007) “um ateu (...) é alguém que acredita que não há nada além do mundo natural e físico, nenhuma inteligência sobrenatural vagando por trás do universo observável, que não existe uma alma que sobrevive ao corpo e que não existem milagres (...)” (p. 37), então eu não sou, nesse sentido, um ateu. Não creio no Deus de Abraão, tampouco no Deus de Cristo que, tomado de um sentimento muito humano, ousou questionar Deus sobre o motivo de tê-lo abandonado, na agonia da crucificação. No entanto, creio que haja um universo supra-sensível, uma dimensão espiritual. Talvez, eu seja um ateu espírita. Uma antítese? Decerto, porque o espiritismo funda-se nos ensinamentos do evangelho e assume como pressuposto a existência de Deus, no modo como Jesus Cristo o representou.
Como todo bom leitor, sou intelectualmente inquieto. Inquietude intelectual é uma qualidade que me define, em parte. As religiões infertilizam as mentes, engessam os pensamentos, castram a criatividade da alma. Por esse e outros motivos, hoje, não sou religioso.
Convém, todavia, dar novo curso a estas palavras, pois que não é de religião que pretendo me ocupar aqui. Concentro meus pensamentos na minha relação com a vida. Para tanto, refiro, abaixo, um texto postado por uma amiga professora na página de perfil de seu Orkut. Trata-se de um texto que me chamou atenção e que gostaria de compartilhar com vocês, leitores.

"Temos todo o tempo do mundo". Mas infelizmente as coisas não são bem assim.
Não temos todo o tempo do mundo, não temos tempo a perder. Mas infelizmente perdemos!
Perdemos tempo com muitas coisas, perdemos tempo acreditando em sonhos, perdemos tempo acreditando em alguém, perdemos tempo sem perceber.
Mas não notamos que o tempo passou (e o perdemos) senão quando nos vemos decepcionados com alguma coisa ou com alguém.
Tempo perdido? Talvez sim, talvez não...depende somente do ângulo por onde procuramos enxergar as coisas. Diz um velho ditado que "nada é por acaso" e, a partir deste pensamento podemos enxergar as coisas de um modo
diferente, de um modo em nos vemos mais maduros, talvez até machucados, mas com olhos voltados para o futuro, capazes de enfrentar novamente a vida e seus desafios.
Willian Shakespeare diz em um de seus poemas que "depois de algum tempo você aprende que maturidade tem mais a ver com as experiências que você teve do que com quantos aniversários vc celebrou", e isto é verdade! Somente as experiências podem nos ensinar!
A dor, às vezes, é a nossa melhor amiga!
                                                 
Leiamos duas ou três vezes. Leiamos quantas vezes quisermos, para que não deixemos escapar um punhado sequer da sabedoria que este texto veicula. Inicialmente, repercute a voz de Renato Russo, na canção Tempos perdidos. Lembra? “Somos tão jovens...”. Na canção, Renato diz: “temos todo tempo do mundo...”. Assim, pensam os jovens. É claro que não temos todo o tempo do mundo; nosso tempo aqui neste planeta é breve e pode chegar ao fim sem que sejamos avisados. Decerto, perdemos tempo quando ficamos a ruminar nossas dores e perdemos tempo supervalorizando nossas decepções, nossas frustrações. Decepções e frustrações todos nós experimentamos em muitos momentos da vida e seu impacto negativo sobre nós dependerá do quanto esperamos do outro, dependerá, portanto, da medida de intensidade de nossas expectativas, de nossos anseios.
Somos seres de emoção, e, como tais, somos suscetíveis à dor e ao sofrimento. Não se trata de sugerir que devamos ser indiferentes, insensíveis. Chore a intensidade de sua dor, sofra a medida de seu sofrimento. Mas, no abismo de sua dor, na clausura de seu sofrimento, sempre haverá a possibilidade de ‘abrir uma janela de sua alma’, por onde poderá ver “as coisas de outro ângulo”.
E a razão parece estar com Shakespeare: maturidade não se mede pelo número de aniversários, mas pela quantidade e valor de nossas experiências. Depende do grau de nosso envolvimento anímico e corporal com a existência. Nesse sentido, acho que o AMOR é uma força propulsora para esse envolvimento. Que outro desejo, que outra emoção está tão ligada ao envolvimento com a existência, com a vida? Os amantes não querem viver mais, gozar mais, entregar-se mais? A experiência amorosa nos descentra, nos desloca, nos arremessa a regiões espirituais dantes inacessíveis, porque nossa alma se guiava pelo regime insosso e exigente do cotidiano. O AMOR só exige o melhor de nós: o nosso ser.
Doravante, considerarei o texto de minha amiga Gizelda, postado em seu blog. Leiamo-lo:

