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sexta-feira, 10 de junho de 2022

"Não é a satisfação da vontade que é a causa do prazer (...), mas o fato de que a vontade quer ir avante e quer ainda assenhorear-se do que encontra em seu caminho" (Nietzsche).

 




              O prazer e a dor à luz do perspectivismo nietzschiano

 

“O homem – escreve Nietzsche – não busca o prazer e não se esquiva do desprazer”[1]. O homem quer o mesmo que o mais rudimentar organismo vivo quer: um aumento de potência. Ao ter como fim o aumento de potência, é inevitável que na busca desse aumento de potência concorram o prazer e o desprazer. O desprazer é necessário para toda vontade de potência que deve opor resistência a um obstáculo. O desprazer é, assim, um “ingrediente” normal de todo fenômeno orgânico, de sorte que o homem não foge do desprazer, mas tem necessidade dele. O prazer e a dor, segundo Nietzsche, não são contrários. Não raro, o prazer se faz acompanhar de uma série de desprazeres que leva a um crescimento da vontade de potência. A vontade de potência que “quer” aumentar sua potência deve impor resistência a toda sorte de obstáculo. Assim, no fragmento 304 de Vontade de Potência, observa Nietzsche:

 

Há casos em que uma espécie de prazer é condicionada por uma certa sucessão de pequenas crispações de desprazer: atinge-se, assim, a um crescimento bastante rápido , do sentimento de potência, do sentimento de prazer. (...). Um pequeno obstáculo é suplantado, mas imediatamente segue-se outro que também é suplantado – esse jogo de existências e vitórias estimula ao máximo o sentimento geral de potência, supérfluo e excessivo; constitui precisamente a essência do prazer. (ênfases no original).

 

Para Nietzsche, a essência do sofrimento não consiste numa diminuição da vontade de potência, ou “do sentimento de potência”. A dor pode ser um estimulante para o acúmulo de potência, ao menos para o tipo humano afirmador. O que determina o que provoca prazer e o que provoca desprazer é o grau de potência de uma vontade de potência, de tal sorte que “a mesma coisa, em relação a uma pequena quantidade de potência, manifesta-se como um perigo e a necessidade de evitá-lo logo que possível pode, quando se tem consciência de uma potência maior, trazer consigo uma excitação voluptuosa, uma sensação de prazer”. (ibid., § 306).

O prazer não se dá como resultado da satisfação da vontade; a satisfação da vontade repousa sobre o fato de ela superar-se, de ela querer assenhorear-se “do que encontra em seu caminho”. (ibid.). O prazer reside justamente nesse avanço da vontade de encontro com aquilo que se lhe apresenta como obstáculo ao qual ela impõe resistência; o prazer já se encontra no embate da vontade contra um adversário. Para Nietzsche, o “homem feliz” que se reconforta na ataraxia é o ideal do rebanho. Tomar como critério de avaliação do mundo a quantidade de prazer alcançado é uma atitude própria do tipo humano cansado da vida, para quem “o mundo é algo que razoavelmente não deveria existir porque ocasiona ao sujeito sensível mais desprazer que “prazer””, visão esta a que Nietzsche acrescenta o seguinte comentário – “semelhante palavrório chama-se hoje pessimismo”. (ibid. § 312).

O pessimista, que desaprova a existência em virtude da quantidade de desprazer e/ou de dor que ela abarca, não vê que toma como causa de sua rejeição apreciações de valor. O desprazer e a dor são valores com os quais ele julga nociva a existência. Mas esse julgamento tem como base o sentimento. Nietzsche é incisivo ao rejeitar tal julgamento de superfície: “Eu desprezo este pessimismo da sensibilidade: é um traço de profundo empobrecimento vital”. (ibid.).

Pretender determinar se a vida tem ou não valor segundo a quantidade de prazer e/ou desprazer que ela encerra é ignorar que, na avaliação, o indivíduo se vale de sentimentos como meios pelos quais ele julga a vida. Mas pergunta-se Nietzsche como podemos determinar o valor do valor. O valor do valor não pode ser determinado segundo tais sentimentos agradáveis e/ou desagradáveis. Disso resulta que é somente a quantidade de poder aumentada e organizada que pode determinar se a vida vale ou não a pena ser vivida. Em outras palavras, o homem habitualmente decide sobre o valor ou não da existência com base em sua consciência, a qual não é mais do que um instrumento a serviço da vontade de potência . Nietzsche considera como erro o assumir a consciência, mero instrumento da vida em geral, como valor superior da vida, como medida para avaliá-la. Quem toma a consciência como medida para julgar a existência toma a parte (consciência) pelo todo (vontade de potência).

 

A “negação da vida” considerada como finalidade da vida, como finalidade da evolução! A existência como grande tolice! Uma interpretação tão louca é somente o produto monstruoso de uma avaliação da vida por meio de fatores da consciência (prazer, desprazer, bem, mal)

(...) Mas o defeito de uma tal interpretação reside precisamente no fato de que em vez de procurar a finalidade que explica a necessidade de semelhantes meios, pressupomos, de antemão, uma finalidade que os exclui: quer dizer que consideramos como normas nossos desejos em relação a certos meios (meios agradáveis, racionais, virtuosos), estabelecendo, segundo eles, a finalidade em geral que é desejável...  (ibid., § 315, grifo nosso).

 

 

A expressão “negação da vida” que encabeça o excerto supramencionado sinaliza uma crítica às formas que assumem o instinto de decadência (por exemplo, a filosofia pessimista de Schopenhauer, o cristianismo, o budismo...) que tomam como critério de valoração da vida a quantidade de desprazer que ela provoca. Cada uma das formas que assume o instinto de decadência é uma vontade de potência, embora fraca. Cada uma dessas formas do instinto de decadência que toma como finalidade da vida “a negação da vida” constitui uma interpretação da vida, a qual reflete uma vontade de potência enfraquecida, esgotada. Todas essas formas condenam a vida em favor de alguma outra coisa. No pessimismo de Schopenhauer, a vida é condenada em favor da supressão de todo desejo, de todo querer; no cristianismo, em favor do além-mundo, do Reino de Deus; no budismo, em favor do Nirvana.

Sabe-se que o sofrimento para Nietzsche não deve ser razão suficiente para desaprovar a existência; ao contrário, o sofrimento deve ser para o tipo de homem forte – dionisíaco - um fortificante para a vida, para “mais vida”, não porque se deve amar o sofrimento, mas porque se deve dizer “sim” à vida, se deve querê-la, amá-la incondicionalmente, deve-se rejubilar-se em ser mais fecundo na dor. A vida do sacerdote ascético, a vontade de potência que ele afirma, por outro lado, é uma vontade corrompida, decadente; uma vontade que se volta contra si mesma, que enfraquece a vida. O sacerdote ascético é um valorador, mas seus valores são valores que conduzem o homem ao afastamento niilista da vida. O sofrimento que o sacerdote ascético causa a si próprio é um instrumento de punição. Esse homem doente transformou-se em pecador: o que ele quer não é mais vida, é mais dor; nele se enraizou o desejo de mais dor. Como vontade de potência, o tipo vital que é o sacerdote ascético também interpreta. Ele reinterpretou o sofrimento como castigo. Com o sacerdote ascético, a má consciência se chama pecado; nele se dá o agravamento mais nefasto da doença do espírito.

 



[1] Vontade de Potência 2011, § 303.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

"Só vejo o devir" (Heráclito)

 



Se é verdade que a subjugação não é uma invenção humana, já que ela se exerce nos modos parasitários, é igualmente verdade que a sujeição da natureza pelo homem transformou radicalmente a natureza da sujeição. Pela ação do homem, a sujeição afeta não apenas os processos ecológicos, mas também o princípio eco-organizador da vida. Mas a natureza subjugada não é, no entanto, passiva; ela responde à sujeição imposta pelo homem interferindo drasticamente em suas condições de vida. A natureza reage à sujeição humana através das variações ecológicas, tais como seca, gelo, inundações que provocam desastres e fome, epidemias... Assim, quanto mais o homem domina a natureza mais ela o domina também, mais ela o lembra de seu devido lugar na ordem universal.




O homem é um animal tão insignificante na ordem universal, que pode ser morto por um microrganismo bastante simples, que se situa na fronteira entre a matéria viva e não viva - um vírus. Sinto-me, deveras, espantado de ver como este animal ufano não se aperceba disso (e não seja tomado de assombro!) na sua vida diária, sempre muito atarefada, sempre entulhada de afazeres que só lhe servem para evitar que sucumba ao tédio ou ao desespero. Se insisto em lembrar ao meu semelhante à insignificância radical de sua condição existencial, não é para humilhá-lo ou aviltá-lo, mas para esclarecê-lo sobre a insensatez de sua conduta, sobre a loucura, a estupidez, a desmesura, a incúria de seu modo de ser e viver; é para esclarecê-lo, em suma, sobre o fato de que os valores e os afetos que governam seu agir levam-no, com frequência, a chafurdar no autoengano e em aborrecimentos que, contemplados à luz de seu destino tumular, são sem importância alguma. A morte, essa credora implacável, a tudo revoga, a tudo confere um caráter de futilidade , nadidade e insignificância. Meu exercício espiritual de todas as manhãs consiste não em orar a Deus (hábito comum e motivado pela empedernida vaidade humana), mas em me lembrar que não sou um ser necessário, que minha existência é contingente e insignificante para a economia da ordem cósmica. Agindo assim, me poupo de grandes aborrecimentos e evito dar excessivo valor às coisas e à minha autoimagem.





Sinto muito, cristãos!

 

Uma das descobertas sólidas e, por isso, mais persistentes ainda hoje, feitas pelos estudiosos do Novo Testamento e dos cristianismos primitivos, nos últimos 200 anos, é que os seguidores de Jesus, durante a vida deste, não o viam como Deus, mas como completamente humano. As pessoas do século I d.C, tempo em que viveu Jesus, viam-no como um rabino, um profeta; outras o consideraram o messias, porém muito humano. Ele nascera numa Galileia rural e não era muito diferente dos demais judeus. Jesus foi criado em Nazaré e não se destacou muito em sua juventude. Quando adulto, sobretudo, ele passou a acreditar - como, aliás, muitos outros judeus de seu tempo - que vivia perto do fim dos tempos. Como um profeta judeu apocalíptico, Jesus acreditava que Deus interviria no curso da história para derrubar as forças do mal e instituir o reino do bem aqui na terra. Jesus sentiu-se como o mensageiro do apocalipse vindouro e passou todo o seu ministério público pregando esta mensagem. Pelo menos, até que causou profundo descontentamento nas autoridades governantes durante sua viagem a Jerusalém, sendo preso e julgado pelo governador da Judeia, Pôncio Pilatos. De um rápido julgamento, seguiu-se sua condenação. Considerado um agitador político, Jesus foi condenado à morte ignominiosa por crucificação. Para os romanos, a história de Jesus acabava por aí.

