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quarta-feira, 30 de abril de 2014

"A fragilidade da vida me é uma certeza familiar" (BAR)

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                                         O meu silêncio

Este é mais um dia comum, deste meu cotidiano comum que, no entanto, me é próprio. Não há um só dia em que eu não pense na morte, na minha, na morte de tudo que é vivente e frágil. A fragilidade da vida me é uma certeza familiar. Não há um só dia em que eu evite pensar nos amores não vividos, nos que perdi, nos que queria ter vivido num instante de insensatez poética, nos que foram esmagados pela tirania do efêmero, por razões que não compreendo ou que dispensam compreensão.

Ouçamos a Camus:

“Um homem é mais homem pelas coisas que silencia do que pelas que diz” (p. 99)

Eu escrevo para não ser lido e assim consigo algum contentamento. Este silêncio me é também familiar; eu o arrasto pelos caminhos que percorro; eu o constranjo pela insistência nos versos ou na prosa; forço-o a dizer o inefável, o que me excede no labor da filosofia. A minha verdade mora nesse silêncio que faço falar sem falar, não nas palavras que enuncio; palavras costumam nos trair. O meu silêncio é de dor, é de desejo que não calo. Nesse silêncio, convivem o que me é estranho e o que me é familiar.

Ouçamos a Camus:


“(...) o homem é seu próprio fim. E seu único fim. Se ele quer ser outra coisa, é nesta vida”.
(p. 103)



Nada me é mais estranho do que o eterno, que nega no homem o mundo sem o qual não há o humano. Eterno e humano são antíteses, são abstrações antagônicas.


“Um coração tão tenso – escreve Camus – foge do eterno, e todas as Igrejas, divinas e políticas, pretendem o eterno”.




E de novo a pertinência da morte, meu silêncio definitivo, meu abismo imperscrutável, meu leito derradeiro onde toda dor é silenciada, pois na cova onde jazerá meu corpo não estará mais quem fui; apenas o que de mim restou, os restos que resistiram à aniquilação total. Mas não se iludam: eu mesmo estarei aniquilado; somente meu silêncio permanecerá. Ele é minha obra, meu legado. Os gênios deixam seu silêncio no que escreveram. Estão nas bibliotecas. O meu silêncio ficará com os restos do que um dia fui eu. Que seja!

Ouçamos a Camus, que, brilhantemente, nos lega este passo:



“No fim de tudo isso, apesar de tudo, está a morte. Nós o sabemos. Também sabemos que ela termina com tudo. Por isso são horríveis os cemitérios que cobrem a Europa e que obcecam alguns entre nós. Só embeleza o que se ama, e a morte nos repugna e nos cansa (...)”.

(p. 103)


Escrevo estas linhas enquanto leio um capítulo de Camus; e me reconheço no conquistador que “escolheu o cercado de ferro negro ou a fossa anônima” que confirmam minha breve estadia neste mundo do absurdo, único e verdadeiro mundo.E não posso deixar de referir as palavras de Camus novamente, antes de retornar ao meu silêncio familiar:


“Os melhores entre os homens do eterno sentem-se às vezes tomados por um espanto cheio de consideração e piedade pelos espíritos que podem viver com tal imagem de sua própria morte. Esses espíritos, no entanto, extraem disso a sua força e a sua justificativa. Nosso destino está à nossa frente e é a ele que desafiamos. Menos por orgulho que por consciência de nossa condição insignificante. Também temos às vezes piedade de nós mesmos. É a única compaixão que nos parece aceitável: um sentimento que talvez vocês não compreendam e que lhes parece pouco viril. No entanto, são os mais corajosos entre nós que o experimentam. Mas chamamos viris os lúcidos e não queremos uma força que se separe da clarividência”.
(p. 104)