"A Solidão concede ao homem intelectualmente superior uma vantagem dupla: primeiro, a de estar só consigo mesmo; segundo, a de não estar com os outros. Esta última será altamente apreciada se pensarmos em quanta coerção, quantos estragos e até mesmo quanto perigo toda a convivência social traz consigo. 

«Todo o nosso mal provém de não podermos estar a sós», diz La Bruyère. A sociabilidade é uma das inclinações mais perigosas e perversas, pois põe-nos em contacto com seres cuja maioria é moralmente ruim e intelectualmente obtusa ou invertida. O insociável é alguém que não precisa deles. 

Desse modo, ter em si mesmo o bastante para não precisar da sociedade já é uma grande felicidade, porque quase todo o sofrimento provém justamente da sociedade, e a tranquilidade espiritual, que, depois da saúde, constitui o elemento mais essencial da nossa felicidade, é ameaçada por ela e, portanto, não pode subsistir sem uma dose significativa de solidão. Os filósofos cínicos renunciavam a toda a posse para usufruir a felicidade conferida pela tranquilidade intelectual. Quem renunciar à sociedade com a mesma intenção terá escolhido o mais sábio dos caminhos. "

Arthur Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida

Solidão é questão de estado de espírito.Ninguém precisa ser ou sentir-se superior para gostar de estar só.Há momentos em que nós somos nossa melhor companhia.

Não posso deixar de notar, numa leitura polifônica, a voz de Freud, que, em O Mal estar na cultura (2010), ensina estarem entre as três fontes de sofrimento dos homens justamente as relações sociais. Ilustrativo é o seguinte trecho colhido dessa obra:

“A proteção mais imediata contra o sofrimento que pode resultar das relações humanas é a solidão voluntária, o distanciamento em relação aos outros. Compreende-se: a felicidade que se pode alcançar por esse caminho é a da quietude”.
(p. 65)

Em seguida, acrescenta:

“Contra o temido mundo externo não é possível defender-se de outra maneira senão por alguma espécie de afastamento, caso se queira resolver essa tarefa por si mesmo”.
(id.ibid.)

É claro que não devemos daí concluir que a felicidade repousa em alimentar uma aversão à vida social. Não se trata de ser misantropo. Devemos sempre ter em conta que nós, seres humanos, somos seres sociáveis; desde os primórdios, nossa vida se organiza em comunidades e nossa sobrevivência depende dessa organização. Nossos ancestrais só conseguiram desbravar o mundo e sobreviver porque formaram tribos, grupos e instauraram a divisão do trabalho, distribuindo papéis aos seus membros. No entanto, como bem mostra Freud, a sociedade está longe de ser a meta de felicidade do homem. A vida civilizada exige que os homens reprimam seus instintos de prazer. Nunca alcançando a felicidade, em virtude dos mecanismos repressores da cultura, os homens devem contentar-se com a sublimação de seus impulsos. Assim fazem os artistas quando se concentram em seu trabalho e dele extraem contentamento e um prazer substitutivo, ou os pesquisadores que se alegram com os resultados de seu trabalho. Entretanto, a sublimação, embora seja uma espécie de compensação à frustração experimentada pelos homens, por não terem realizados seus impulsos mais primitivos, jamais produzirá a mesma intensidade de prazer que aquela realização produziria.
A solidão permite o confronto do ‘eu’ consigo mesmo. Em outras palavras, quem teme deixar-se estar só teme, na verdade, confrontar-se consigo mesmo. A solidão convoca o ‘eu’ a pôr-se diante de si mesmo, para nele mesmo meditar. Também a solidão, ao colocar o mundo entre parênteses, devolve-nos aquela sensação, que nos é tomada no convívio social: a sensação do vazio do ser, ou seja, do nada. É na ociosidade que os grandes filósofos puderam produzir seus pensamentos. Para pensar, é preciso estar em ociosidade. O ócio é oficina para os pensamentos. Se bem conduzido, o ócio proporcionará a produção de pensamentos elevados, fecundos, próprios dos espíritos largos, profundos, libertos.
Eu rejeito, em parte, a lição de Schopenhaeur, filósofo cujos pensamentos, aliás, muito aprecio, porque renunciar à sociedade é, na verdade, para muitos de nós, muito difícil, salvo os eremitas.
Cabe, finalmente, assentar o nosso dilema nos seguintes termos:
a) somos seres projetados para viver em sociedade;
b) construímos sociedades que nos tornam insatisfeitos e infelizes;