O fato é que os primeiros cristãos chamavam Jesus de Deus num tempo em que imperadores romanos também eram considerados deuses. Os judeus, embora fossem monoteístas, distinguindo-se, notavelmente por isso, dos demais povos politeístas do mundo antigo, também acreditavam que humanos podiam se tornar divinos e deuses podiam assumir a forma humana. Mas foi apenas 300 anos depois da morte de Jesus, por volta de IV d.C, que grandes pensadores do mundo romano passaram a acreditar na transcendência do reino divino em relação ao reino humano. Antes dessa época, predominava a crença de que os reinos humano e divino se situavam no continuum vertical. Tais reinos se interpenetravam: humanos podiam assumir formas divinas, embora ocupassem as camadas inferiores da pirâmide das divindades. Por isso, para os primeiros cristãos, a maioria dos quais judeus convertidos, Jesus não era Deus no sentido em que os cristãos modernos o concebem como Deus. A maneira como o imaginário cristão moderno representa a divindade de Jesus é um produto do século IV d.C., período em que o Império Romano iniciara o processo de conversão do paganismo para o cristianismo.

A conclusão que não se pode recusar, após estudarmos a história do desenvolvimento da fé cristã desde seus primórdios até hoje, é que o Jesus histórico é muito diferente do Jesus construído pela dogmática da Igreja, que a natureza supostamente divina de Jesus é uma ficção histórica, ou seja, uma criação histórica. Essa mesma história produziu a significação do Deus metafísico cristão, como o entende Castoriadis.

 




 

 

 

O niilismo não é uma doutrina filosófica; pelo menos, não é assim que o concebo. Entendo-o como uma espécie de manifesto de desmitificação, ou, como tenho procurado pensá-lo em minha pesquisa, entendo-o como um campo hermenêutico, à luz do qual tudo aquilo que o ser humano toma como dotado de “ser”, de “objetividade”, de “substancialidade”, ou que toma como algo originado de uma instância metafísica, aparece como artifício, ficção, constructo, produto da instituição do imaginário-simbólico que é ele mesmo instituído pelo domínio social-histórico. O “nihil” do niilismo não pode, portanto, ser concebido como a contraparte ontológica do “ser”, porque, dessa forma, prolongamos o hábito de pensar em termos de dualismos metafísicos, ou melhor, continuamos a conferir o caráter de substância ao que é ficção (criação, fabricação) imaginária. Ora, a própria substantivação “o nada” opera, no âmbito semântico, a substancialização do “nada”, ou seja, “o nada” é tomado, concebido, paradoxalmente, como algo ( um ente) que existe como o antípoda do “ser” ( é o não-ser - a contraparte do ser). A nadificação operada pelo niilismo não se define no quadro das categorias metafísicas; “nadificação” deve ser entendido como “dessubstancialização”, esvaziamento do caráter de ser, de substância, de quididade, a fim de que aquilo que sofreu a nadificação apareça como ficção imaginária, artefato, figura, signo, símbolo; em suma, significação imaginária. Assim, “Deus”, “ser”, “nada”, “Estado”, “democracia”, “Essência” são significações imaginárias (não da mesma ordem, já que se inscrevem em campos de sentido diferentes; em todo caso, são significações criadas pelo imaginário-simbólico). Mas significações imaginárias não são irrealidades, "fantasias"; elas existem para a sociedade que as institui; existem como objetos-de-discurso, funcionam como "coisas", "referentes" em determinados domínios discursivos. O imaginário depende do real para existir, e o real não é possível sem o imaginário.

Tome-se o exemplo do modo como, em nossa cultura, “vida” e “morte” são representados. O niilismo, como processo histórico e antropológico de desmitificação, expõe, à luz do dia, o caráter ficcional do dualismo da vida-morte, instituído pelo imaginário-simbólico metafísico, fundante do modo de ser e das sensibilidades do homem ocidental. Herdamos desse imaginário-simbólico metafísico a crença comum de que vida e morte são polos antagônicos e excludentes entre si, ou seja, herdamos a crença de que há uma relação de oposição e exclusão entre a vida e a morte, de sorte que, nessa relação imaginária de oposição e exclusão, a morte não só é representada como a antagonista da vida (a despeito de ela cooperar para o equilíbrio biológico do ecossistema), mas também é negada pela sua transfiguração em imagens como a de ‘passagem’, ‘caminho’ para uma outra vida além-túmulo. Essas metáforas/imagens/simbolismos da morte são ficções, figuras, significações geradas, produzidas na instituição do social-histórico, que é o imaginário radical, o qual, por sua vez, é a matriz fundamental e originária de todas as significações sociais imaginárias, uma vez que o imaginário radical é criação, sob a forma de representação, de uma coisa ou de relações que não são dadas na experiência sensível e imediata de mundo. É assim que Deus é uma significação imaginária, produto do imaginário radical que constitui a base do imaginário efetivo e do simbólico. Também “democracia”, “economia”, “capitalismo”, etc. são ficções do imaginário social instituído. Essas “coisas” não existem sem a instituição imaginária da sociedade. O niilismo, portanto, ao declarar guerra aos valores superiores, a todo o imaginário produzido pela metafísica ocidental, que levou o homem a se conceber, a se representar, a se significar como um ser vivo superior e à parte da ordem natural, da totalidade ecossistêmica da vida, “quebra” o “feitiço” do imaginário-simbólico, na medida em que expõe seu mecanismo de funcionamento, na medida em que descerra o modo de produção das significações imaginárias instituídas, as quais não aparecem como tais nos processos sociais da vida comum, mas se transmitem sob a forma de saberes inquestionáveis, sistematizados numa tradição, em doutrinas religiosas, filosóficas, políticas, e cuja origem é metafisicamente justificada ou apagada no próprio processo de constituição sócio-histórica da consciência individual.

Por não ser uma doutrina, o niilismo se constitui historicamente em processos dialógicos com outras áreas do conhecimento humano, apropriando-se de suas críticas, de seus conhecimentos, de seus postulados a fim de compor o seu arsenal, seus arranjos, seu instrumental crítico-corrosivo. É claro que, como todo empreendimento humano, o niilismo envolve um risco, um perigo, já que não é imune à apropriação por tipos humanos ou formações vitais movidos pelo ressentimento, pelo ódio à vida, pelo instinto de negação divorciado da afirmação; todavia, é no horizonte do niilismo que se devem travar as batalhas, que se deve afirmar a resistência, que se deve fazer triunfar a vontade de viver sobre a vontade de morte, de nada; o niilismo é a condição de possibilidade para novas instituições de sentidos, de valores, de significações, em suma, de um imaginário-simbólico que promova a vida, que a favoreça em face de seu irrecusável caráter trágico, que passa a ser então afirmado, desejado, quero dizer, como jogo contínuo de complementaridade entre criação e aniquilação, nascimento e morte, sofrimento e alegria, amor e ódio, luz e escuridão. Pois que afirmar o trágico é afirmar o conflito, o jogo dos opostos, dos antagonismos, mas também a complementaridade dos opostos, dos antagonismos. Afirmar o caráter trágico da vida é reconhecer que no mundo natural “não apenas uma reorganização permanente responde à desorganização permanente, mas, sobretudo, que o processo de reorganização se encontra no próprio processo de desorganização”. (Morin). Não há criação sem aniquilação, como soube bem ver Nietzsche; e vida e morte estão numa relação inextricável de cooperação e complementaridade - uma evidência que nos habituamos a ignorar - e ignoramos porque, como sujeitos sociais, somos fabricados pelas instituições de nossa sociedade, somos moldados pelo imaginário social instituído.



                            


“Só vejo o devir” (Heráclito)

 

O trabalhador bem ajustado socialmente quer unicamente encontrar em seu ralo e esquálido tempo livre alguns momentos de distração. Ao chegar a casa, senta-se no sofá, e a televisão se lhe oferece um cardápio de nossas tragédias humanas, que ele pronta e servilmente degusta. A mais recente delas é a da chuva que arruinou a cidade de Petrópolis (novamente). ( contam-se 130 mortos no silêncio indiferente do Universo e de uma natureza que não dá sinais de remorso ou luto). O trabalhador-telespectador bem ajustado aos padrões de comportamento, de pensamento e de sensibilidades estabelecidos em sua cultura, forjada e entretecida no simbólico-imaginário cristão, reage ao nefasto acontecimento como todo mundo reage: “ meu Deus, tenha misericórdia!”. Como Deus não responda aos insistentes apelos destes sapiens devotos e ávidos de encontrar uma ordem moral do mundo, há que buscar os culpados entre os humanos a fim de justificar o silêncio e a indiferença divinos. É certo que as chuvas volumosas, nesta época do ano, costumam causar estragos; é certo que nossas autoridades governamentais nada fazem para prevenir ou minimizar os impactos danosos de fenômenos naturais como estes sobre a vida já flagelada e precária de populações inteiras de sapiens, que são forçadas a residir em casas apinhadas em encostas. Já conhecemos bem o roteiro: “depois que a porta é arrombada é que se preocupa em colocar a tranca”. Num mundo que fosse obra de um Deus criador, como o Deus judaico-cristão, teríamos, ao menos, o direito de dividir com ele a culpa pelo sofrimento infligido a inocentes; mas num mundo como o nosso, obra do jogo do acaso e da necessidade, onde grita uma natureza sábia e louca, ao mesmo tempo cega, míope e onisciente, onde Dike (justiça) nasce da Hybris (desmedida), temos o dever de assumir o nosso trágico destino como espécie de primatas entre milhões de outras espécies existentes e nossa responsabilidade em ações e omissões cujos efeitos acrescentam mais dor e sofrimento a um mundo que é por toda parte jogo inocente do devir. Quantos, entretanto, entre os homo demens, são capazes de suportar esta experiência estética do mundo, que é devir eterno? Refiro-me àquele olhar artístico que Nietzsche pincelou em tão belas e potentes palavras de refinada sabedoria trágica, fazendo-nos ouvir nas transpirações delas o grito do sábio Heráclito:

 

 

“ NESTE MUNDO, SÓ O JOGO DO ARTISTA E DA CRIANÇA TEM UM VIR À EXISTÊNCIA E UM PERECER, UM CONSTRUIR E UM DESTRUIR SEM QUALQUER IMPUTÇÃO MORAL EM INOCÊNCIA ETERNAMENTE IGUAL. E, ASSIM COMO BRINCAM O ARTISTA E A CRIANÇA, ASSIM BRINCA TAMBÉM O FOGO ETERNAMENTE ATIVO, CONSTRÓI E DESTRÓI COM INOCÊNCIA - E ESSE JOGO JOGA-O O EÃO CONSIGO MESMO. TRANSFORMANDO-SE EM ÁGUA E EM TERRA, JUNTA, COMO UMA CRIANÇA, MONTINHOS DE AREIA À BEIRA-MAR, CONSTRÓI E DERRUBA: DE VEZ EM QUANDO, RECOMEÇA O JOGO. UM INSTANTE DE SACIEDADE: DEPOIS, A NECESSIDADE APODERA-SE OUTRA VEZ DELE, TAL COMO A NECESSIDADE FORÇA O ARTISTA A CRIAR”.

 

Nietzsche





Como convencer os leitores mal dispostos para com a filosofia de Schopenhauer de que a imagem que tradicionalmente lhe é construída, em conformidade com a qual ele é representado como um filósofo efusiva e profundamente pessimista, cujo olhar está inteiramente devotado a nos expor o pior da existência, não só não faz jus ao refinamento de seu gênio, à sua aptidão lírica e cirúrgica para nos esclarecer sobre nossos habituais autoenganos, sobre nossas ilusões acerca de quem somos e de nosso lugar no mundo, bem como também ensombrece as mais profundas lições sobre a precariedade e vaidade da condição existencial humana? Se, de fato, Schopenhauer assumiu ser o viver um processo de desfazimento, de decadência que culmina com a eutanásia da vontade (da vontade de viver), não o fez por um mero gosto estético pelos aspectos sombrios, mórbidos e fúnebres da vida; o fez, sobretudo, com o intento ético, nutrido por um solo metafísico exuberante que se destaca de uma paisagem mística oriental, de nos libertar das ilusões, das quimeras que nos fazem escravos, em nossa caverna cotidiana, de um ciclo de desejos sempre renováveis e insaciáveis, que jamais nos dá a satisfação e a felicidade plenas e permanentes que tanto anelamos durante nossa juventude, mormente. O curso natural das coisas, a decrepitude de nosso corpo com o avanço da idade nos abrem o caminho para o conhecimento da vaidade de todos os bens terrenos em cuja busca consumimos, com ardor inquebrantável, a nossa vida. O amor próprio é suplantado pelo amor aos filhos, graças ao qual os pais passam a viver mais em função da imagem idealizada do eu alheio do que em função do ideal de seu próprio eu. O niilismo, em Schopenhauer, longe de se reduzir à negação da vontade, que, de modo algum, significa uma hecatombe da Vontade como coisa-em-si, já que esta é indestrutível e eterna, se apresenta, entre as suas vias de expressão, como meio pelo qual se expressa a purificação da vontade de viver mediante o sofrimento. Sim, o sofrimento conduz à purificação, à viragem da vontade e à redenção. O caminho da redenção é mais geral; o da viragem da vontade, diz Schopenhauer, é mais restrito e difícil, porque supõe a empatia, a solidariedade do indivíduo, naturalmente egoísta, com o sofrimento de todo o mundo, só atingidas por uma forma de conhecimento intuitivo. A redenção só é possível a todos porque a vida que leva à purificação pelo sofrimento é um caminho aberto a todos. É certo, porém, que, muitas vezes, observa Schopenhauer,


“Resistimos para nele entrar, mas antes nos esforçamos com todas as forças para preparar para nós mesmos uma existência segura e agradável, com o que nos acorrentamos ainda mais firmemente à vontade de vida”.

 

 

Para Schopenhauer, a vida é também um processo de purificação, e a solução purificante é a dor. A sabedoria “pessimista” de Schopenhauer é equiparável à profundidade e sobriedade das sabedorias de vida dos grandes sábios da Antiguidade, que combinavam melancolia com lucidez. Ela é um bálsamo espiritual para a loucura do utilitarismo hedonista de nossas sociedades hipermodernas que, em nome do acúmulo desenfreado de riqueza e da busca do prazer efêmero no consumo, transformam o mundo inteiro numa imensa reserva de bens a serviço da manutenção e reprodução de uma vida humana que se consome na incessante destruição da reserva de bens que se destina a sustentá-la:

 

 

“O destino e o curso das coisas cuidam de nós melhor do que nós mesmos, na medida em frustram continuamente nossos projetos de uma vida nababesca, cuja insensatez já se reconhece em sua brevidade, inconstância, vazio e futilidade, e no fato de terminar numa amarga morte; ademais, aparecem no nosso caminho espinhos sobre espinhos que apontam em tudo o sofrimento salvífico, panaceia de nossa miséria”.

 






Eis o que defendo:

 

 

O imaginário radical, matriz de todas as significações sociais e fundante da cultura ocidental, é produto da metafísica que, já em Parmênides, tem como base a identidade entre pensamento, ser e verdade. Platão e Aristóteles permaneceram fiéis ao pai parmenidiano. Tanto Platão quanto Aristóteles tiveram de enfrentar o desafio sofístico. A metafísica que moldará profundamente o modo de ser do homem nascerá desse enfrentamento. A oposição de valores estabelecida por Parmênides entre o ser e o não-ser e subvertida por Górgias será pela pena de Platão substituída por uma nova oposição: o ser e o falso ser. A lógica de Aristóteles, que determinou os fundamentos do pensamento do homem ocidental, depende de certos pressupostos metafísicos. Assim, crê Aristóteles que a linguagem, cuja forma é a lógica, revela a ordem essencial das coisas. Aristóteles estabelece a correspondência entre a dimensão lógica e a ontológica: assim, articula-se o ser (como essência e verdade primeira) à linguagem. Aristóteles afirma a identidade ao mesmo tempo que rejeita a contradição. A matriz imaginário-simbólica que funda e trama a cultura ocidental está centrada na produção da significação, na ficção do ser, cujas origens remontam a Parmênides e cuja transmissão à posteridade se fez no pensamento socrático-platônico-aristotélico pela via da metafísica cristã. Nossa habitual crença no ser como identidade e verdade é produto da confluência de dois imaginário-simbólicos: o socrático-platônico-aristotélico, herdado de Parmênides, e o cristão, moldado no platonismo (então transformado em platonismo para o povo). A afirmação do ser como verdade, como identidade significa o esquecimento do devir; simboliza a vitória de Parmênides sobre Heráclito e sobre os sofistas. Essa vitória de Parmênides sobre Heráclito e sobre os sofistas é também a vitória de todo um imaginário social moldado na metafísica platônico-aristotélica-cristã. Já conhecemos bem, por meio de Nietzsche, como a metafísica e a moral platônico-cristã moldaram nosso modo de ser como tipos humanos culturais. Talvez, contudo, não seja tão claro de que modo Aristóteles faz ecoar a vitória de Parmênides sobre Heráclito e os sofistas. Se Parmênides tomou o ser como lugar do pensamento verdadeiro, buscando estabelecer a identidade entre pensar, dizer e ser, Aristóteles estava interessado em garantir a possibilidade do conhecimento verdadeiro, para o que ele propôs a identidade entre dizer e significar. Somente dizemos se significamos algo, ou seja, dizer deve estar vinculado a um sentido. Dizer é significar, e, se significar é não contradizer-se, então quem diz deve obedecer ao princípio de não contradição. Aristóteles pensa ter estabelecido a verdade da linguagem, a saber, o sentido. Quem fala sem sentido, a rigor, nada fala, pois nada significa. Pela lógica cunhada por Aristóteles, habituamo-nos a crer que há um vínculo inextricável entre ser e sentido, de sorte que, para ele e para o imaginário fundante de nossa cultura, há um sentido verdadeiro nas coisas, e esse sentido é desvelado na linguagem. Se há um sentido verdadeiro que a linguagem revela, então há um sentido falso. Ora, o que Nietzsche soube ver é que a lógica é fruto de um AGON, ou seja, de um campo agonístico de produção de ficções. A lógica nasceu de um campo de combate, com suas regras específicas. Nasceu de um campo de combate sustentado em ficções. O mundo da lógica elide o mundo do fluxo, da impermanência de todas as coisas, das sensações, das paixões, do corpo. Esse mundo da lógica é sustentado por uma ficção primeira - a linguagem. A linguagem é o modelo a priori de inserção e exclusão e, por isso, serve de paradigma para todos os outros modos de exclusão vigentes. Uma vez que nem Platão nem Aristóteles conseguiram refutar os sofistas, se encarregaram de inventar a categoria do “falso” ou o argumento do sentido: “ ele não deve ser ouvido, porque é falso”; “ o que ele diz é contraditório, e o que é contraditório não tem sentido”.

Se a raiz do niilismo da fraqueza, conformado pelas forças reativas, pelas vontades de potência negativas, repousa na crença no SER, que culmina com a produção de uma forma homem caracterizada pela vontade de nada, o niilismo em sua forma ascendente, conformado pelas vontades de potência afirmadoras, representa o caminho pelo qual todo o edifício imaginário-simbólico moldado pela metafísica tradicional, que se forma pela confluência de do pensamento de Parmênides, Platão, Aristóteles e o cristianismo, entra em colapso libertando a existência do animal humano desse mundo edificado em ilusões, que o fazem chafurdar no autoengano sobre sua condição existencial no mundo, que o impede de reconhecer-se na origem da criação do mundo de signos, significados, imagens, figuras que ele assume como produto de forças que lhe são estranhas. Nadificar esse mundo que se constitui pela projeção de significados humanos não é reduzi-lo a uma miragem, a um simulacro, a um “nada”; mas dessubstancializá-lo, restituir-lhe o estatuto de constructo, de artifício. O mundo do ser, o mundo em cuja origem, por força do imaginário-simbólico socialmente instituído, o homem vê um Criador, um Deus metafísico, é um mundo edificado, construído pela atividade humana que se realiza pela inter-relação entre cultura, linguagem, percepção-cognição. Em Nietzsche, não há criação sem aniquilação; aniquilar, destruir e criar são formas de expressão da afirmação dionisíaca da vida. O niilismo não é apenas máquina de destruição, de demolição dos alicerces de valor e sentido metafísicos que deram e (ainda dão) sustentação à existência humana; é também um campo de interpretação que libera as forças ativas, as vontades de potência afirmativas e criadoras que se encarregam de fixar perspectivas e interpretações que encorajam, potencializam o animal humano para o querer jubiloso do devir, para a afirmação do caráter trágico ineliminável da vida, sem concessão e recuo.