O que fazer? Se não estamos dispostos a seguir o conselho do eminente filósofo, devemos buscar relações sociais que nos favoreçam. Frustrações e decepções podem recair sobre nós nessa longa busca. A solidão poderá servir bem como uma balsa nas tempestades, uma balsa que, se bem conduzida, nos permitirá experienciar-nos de um modo mais íntimo. Essa intimidade pessoal, essa imersão em nós mesmos é indispensável para o nosso bem-estar psíquico. É esse olhar interior que nos permitirá lançar luzes sobre as trevas de nossas relações pouco produtivas e favoráveis com os outros.
Mas é bom lembrar que solidão não pode individualizar. Não se trata de acreditar que nos basta a solidão, que nos basta a nós mesmos, que o ego deve ser a prioridade, o centro de nossas disposições emocionais. A solidão deve ser um momento fértil para reflexões, para a partilha de pensamentos. Eu, para escrever, preciso estar sozinho; às vezes, imerso num silêncio inquisidor, às vezes, com a televisão ligada, ou, uma música tocando ao fundo. O importante é que a solidão faça-nos perceber de outro modo. Viver a fecundidade da solidão é produzir o melhor de si mesmo, é pôr a nu o fundo do ser, que, muita vez, se oculta aos olhos do outro, especialmente se esse outro é “intelectualmente obtuso” ou, o que dá no mesmo, estúpido.

domingo, 10 de julho de 2011

Quando tenho de ficar só...



                                                                Anoitecer

Na sala, um falatório com risadas estridentes, entremeadas com exaltações e gargalhadas. Todos embalados por uma conversa trivial sobre chá, café e adoçante. A alegria trivial de uma vida comum preenche os espíritos que interagem, num fim de domingo em que minha alma sucumbe ao vazio do tédio.
Prefiro recolher-me em um quarto para escrever. E, então, estou eu diante desta tela de computador esforçando-me para que as combinações verbais que estampo neste papel virtual me permitam algum grau de expressão lírica. Nesse momento, incomodam-me as palavras; quero rejeitá-las, mas não consigo. Sua companhia lembra-me os dias desgostosos a que ficou presa minha alma; quero afastá-las, mas não consigo.
Diante de mim, meu cachorro perambula, desnorteado. Tenho de acudi-lo, mas meu corpo está preguiçoso. Uma pausa. Por um momento, esqueço que ele não mais escuta; é vão chamar pelo seu nome. Uma pausa.
Olho minhas últimas fotos... Apaixono-me por mim. Admiro-me. Mas não posso evitar uma leve inquietação: por que continuo solteiro? E não me venham dizer que eu sou exigente ou pachorrento, ou acomodado. Acontece que não tenho sorte no amor. É meu destino. Também não lamento, porque lamentar não me é proveitoso. Apenas constato, interpreto o que me parece intrigante.
Não é que não me considere atraente, em muitos sentidos. Não é que não seja eu merecedor. Talvez, como me disse, certa vez, uma amiga, eu tenha muitas pretendentes, se bem que não as conheço. E não as conheço porque, talvez, eu seja mesmo desatento.
As férias não me beneficiam. Os amigos sumiram; o único que restou não responde às minhas solicitações. A verdade é que meus amigos namoram ou estão noivos e alguns deles são companhia apenas para conversas triviais ou entretenimentos como jogar vídeo-game.
Com o tempo, os amigos se afastam; é a ordem normal da maturidade; uns namoram, outros casam. A vida se encarrega de nos distanciar. Por outro lado, quanto mais estudamos, quanto mais lemos, quanto mais elevado nosso grau de cultura, mais seletivos ficamos.
Eu experiencio a solidão do intelecto e dela, raramente, sou retirado.