Dizer é significar

 

Dizer que os significados se produzem na interação social por meio da língua, dizer que, ao usarmos a língua, negociamos significados, significa dizer que o significado não está localizado nas palavras ou nos textos em si, significa dizer que a relação significativa não se esgota na articulação do significante (imagem acústica) com o objeto referido pelo signo, nem na articulação entre os signos na cadeia sintagmática. A semiose, ou seja, o processo pelo qual o objeto de um signo é sempre outro signo, é infinita. Assim, quando se advoga que os significados sejam pensados como efeitos das práticas discursivas, como construções sociocognitivas, como produzidos e negociados na interação verbal, desloca-se o problema básico da semiótica, que consiste em determinar como um signo significa, como um signo representa a realidade, como o signo tem sentido, ou como é possível a experiência do sentido através da linguagem, do âmbito de um realismo referencial, para o âmbito sociocognitivo-interacional do discurso. Assim, o significado não é a relação do signo com seu referente no mundo exterior. Se digo “Mônica está dormindo”, num contexto em que alguém insiste em querer falar com “Mônica”, produzo aí muito mais do que o significado proposicional ‘há alguém que está dormindo e que se chama Mônica”. Comunico também “não convém perturbá-la”, “não seja inconveniente”, “volte outra hora”, etc. Note-se que o signo complexo (o enunciado) “Mônica está dormindo” é signo de outros signos complexos, tais como “não convém pertubá-la”, “não seja inconveniente”, “volte outra hora”. Em outras palavras, “Mônica está dormindo” significa muito mais do que o estado-de-coisas representado na proposição realizada. O modo como meu interlocutor reagirá ao ato de fala “Mônica está dormindo” indicará se ele compreendeu, se aceitou ou não os significados produzidos e negociados nesse contexto de interação. Evidentemente, todo e qualquer enunciado ocorre sempre num contexto (ou supõe a mobilização de contextos sociocognitivos) e com um co-texto, ou seja, vem acompanhado de outros enunciados ou sinais não verbais que nos orientam na adequada reconstrução do sentido pretendido por nosso interlocutor. É claro também que a construção ou a produção de sentido nas práticas linguísticas é um processo muito mais complexo do que sugere este meu exemplo, que é bastante esquemático. Quando entramos numa interação verbal, entramos a fazer parte de um jogo de produção de imagens recíprocas que é , ele mesmo, constitutivo dos significados negociados. Se, por exemplo, depois de pedir para falar com Mônica, alguém me diz em tom ríspido “Ela está dormindo, passe outra hora!”, não só compreendo que é inútil insistir em falar com Mônica, que devo ir embora, como também julgo que o interlocutor é uma “pessoa grosseira”. E é possível que meu interlocutor também construa uma imagem de mim como “pessoa chata e impertinente”. Em suma, a significação é um processo que extrapola o âmbito manifestamente linguístico, os significados se produzem para além da superfície textual; os textos fornecem pistas, indicações para a reconstrução dos sentidos, mas não os encerram, não os “aprisionam”, não os esgotam. Dizer é significar para além do dito; os silêncios do dizer, os silêncios que atravessam as palavras ditas, significam. A língua não é apenas um sistema de signos; ela é muito mais do que isso: é lugar de interação social, é atividade sociocognitiva de produção internacional de sentidos ou significados.

 


segunda-feira, 11 de outubro de 2021

"Brahman é aquilo por meio do qual vivemos e agimos, a espontaneidade fundamental de nossa natureza". (Zimmer)

 





A Vontade e Brahman: Schopenhauer descobre os Vedas

 

             Maya, em sânscrito, tem o significado original de “poder criativo-mágico” do Divino. Através deste poder (Maya), Deus se torna o mundo, e o mundo, no final, se torna Deus. Deus encena uma peça, chamada “lila”, e o mundo é o grande palco onde acontece essa peça divina. Brahman, a realidade última, é, assim, um grande mago que se transforma no mundo. A palavra “Maya”, de “poder criativo mágico” passou a significar, com o tempo, o estado psicológico de um ser humano sob o feitiço ou encantamento da peça mágica. A ilusão de Maya é o estado em que nos encontramos cotidianamente quando tomamos os acontecimentos, os eventos do mundo como existindo objetiva e independentemente de nós. Estamos presos no feitiço de Maya quando tomamos o nosso “eu” como distinto do “mundo”. Sob o feitiço de Maya, ignoramos que Brahman, a realidade última e Atman, a nossa alma individual, a fonte última e mantenedora de todos os seres, é Um, formam uma Unidade: “Tu és isso”. É o que nos dirá também Schopenhauer: meu corpo e meu pequeno “eu” não são mais do que a manifestação (aparência) de uma mesma Vontade da qual o mundo é um espelho, tal como Brahman é o próprio mundo no seu jogo transformístico. O ensinamento básico dos Vedas é que as coisas e os eventos fenomênicos são manifestações de uma mesma realidade última (Brahman). Quando Schopenhauer diz que sua doutrina expressa, em linguagem racional, a essência da sabedoria Védica, ele está afirmando que sua doutrina ensina o que ensina basicamente o hinduísmo: toda ordem fenomênica é objetivação de uma única e mesma Vontade, todos os seres existentes são manifestações de uma única e mesma Vontade. Mas Schopenhauer não chega a assumir todas as consequências de sua apropriação da metafísica religiosa hindu. A Vontade, que Schopenhauer diz ser a essência do mundo, não chega a se identificar totalmente com Brahman, já que Brahman, embora onipresente, é o Divino que se transforma no mundo, é uma espécie de mago dotado de um poder criativo e mágico (maya); o mundo é criação do poder mágico do Divino, mas Schopenhauer insiste em que a Vontade não é a causa eficiente do mundo, o que não nos impede de ver nela um pouco das qualidades místicas de Brahman, já que, tal como Brahman é Atman quando se expressa na forma da alma humana, a Vontade também se objetiva em cada fenômeno, em cada ser do mundo orgânico e inorgânico. As aproximações da filosofia de Schopenhauer com a escola Vedanta, que se baseia nos Upanishads, não devem, portanto, ser substimadas. Os hindus ensinam “moksha”, a experiência de libertação do encantamento de Maya, assim como Schopenhauer ensina a “negação da vontade” como o caminho de libertação última da tirania da vontade, do desejo, que nos faz querer viver a vida mesma tal como se nos apresenta submetida ao encanto de Maya, identificado por ele com o “principium individuationis”. A metafísica da Vontade em Schopenhauer não pretende ser uma explicação da causa primeira do mundo. A filosofia, para ele, não deve se ocupar com o “de onde veio o mundo” nem com o “para que existe”, mas apenas com “o que é o mundo”. Sua metafísica busca compreender no mundo o fundamento mesmo desse mundo. A metafísica, segundo Schopenhauer, não é apenas uma interpretação, mas é, sobretudo, uma decifração. Decifrar o enigma do mundo é compreender a coisa-em-si, a saber, a Vontade, cuja natureza é metafísica.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

"A vida do homem não é mais do que uma luta pela existência com a certeza de ser vencida..." (Schopenhauer)

                                                


                   


A lucidez niilista na metafísica de Schopenhauer[1]

                             The nihilistic lucidity in Schopenhauer's metaphysics

 

 

 

Resumo

O niilismo, em Schopenhauer, não se reduz a uma negatividade corrosiva da existência. Seu pensamento, gestado pela confluência do lógos grego com a espiritualidade oriental, lança sobre o niilismo uma luz que, descortinando a precariedade do devir vital e a radicalidade da problematicidade da condição humana, faz-nos ver que o confronto com o nada é inescapável e necessário como condição de possibilidade para a produção de um modo de ser e viver verdadeiramente livre e elevado.

 

Palavras-chave: niilismo; Schopenhauer; Vontade; nada

 

 

 

Abstract

 

Nihilism, in Schopenhauer, is not reduced to a corrosive negativity of existence. His though, incored by the confluence of the Greek logos with Eastern spirituality, casts upon nihilism a light that, unveiling the precariousness of the vital future and the radicality of the problemacity of the human condition, makes us see that the confrontation with nothingness is inescapable and necessary as a condition of possibility for the production of a way of being and living truly free and high.

 

 

 

 

Keywords: nihilism; Schopenhauer; Will; nothingness.


1. Introdução

O que nos propomos, no presente artigo, é descerrar um solo hermenêutico à luz do qual um gesto de interpretação[2] venha a tornar manifesta a lucidez niilista do pensamento schopenhaueriano a partir da consideração da distinção entre nihil privativum e nihil negativum. Pressupor ser possível uma lucidez niilista é esposar a perspectiva segundo a qual ser niilista é a condição sine qua non do pensamento, na medida em que o pensamento corrói as “evidências”, nadifica as certezas, subverte os códigos que fixam comportamento, que promovem e justifiquem toda sorte de violência (sobretudo, a violência simbólica). Os limites que nos impõe a natureza deste texto e os objetivos perseguidos impedem-nos de nos alongar nas considerações acerca do que entendemos por lucidez niilista. Por conseguinte, será suficiente dizer que usamos o vocábulo “lucidez” para significar ‘o que traz à luz do dia’, ‘o que torna transparente’, ‘o que põe na claridade’, ‘o que desoculta’, ‘o que torna evidente’, ‘manifesto’.

A discussão que desenvolveremos sobre o caráter niilista[3] do pensamento de Schopenhauer e que damos a conhecer neste artigo, sendo um recorte de nossa pesquisa de doutoramento, impõe-nos que esclareçamos, minimamente, o contexto teórico-metodológico em que ela se situa. O niilismo, a partir de Schopenhauer, é abordado, em nossa pesquisa, à luz da compreensão dialógica do discurso que chegou até nós pela pena de Bakhtin[4], que nos ensina que “toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva”.[5] A dialogicidade de nossa abordagem do niilismo põe em cena, portanto, numa relação confrontativa, o pensamento de Schopenhauer, de Nietzsche e de Cioran. É no horizonte das considerações levadas a efeito por Nietzsche sobre o niilismo que buscaremos desenvolver e sustentar a tese segundo a qual o niilismo é uma condição ontológica que deve ser assumida por todo pensamento filosófico que, após o trabalho da desconstrução, de que é expoente Nietzsche, se pretende expressão de um poderoso convite à lucidez e ao questionamento radical. Tal é o enfrentamento a que o pensamento filosófico do nosso tempo “pós- metafísico” não pode se esquivar. Urge reconhecer que o niilismo não está ligado ao nada, mas ao ser, pois o nada é impotente, intangível[6]– é o que nos parece querer fazer ver também Volpi[7]:

 

Não há como ver no niilismo apenas uma tentativa de vanguardas intelectuais, pois ele agora impugna o próprio ar que se respira. Sua onipresença multiforme torna-o tão visível que, paradoxalmente, fica difícil apreendê-lo numa definição clara e unívoca. Não há consenso em seu diagnóstico nem na anamnese de suas patologias e do mal-estar cultural que representa. Até os estudos históricos sobre a gênese do termo acabaram por mostrar como tem sido complexa e variada a manifestação desse movimento.

 

Volpi não só parece corroborar o fato de que vivemos hoje no âmago do niilismo; ele nos diz mais. Ele sublinha o caráter multiforme do niilismo, caráter este que se depreende do tratamento dispensado por Nietzsche ao niilismo. Na esteira de Nietzsche, assumimos, portanto, que o niilismo é um fenômeno multiforme, multívoco, que acena para a plurivocidade do mundo, a saber, para a multiplicidade de sentidos do mundo, a qual se deixa apreender como uma questão de predomínio das forças. A despeito de ser uma condição ontológica, o niilismo se concretiza como fenômeno histórico - portanto, heterogêneo, mutável, dinâmico, múltiplo- inerente ao jogo agonístico das forças que atravessam e constituem as condições históricas da existência humana. Consoante observa Volpi, “a respeito do niilismo, sustentamos a mesma convicção válida para todos os verdadeiros problemas filosóficos: eles não têm solução, mas história”.[8]

                                                                                                                                   

2. O mundo como representação

 

Nesta seção, não vamos descer a pormenores sobre a compreensão schopenhaueriana do mundo como representação. Cingir-nos-emos a colher apenas os elementos que, constitutivos dessa perspectiva sob a qual o mundo é considerado, são relevantes para garantir a consistência de nossa interpretação da lucidez niilista do pensamento schopenhauriano.

“O mundo é a minha representação”[9]– eis a primeira frase do primeiro livro de O Mundo como Vontade e Representação, a qual, estabelecendo o primeiro ponto de vista sob o qual o mundo será considerado, enuncia o fundamento da teoria epistemológica schopenhaueriana. O que se seguirá a essa frase, nesse primeiro livro, é a exposição minuciosa, levada a efeito por Schopenhauer, de sua teoria epistemológica. Ao desenvolvê-la, Schopenhauer buscará descrever a primeira forma de experiência que temos do mundo. A questão que, de início, reclama esclarecimento é, pois, esta: o que significa dizer que o mundo é minha representação?  Significa dizer que o mundo, enquanto representação, não existe independentemente do sujeito que o conhece. “O mundo é minha representação” postula o dualismo sujeito-objeto, legado por Kant, mas vai além dele. Leia-se o que nos diz Schopenhauer sobre o alcance epistemológico dessa sua primeira tese[10]:

 

Verdade alguma é, portanto, mais certa, mais independente de todas as outras e menos necessitada de uma prova do que esta: o que existe para o conhecimento, portanto o mundo inteiro é apenas objeto em relação ao sujeito, intuição de quem intui, numa palavra, representação.

 

 

O mundo no qual o homem existe só existe como representação, ou seja, só existe em relação a este homem que percebe[11]. Segue-se daí que “tudo o que pertence e pode pertencer ao mundo está inevitavelmente investido desse estar-condicionado pelo sujeito, existindo apenas para este”.[12] É justamente porque a existência do mundo está numa relação de dependência com o sujeito cognoscente que o mundo é representação.

O mundo como representação é o primeiro ponto de vista sob o qual Schopenhauer compreenderá o mundo. A representação nada mais é do que o mundo tal como é percebido pelo sujeito. Nesse sentido, a representação se define como relação indissociável do sujeito percipiente com o objeto percebido. O sujeito, por seu turno, é aquele que tudo conhece e não é conhecido por ninguém. Consoante assinala Schopenhauer, o sujeito é “o sustentáculo do mundo, a condição universal e sempre pressuposta de tudo o que aparece, de todo objeto, pois tudo o que existe, existe para o sujeito”.[13] A representação supõe duas instâncias essenciais, as quais são como suas duas metades: o sujeito e o objeto. Segundo Schopenhauer, basta que um único sujeito mais um objeto se apresentem para que se constitua o mundo como representação; no entanto – e aqui é evidente o valor epistemológico conferido ao sujeito como substractum do mundo.

 

 (...) um único ser que representa, com o objeto, complementa o mundo como representação tão integralmente quanto um milhão de seres que representam; mas se aquele único ser desaparecesse, então o mundo como representação não mais existiria.[14]

 

 

 Vê-se que, sem sujeito, não há mundo como representação. Schopenhauer não rejeita a existência de um mundo exterior; e, nesse sentido, ele não adere a um idealismo absoluto. Na verdade, ele sustenta – deve-se frisar – que o único mundo acessível a nós é aquele que os nossos sentidos nos representam sob as formas de tempo e espaço. No entanto, sujeito e objeto são metades inseparáveis, supõem-se reciprocamente, “porque cada uma delas possui significação e existência apenas por e para a outra e desaparece com ela”.[15] Todo e qualquer objeto da intuição, ou seja, todo e qualquer fenômeno, está submetido às condições formais do pensamento, do tempo e do espaço. Assim, o objeto toma sua forma do espaço e do tempo, e, por isso, existe na forma de pluralidade. Em outras palavras, na dependência com relação ao sujeito, o objeto existe no tempo e no espaço sob a forma da pluralidade. O sujeito, ao contrário, escapa à lei do tempo e do espaço, “pois está inteiro e indiviso em cada ser que representa”.[16]

O mundo como representação está, portanto, submetido ao princípio de razão. A forma do princípio de razão no tempo é a sucessão. O princípio de razão constitui o modo universal da aparição fenomênica de todo objeto. É, ademais, o princípio constitutivo de toda representação. O princípio de razão, enquanto lei da causalidade e de motivação, determina a experiência; por outro lado, como lei de justificação dos juízos, determina o pensamento (nesse caso, nenhuma proposição pode ser verdadeira sem que haja uma razão suficiente para tal). Schopenhauer subsume no princípio de razão suficiente as formas do tempo, espaço e causalidade. A mais simples dessas formas é o tempo. Sob a forma do tempo, o princípio de razão leva-nos à experiência da impermanência de todas as coisas, cuja nulidade Schopenhauer estende para toda a experiência possível do mundo, consoante se depreende do trecho a seguir:

 

Assim como no tempo cada momento só existe na medida em que aniquila o momento precedente, seu pai, para por sua vez ser de novo rapidamente aniquilado; assim como passado e futuro (independentes das consequências de seu conteúdo) são tão nulos quanto qualquer sonho, o presente, entretanto, é somente o limite sem extensão e contínuo entre ambos – assim também reconhecemos a mesma nulidade em todas as outras formas do princípio de razão, convencendo-nos de que, do mesmo modo que o tempo, também o espaço e, como este, tudo que se encontra simultaneamente nele e no tempo, portanto tudo o que resulta de causas e motivos, tem apenas uma existência relativa (...).[17]

 

 

A descrição que Schopenhauer nos dá do fluxo perpétuo de todas as coisas pode-se encontrar, conforme reconhece o próprio autor, na filosofia de Heráclito, que afirma o devir eterno do mundo; ou, em Platão, que via no mundo deveniente uma carência de ser; ou ainda em Espinosa, para quem as coisas existentes são acidentes da única substância que existe – Deus. Schopenhauer lembra também que a experiência da impermanência de todas as coisas está codificada na forma da sabedoria indiana. Maya, que, na sabedoria vedanta, é o mundo como ilusão, encobrindo os olhos dos mortais, impede-os de dizer se o mundo em que vivem é verdadeiramente real ou não[18]. Esse mundo se lhes assemelha a um sonho.

 

2.1. O mundo como vontade

 

No livro II de O Mundo como Vontade e Representação, Schopenhauer apresenta e desenvolve o segundo ponto de vista sob o qual o mundo é considerado: o mundo como Vontade. Ao longo de todo esse segundo livro, Schopenhauer se dedicará, especialmente, a esclarecer o significado do termo Vontade.

É, sobretudo, na concepção do mundo como Vontade que se pode descortinar o caráter absurdo da existência. É também por força da categoria da Vontade, como coisa-em-si, impulso cego e sem finalidade, à luz da qual o mundo é interpretado, que a filosofia schopenhaueriana se constitui como uma filosofia do absurdo.

Faz-se mister reter o seguinte: o conceito de Vontade constitui o elemento nuclear da filosofia pessimista schopenhaueriana. Rosset[19] chega, inclusive, a dizer que a Vontade é o único pensamento que Schopenhauer se dá a pensar para compreender o mundo. O absurdo que a filosofia de Schopenhauer põe a descoberto não repousa apenas, segundo acredita Rosset, na concepção de Vontade, como fundamento sem fundamento, finalidade sem fim, como impulso cego; mas também - e sobretudo - no fato de que a Vontade se apresenta como um acontecimento necessário para que Schopenhauer explique a existência de um mundo ordenado – ordem esta, no entanto, que se desvela, à luz do pensamento schopenhaueriano, absurda, sem sentido.

O que é, pois, a Vontade de que fala Schopenhauer? Num primeiro momento, não devemos tomá-la como a vontade individual, aquilo que chamamos de nossa vontade. A Vontade é a coisa-em-si kantiana, é a essência íntima do mundo, a substância do fenômeno. A Vontade é eterna e infinita; é atemporal, ou seja, escapa às condições de tempo e espaço, e ao princípio da causalidade. Ademais, somente a Vontade é livre. Ela é o ser em si comum a todos os fenômenos e o fundamento de todo o mundo fenomênico. A Vontade é o fundamento metafísico do mundo; é a causa sem causa e sem finalidade do mundo fenomênico.

A Vontade é totalmente independente da pluralidade, conquanto suas manifestações no tempo e no espaço sejam infinitas. A Vontade, portanto, é a coisa-em-si, a essência íntima do mundo e, embora seja de ordem metafísica, independente das condições do tempo e do espaço, se manifesta nas diferentes formas do mundo inorgânico e orgânico. Schopenhauer chama objetivação da Vontade a manifestação da Vontade nas diversas formas fenomênicas do mundo.

Como coisa-em-si, a Vontade é absolutamente diferente do seu fenômeno (o mundo) e das formas fenomênicas em que se manifesta e em relação às quais é independente. Ainda que a concepção de Vontade como coisa-em-si inspire-se no conceito kantiano de coisa-em-si, Schopenhauer, ao contrário de Kant, confere um caráter cognoscível à coisa-em-si. É claro que a cognoscibilidade da coisa-em-si schopenhaueriana é relativa, porque a conhecemos relativamente à experiência que temos do nosso corpo – o meu corpo, sob esse segundo ponto de vista em que o mundo é considerado, é a minha vontade. Em seguida, a inteligência nos leva a apreender a Vontade no conjunto dos fenômenos do mundo inorgânico e orgânico. Tudo que existe existe como objetivação da Vontade, isto é, existe como fenômeno, como representação. O absurdo da existência, que se deixa ver na compreensão da objetidade da Vontade, ganha a espessura de um drama existencial cujo desenvolvimento vai revelando, à proporção que o leitor nele se aprofunda, no livro IV, o caráter trágico do destinar-se do mundo e da existência humana. Importa-nos considerar, levando-se em conta nosso interesse em descortinar o alcance da lucidez do niilismo schopenhaueriano, o aspecto sombrio da tirania da Vontade. Não obstante, antes de nos debruçar sobre essa empresa, é indispensável trazer à baila a importância do conceito de “princípio de individuação” (principium individuationis). Se, conforme vimos, tempo e espaço são reunidos sob a jurisdição do princípio de razão suficiente, quando o mundo se nos apresenta sob o ponto de vista da representação, agora, do ponto de vista do mundo como Vontade, tempo e espaço constituem o princípio de individuação. Temos, pois, o princípio de individuação, suprimindo do princípio de razão, a causalidade, e conservando o tempo e o espaço. Pelo princípio de individuação, a saber, o tempo e o espaço, o que é um só na essência aparece como múltiplo e diverso na sucessão do tempo e na coexistência no espaço. O princípio de individuação é responsável pela pluralidade das aparências fenomênicas no mundo. O princípio de individuação é o próprio véu de Maya, “de acordo com o qual se considera um indivíduo absolutamente diferente dos demais seres e deles separado por um amplo abismo”.[20] Submetido à ilusão de Maya, o indivíduo vive em conformidade com a crença de que goza de alguma distinção e superioridade em relação aos demais seres. Essa crença é conforme ao seu egoísmo e lhe dá sustentação. O grau do princípio de individuação é sensível à escalada da objetivação da Vontade. Assim, objetivada nos animais, a Vontade deixa mais nítido e acentuado um grau de individualidade que falta nos vegetais, ainda que a individualidade nos animais não atinja seu grau mais elevado. É somente no homem que a individualidade atingirá seu grau mais elevado; nele “vemos aparecer significativamente a individualidade em grande diversidade de caracteres individuais”.[21]

Passemos, pois, a considerar o aspecto sombrio do mundo como vontade, destacando a insignificância radical do indivíduo e a tirania da Vontade.

Na seção 54, do livro IV, Schopenhauer revisa, a título de síntese, o que foi tratado nos três primeiros livros. É oportuno dar a saber essa síntese, dispondo em ordem vertical as ideias pertinentes que ela faz recordar:

 

a. O mundo, como representação, é, para a Vontade, um espelho em que ela toma consciência de si mesma;

b. A perfeição e clareza com que a Vontade vê a si mesma são o estágio superior de uma escala gradual;

c. No homem, reside o grau superior de objetivação e perfeição da Vontade.

 

A vontade que, considerada puramente em si, destituída de conhecimento, é apenas um ímpeto cego e irresistível – como a vemos aparecer na natureza inorgânica e na natureza vegetal, assim como na parte vegetativa da nossa própria vida – atinge, pela entrada em cena do mundo como representação (desenvolvida para servir à vontade), o conhecimento do seu querer e daquilo que ela quer, a saber, nada senão este mundo, a vida, precisamente como esta existe.[22]

 

 

Há nesse excerto duas ideias que devemos destacar: a primeira ideia é que a Vontade é ímpeto cego quando não iluminada pela inteligência; a segunda é que a Vontade quer o mundo mesmo, a vida mesma “precisamente como esta existe”. Schopenhauer prossegue advertindo que, como a Vontade quer sempre a vida, e como a vida é a manifestação pura da Vontade, resta redundante dizer que Vontade é vontade de viver. Vontade e Vontade de viver são a mesma coisa.

Uma vez que a Vontade é a coisa-em-si, o fundo íntimo, a essência do universo, a vida e o mundo fenomênico são apenas o espelho da Vontade. Schopenhauer lança mão da imagem da sombra e do corpo para sublinhar a indissociabilidade entre Vontade e vida. (“este mundo acompanhará a vontade tão inseparavelmente quanto a sombra acompanha o corpo”)[23]. Onde quer que encontremos Vontade haverá vida, mundo.

O indivíduo é apenas aparência. Ele nasce e morre, quando visto à luz do intelecto submetido ao princípio de razão e ao princípio de individuação. Consoante sublinha Schopenhauer, “da perspectiva deste conhecimento, o indivíduo ganha sua vida como uma dádiva, surge do nada, e depois sofre a perda dessa dádiva através da morte, voltando ao nada”.[24]

Nascimento e morte se prendem às aparências assumidas pela Vontade; são acontecimentos que tocam à vida. A Vontade nada tem a ver com eles. Por conseguinte, Schopenhauer começa a nos mostrar a insignificância do indivíduo em face da Vontade. A primeira passagem em que essa insignificância se torna patente é a seguinte: “Nascimento e morte pertencem exclusivamente à aparência da vontade, logo, vida, à qual é essencial expor-se em indivíduos que chegam à existência e desaparecem; estes são aparências fugidias”.[25] Nascimento e morte são acontecimentos integrantes da dinâmica da vida: “equilibram-se em condições recíprocas”[26]. Schopenhauer vem em socorro da validade de nossa interpretação:

 

Que procriação e morte devam ser consideradas como algo inerente à vida e essencial à aparência da vontade advém do fato de procriação e morte apresentarem-se apenas como expressões altamente potenciadas Daquilo que dá consistência ao restante da vida, que nada mais é, em toda parte, senão uma alteração contínua da matéria em meio à permanência fixa da forma: justamente aí se tendo a transitoriedade dos seres individuais em meio à imortalidade da espécie.[27]

 

 

A imagem da morte (e também da geração, evidentemente) como o próprio movimento constitutivo da dinâmica da vida extirpa toda sombra de dúvida quanto à relação intrínseca da morte com a vida. O conceito de vida, em Schopenhauer, exibe algumas tonalidades, que ganham investimentos semânticos tais como ‘esforço’, ‘dor’, ‘sofrimento’, ‘abundância’, etc. Uma dessas tonalidades encontra registro no enunciado: a vida é um fluxo perpétuo da matéria através de uma forma que permanece invariável. A forma que permanece invariável é a Vontade. A Vontade é eterna e indestrutível. O indivíduo, ao contrário, é a aparência; a espécie, a forma. Esta é imortal; aquele morre necessariamente. Essa definição schopenhaueriana de vida pode ser desmembrada, de modo que possamos nos aperceber da insignificância de tudo que existe. A vida é devir: todas as suas formas fenomênicas estão submetidas ao fluxo incessante cujo modus operandi é o da luta, do conflito, da disputa interminável que arrasta os malogrados para o nada. Por outro lado, a vida é a manifestação da Vontade cega e indiferente à sorte dos fenômenos nos quais ela se produz; por isso, “o indivíduo (...) não tem valor algum para a natureza, nem pode ter, pois o reino da natureza é o tempo infinito, o espaço infinito e, nestes, o número infinito de possíveis indivíduos”.[28] Por conseguinte,

 

(...) ela sempre está disposta a deixar o ser individual desaparecer, o qual, portanto, sucumbe não apenas em milhares de maneiras diferentes por meio dos acasos mais insignificantes, mas originariamente já é determinado a isso e levado a desaparecer pela própria natureza desde o instante em que serviu à conservação da espécie.[29]

 

Por fim, no tocante ao que chamaremos de “tirania da vontade ou do querer”, deverá ser bastante o que se segue, dados os limites desta exposição.

O seguinte passo reúne, numa síntese, de modo bem articulado e claro, os aspectos essenciais da teoria da Vontade como querer-viver:

 

Querer é essencialmente sofrer, e, como viver é querer, toda a existência é essencialmente dor. Quanto mais elevado é o ser, mais sofre... A vida do homem não é mais do que uma luta pela existência com a certeza de ser vencida... A vida é uma caçada incessante onde, ora como caçadores, ora como caça, os entes disputam entre si os restos de uma horrível carnificina; uma história natural da dor que se resume assim: querer sem motivo, sofrer sempre, depois morrer e assim sucessivamente, pelos séculos dos séculos, até que o nosso planeta se faça em bocados.[30]

 

 

Se procedermos atenta e novamente à leitura, não encontraremos dificuldades de concluir que o referido excerto encerra as lições fundamentais do pessimismo schopenhaueriano. Querer, ou seja, desejar é  essencialmente sofrer, porque, ao desejar, o homem, cuja essência reside nesse querer, encontra-se em estado de carência, de privação; por conseguinte, ele, ao querer, sofre. Como a vida é manifestação da Vontade, isto é, manifestação desse querer incessante, a vida é essencialmente dor, sofrimento.

O homem é o fenômeno mais elevado e perfeito da Vontade. Como seja um ente dotado de conhecimento, de uma consciência superior, a dor de viver se lhe afigura mais intensa; ele é, por isso, o ente que mais sofre. Atentemos para as imagens usadas por Schopenhauer na constituição de sua concepção de vida. Pondera o autor que “a vida do homem não é mais do que uma luta...”, da qual o homem está certo de que sairá derrotado. Todos os seus esforços, mobilizados para essa luta, são inúteis. Não importa quanto o homem faça, o que faça: a vida é uma experiência da qual ele será, mais cedo ou mais tarde, necessariamente privado. O destino do homem o reduzirá inapelavelmente ao nada. A vida do homem, escreve Schopenhauer, “é uma luta pela existência com a certeza de ser vencida”. Eis encenado aqui o destino de Sísifo, destino comum a todo ser humano: o homem luta sempre, quer sempre e sempre, mas, se for inquerido sobre a razão por que faz o que faz, não sabe bem responder. Ele sabe que precisa fazer o que faz; seu trabalho consiste em ser um combatente que morrerá necessariamente com as armas nas mãos. Carregar pedra e recomeçar esse trabalho árduo diariamente – trabalho que é a própria vida de que ele, homem, se encarrega na mais profunda ignorância sobre a causa (se houver alguma ) por que se encontra a ele obrigado e a finalidade (se houver alguma) com que o realiza, até que a morte, credor implacável, venha-lhe tomar aquilo que a ela pertence, é o que torna nossa condição semelhante à de Sísifo.

Essa “história natural da dor”, que é a vida mesma, é reiniciada toda vez que vem ao mundo uma nova criança. O instinto sexual garante, portanto, que essa história de dor seja incessantemente repetida. Dar à luz uma criança não é mais, segundo Schopenhauer, do que recomeçar a marcha da história humana, cuja insignificância não escapou ao escrutínio descritivo do autor. O que chamamos de “tirania do querer” é – deve-se enfatizar – a forma mesma da vontade de viver. O homem é, essencialmente, vontade, desejo insaciável. Porque é essencialmente desejo, o homem sofre. O objeto desejado, uma vez possuído, jamais consegue cumprir as promessas sobre ele projetadas quando era objeto do desejo. Nunca atingimos uma satisfação final. A vontade em nós, a vontade que, essencialmente, somos permanece insatisfeita. Mas, quando um desejo é satisfeito em algum momento, ele muda de forma e nos torna a torturar. Para Schopenhauer, portanto, não há escapatória a essa forma de tirania: ainda que todas as formas possíveis de desejo fossem satisfeitas, a necessidade do querer sem motivo, sem alvo, permaneceria, e nos veríamos inundados de um sentimento de vazio, paralisados pelo sentimento de perda de significado de tudo; em uma palavra, seríamos absorvidos num tédio insuportável.

 

3. O contexto místico-religioso da filosofia de Schopenhauer

 

Num trecho que se topa no livro IV de O mundo como vontade e representação, Schopenhauer reconhece sua dívida para com a tradição espiritual cristã e com a tradição espiritual da Índia, nomeadamente e sobretudo do hinduísmo e do budismo.

 

Recorri aos dogmas da religião cristã, eles mesmos estranhos à filosofia, apenas para mostrar que a ética oriunda de nossa consideração, que é coerente e concordante com todas as partes desta, embora nova e surpreendente em sua expressão, de modo algum o é em essência; ao contrário, concorda totalmente com todos os dogmas propriamente cristãos e no essencial já se acha nestes; também concorda com a mesma exatidão com as doutrinas e os preceitos éticos que foram expostos de forma bem diferente nos livros sagrados da Índia.[31]

 

 

Importa-nos oferecer, sem pretender a exaustão, uma descrição da conjuntura dogmática da tradição místico-religiosa do budismo e do hinduísmo, destacando os aspectos que são concordantes com a filosofia schopenhaueriana e que foram ressignificados por ela. No tangente à influência da tradição cristã na formação do pensamento schopenhaueriano, será suficiente delimitar o contexto escatológico com o qual esse pensamento dialoga: 1) nossa condição originária é essencialmente sem salvação; 2) o mundo é manchado pelo pecado; ele é mau e pertencemos, em essência, ao que é mau; 3) A redenção só pode alcançar-se por meio da fé; 4) a fé mesma só se dá por meio da graça. Em consonância com a escatologia cristã, nosso maior delito é haver nascido. Porque somos frutos de um erro pelo qual pagamos, temos necessidade de redenção. É este contexto escatológico que subjaz ao desenvolvimento da filosofia ética, cujo estágio máximo é a negação da vontade de viver. A mortificação da vontade deriva da relação íntima entre o conhecimento e o querer no ser humano, mas, não sendo oriunda da deliberação, “chega (...) subitamente e como de fora voando”[32]; portanto, tal como se fosse um efeito da Graça.

Ao afirmar que tudo que existe, que todas as aparências são objetidade de uma Vontade, que constitui a essência do mundo, Schopenhauer se mostra afinado com as sabedorias orientais provenientes da Índia, mas também da China. No contexto da mística chinesa, o taoísmo, doutrina elaborada por Lao-Tsé no século VI a.C., assenta na crença de que tudo que existe é manifestação de uma realidade unívoca e originária, que a tudo permeia, chamada “Tao”. O Tao é o Absoluto, mas está em todo lugar. O taoísmo reza que, no universo em que vivemos, todas as coisas estão interligadas. Schopenhauer, em consonância com o ensinamento taoísta, afirma a “harmonia e conexão essencial de todas as partes do mundo”.[33] Esse reconhecimento da conexão e unidade de todas as coisas se vai esclarecendo e expõe a anuência do pensamento schopenhaueriano com a tradição místico-religiosa oriental no contexto de desenvolvimento de sua ética da compaixão, grau mais elevado de uma escalada que parte da justiça passando pela bondade do caráter. Esse movimento ascenscional, em cuja base está o esclarecimento do indivíduo humano por meio do conhecimento intuitivo, expressa-se como ultrapassamento gradativo do princípio de individuação, ou seja, do véu de Maya. O ponto culminante, que marca a transição da virtude para a ascese, é a negação da vontade. Trata-se do estágio máximo da lucidez niilista do pensamento de Schopenhauer, conforme veremos. A negação da vontade é a redenção, a resignação completa, mas ela é precedida do quietivo da vontade.

 

(...) vimos que pela visão cada vez mais límpida que transpassa o principium individuationis primeiro resultam a justiça espontânea, em seguida, o amor que vai até a superação completa do egoísmo, por fim a resignação ou negação da vontade.[34]

 

 

Ascendendo ao modo de vida ascético, o indivíduo, tendo transpassado o princípio de individuação, reconhece em si mesmo a essência de tudo que existe, ou seja, reconhece a identidade da vontade em todas as aparências e, de imediato, se percebe como manifestação de uma Vontade que, objetivando-se nele como seu próprio íntimo, sua própria essência, é a mesma essência e fundo íntimo de todos os seres.

 

3.1. A influência budista


Siddharta Gautama (563-480 a.C. aproximadamente), o Buda, tendo alcançado a Iluminação, ensinou a seus discípulos o caminho pelo qual eles também poderiam alcançá-la. O budismo contém, portanto, os ensinamentos de Buda. É surpreendente a afinidade entre o pensamento de Schopenhauer e o do Budismo, mormente no que tange a duas das 4 Nobres Verdades: 1) Toda existência é sofrimento; 2) o sofrimento origina-se do desejo ou anseio. Buda ensinava ser a vida sinônimo de sofrimento. Nascer é sofrer; envelhecer é sofrer; morrer é sofrer. Também para Schopenhauer a vida não é outra coisa senão um ciclo de dores e sofrimentos incessantes, em cuja origem está o estado de insatisfação permanente de desejos que não cessam de assumir novas formas e de nos inquietar. A existência no samsara é como a roda de Íxion a que alude Schopenhauer: uma roda de desejos nunca satisfeitos; portanto, de sofrimentos infindos. Para Schopenhauer, a afirmação da vontade leva a um interminável ciclo de desejos nunca plenamente satisfeitos. Toda satisfação definitiva é impossível, donde a necessidade de pôr fim a esse ciclo tirânico de quereres. A cessação dos desejos só é possível pela renúncia à satisfação, pelo desapego ao viver mediante um exercício ascético ao fim do qual se busca atingir o repouso, a liberação da tirania do desejo: o nirvana.[35] No pensamento de Schopenhauer, o Nirvana equivale à negação da vontade, e o carma budista é ressignificado como o estado essencialmente doloroso da existência. Para falar com mais rigor, carma significa ação intencional. Todo sofrimento que experienciamos nesta vida presente é explicado como um efeito de um carma (ação) acumulado na vida pregressa. O conceito de carma deve, portanto, ser relacionado com o de samsara, o qual recobre a crença de que a existência humana se desenrola num ciclo de sucessivos nascimentos. As obras do amor, que dão forma à ética da compaixão, desenvolvida por Schopenhauer, em cujo cerne está o conhecimento intuitivo que levaria o indivíduo a aliviar os sofrimentos alheios tendo reconhecido a mesma Vontade de vida que, afirmando-se nele e nos demais seres sencientes, causa sofrimento tanto nele como nesses seres é um claro e irretocável contributo da Grande Compaixão budista, a saber, “o desejo espontâneo de libertar todos os seres vivos dos sofrimentos da existência cíclica”.[36]

As aproximações que podemos fazer entre o pensamento de Schopenhauer e a doutrina budista não se esgotam nas precedentes. Outras mais devem ser aqui traçadas com vistas a pavimentar o solo firme para que se desenvolvam nossas reflexões ulteriores sobre a questão do nada implicada na negação da vontade. A verdade última do budismo é a vacuidade. O eu e o nosso corpo são vacuidades. Não há um eu existente como substância. Há uma ausência de eu substancial: isso é a vacuidade; no entanto, a vacuidade não é o nada. Ademais, há um corpo convencional, representacional, mas não há um corpo inerentemente existente. No budismo, todos os fenômenos pertencem à ordem da convenção; nada existe em si mesmo; tudo é uma construção conceitual da mente. O budismo afirma um idealismo absoluto: todos os fenômenos são gerados pela nossa mente. Também afirma a impermanência de todas as coisas: tudo que surge necessariamente muda. Não existe essência duradoura nem individualidade dentro de nós. A mente é uma matriz produtora de ilusões. O mundo cotidiano ou o mundo sensível é uma ilusão, carece de substancialidade. O que muda carece de ser, portanto não é. O devir não pode ser identificado com o real em si. O passado, o presente e o futuro não existem, visto que tudo o que surge, necessariamente, muda; tudo está em fluxo, tudo carece de densidade ontológica. A vida é devir; é fluxo constante. Se o mundo fenomênico está em fluxo constante, se tudo nele muda, nada permanece, tudo nele carece de densidade ontológica. No entanto, tudo depende do vazio.

 

“A realidade é vazia” (...) No Budismo entende-se por vazio o fato de que alguma coisa para existir depende da existência de outras, ou seja, nada existe de forma independente. Nem as pessoas. Uma coisa só existe se outra existir, logo o mundo dos fenômenos depende do vazio para existir. Tudo o que acontece depende do vazio.[37]

 

Segundo Barbeiro[38], o mestre Hsing Yun da escola do Budismo tch’na, elenca dez significados de vazio, dentre os quais um nos chama a atenção pela semelhança com o conceito de Ápeiron de Anaximandro. O vazio não tem começo, nem fim, nem limitações. Todas as coisas são permeadas pelo vazio. O vazio é imóvel, é imutável e existe além da vida e da morte. É a realidade última, portanto.

 

3.2. A influência hinduísta


Os Upanixades, um dos livros sagrados que compõem a literatura vedanta, escritos entre os séculos VIII e IV a.C., expõem a doutrina segundo a qual, subjacente ao mundo acessível aos sentidos, há uma realidade última e verdadeira, livre do regime das formas do tempo, espaço e causalidade. Essa realidade última, sem começo e sem fim, é imutável, idêntica a si mesma e a tudo anima. Seu nome é Brahma. Os Upanixades são um resumo dos Vedas. Considerado a quintessência dos Upanixades, o Bhagavad Gita ensina o caminho da libertação do apego emocional ao mundo e da consequente união com Deus, que é o Espírito Supremo, a essência de tudo que existe, mas também o Eu Divino de cada um de nós, o Eu único, a Consciência Infinita. Destarte, segundo Gita[39], “a tarefa do homem, no vasto esquema das coisas, consiste em aprender que não passa de uma manifestação insignificante da Consciência Infinita”. O ego, segundo Gita, é a identidade da alma com o corpo. O apego ao ego impele o homem a agir com base na falsa crença de que o mundo em que vive é real. Apego é viver subjugado pelos desejos do ego e do corpo – corpo este que é um campo de batalha, onde se trava uma guerra entre tendências inferiores que arrastam a consciência para o jugo do mundo dos sentidos e tendências superiores, que a elevam para a fonte verdadeira do Espírito (Deus).

Em suma, o verdadeiro e último objetivo da fé hindu (e do ensinamento budista) é a libertação do círculo do samsara (dos renascimentos e diferentes existências). A morte é o maior evento da vida de um hindu, dado que ela representa a libertação final desse ciclo de tormentos e sofrimentos que é a vida em estado corpóreo. Levando-se em conta o que se expôs nestas duas últimas seções, pode-se estabelecer uma analogia formal entre a ideia de que nossa alma é feita da mesma cepa divina, de que somos partes da Consciência Infinita (Deus) e a ideia schopenhaueriana de que cada ser, cada aparência é uma objetidade de uma mesma Vontade, fundamento do mundo. Também a doutrina da negação da vontade inspira-se na ideia de libertação budista-hinduísta do ciclo tormentoso do samsara.

 

 

4. O nada da negação da vontade

 

O estágio máximo da vida ascética, da santidade, representado pela doutrina da negação da vontade, tem pressupostos, conforme patenteamos, que devem ser acuradamente examinados em suas articulações possíveis com a totalidade da doutrina schopenhaueriana. A tendência predominante dos comentadores dos textos de Schopenhauer é ver na doutrina da negação da vontade o ápice de seu pessimismo rabugento, de sua má disposição para com o júbilo, o prazer de existir, a chancela do conselho do sábio Sileno. A crítica feita pelo Nietzsche maduro ao pensamento schopenhaueriano parece ter contribuído para essa persistente má vontade para com a filosofia pessimista, niilista de Schopenhauer. Como não seja possível aqui nos ocupar da influência que a leitura nietzschiana exerce sobre a exegese da produção filosófica de Schopenhauer[40], passaremos a examinar mais um daqueles pressupostos – um pressuposto que, embora mencionado, passou ao largo de nossas considerações. Importa, no entanto, dizer, en passant, que o objetivo central desta etapa de nossa discussão será determinar o significado do “nada” suposto na doutrina da negação da vontade.

Na Introdução, fizemos menção ao fato de que, para Schopenhauer, o mundo como representação, experienciado sob o regime de Maya, assemelha-se a um sonho. Schopenhauer diz-nos que sonho e vigília se distinguem apenas em termos de qualidade; mas não se distinguem por natureza. Tanto o sonho quanto a vigília são regidos pelo princípio da causalidade, de sorte que não há critério seguro que nos permita estabelecer a distinção entre ambos. Tanto a vida quanto o sonho começam de modo casual, abrupto, sem razão e, não raro, terminam do mesmo modo. A analogia da vida com o sonho é demonstrada por Schopenhauer mediante a metáfora das folhas de um livro. Vida e sonho são como folhas de um mesmo livro. Esse livro é a vida em estado de vigília. Quando despertos, a leitura desse livro é feita segundo uma ordem coerente. Quando, no entanto, dormimos, folheamos uma folha aqui, outra ali, de modo descontraído, sem que nossa leitura se submeta a uma ordem coerente. O aspecto epistemológico da distinção entre vigília e sonho, que faz eco a Descartes, a Kant e, antes destes, a toda uma tradição que se estende de Platão ao ceticismo, não é o que nos interessa. O cerne do argumento schopenhaueriano e o que importa considerar, para efeitos dessa discussão, é a declaração de que a vida e o sonho começam ambos de modo casual, repentino. A analogia da vida com o sonho é, intuitivamente, mais claro e consistente quando Schopenhauer faz intervir na relação o signo da “morte”. Leia-se, pois, o trecho abaixo:

 

(...) a vida pode ser vista como um sonho, e a morte, como o despertar. Mas então a personalidade, o indivíduo pertence à consciência que sonha e não à que está em vigília: eis por que a morte se apresenta a ela como aniquilamento. Em todo caso, a partir desse ponto de vista, a morte não deve ser considerada a passagem para um estado totalmente novo e estranho, mas, antes, o retorno ao estado de origem e do qual a vida foi somente um breve episódio.[41]

 

Schopenhauer associa vida a sonho e morte ao despertar desse sonho. A vida é um breve episódio entre dois nadas (o nada que precede ao nosso nascimento e o nada que sucederá à vida). A vida transcorre entre o nada que precede ao nascimento e o nada que se segue à morte. A morte não é uma espécie de transição para outra forma de vida; é o retorno ao inorgânico, nosso estado originário. Vindo do nada lançado à vida, sem razão e casualmente, o indivíduo, atingindo um grau refinado de reflexão, não poderá ignorar que a experiência da vida é a mesma que tem aquele que, abruptamente, repentinamente, começa a sonhar. Tanto a relação entre a vida e o sonho quanto a relação entre a morte e o despertar são consistentes com os ensinamentos das tradições orientais, nomeadamente a do hinduísmo e do budismo. Ademais, são consistentes com a visão schopenhariana do mundo como representação, mundo que existe para o sujeito e é condicionado por ele. Ora, tal como o sonho supõe o sonhador, também o mundo como representação supõe o sujeito da intuição; tal como o mundo da experiência sensorial é, no hinduísmo e no budismo, projeções da mente humana, desprovidas de substancialidade, assim também são os sonhos imagens, subprodutos da atividade cerebral de quem sonha. Tanto quanto o mundo “real” os sonhos carecem de “existência inerente”. O mundo intuitivo nada mais é do que a minha representação; a vida universal é a vida da Vontade, e esta é a verdadeira vida. Convém, doravante, debruçarmo-nos sobre o sentido do apelo ao nada, suposto na doutrina da negação da vontade. A questão que nos ocupará pode ser formulada como se segue: a supressão do querer viver alcançada na negação da vontade descerra o caminho para o Nada vazio? Nada vazio significa o Nada absoluto em sentido ontológico, o não-ser, a não existência, para falar em estilo heideggeriano, do “ente na totalidade”.

A negação da vontade é considerada por Schopenhauer o sumo bem, “o único e radical meio de cura da doença contra a qual todos os outros meios são simples paliativos, menos anódinos”.[42] A doutrina da negação da vontade caracteriza emblematicamente Schopenhauer como um filósofo místico, que soube, como nenhum outro, fazer confluírem o rigor do lógos ocidental, uma invenção legitimamente grega, e a mística-imagética das sabedorias orientais. Por conseguinte, não podemos nos esquivar de concordar com Brum, quando observa que a negação da vontade “essa beatitude nirvânica não pode ser considerada uma felicidade pessoal, porque enquanto “alegria celeste”, ela não pertence mais ao mundo. Pertence ao domínio da mística”. (grifos no original).[43]

Na seção 71, a última do IV livro de O mundo como vontade e representação, Schopenhauer se preocupa em esclarecer a distinção entre duas concepções de NADA. Nas palavras do filósofo, “(...) o conceito de NADA é essencialmente relativo e sempre se refere a algo determinado”.[44] O nihil privativum ou o nada privativo é marcado com o sinal (-) em oposição a um (+). O nihil negativum foi interpretado como nada absoluto, sempre um nada em qualquer relação. Sucede, contudo, que Schopenhauer nega ser pensável um nada absoluto. Destarte, segundo o autor, “qualquer nada o é apenas quando pensado em relação a algo outro, e pressupõe esta relação, portanto, também aquele algo outro”.[45]. O nada privativo sempre pode trocar de sinal com aquilo em relação ao qual ele é negação. Logo, se ao nada privativo associamos o sinal (-) e ao ser o sinal (+), podemos sempre inverter a distribuição dos sinais: o nada recebe o sinal (+), e o ser recebe o sinal (-). Ora, Schopenhauer nota que é justamente o mundo como representação, como objetidade e espelho da Vontade que é considerado, universalmente, como “ser”.  Se, contudo, observa o filósofo, “um ponto de vista invertido fosse possível para nós, ele permitiria uma troca de sinais e mostraria que o que existe para nós como ser, é o nada, e o que para nós é o nada, é o ser”.[46] Tal é, portanto, a experiência daqueles nos quais a vontade foi negada; para estes, “este nosso mundo tão real com todos os seres e vias lácteas é – Nada”.[47] Por outro lado, para “todos aqueles que ainda estão cheios de vontade”[48], o nada é o estado a que se segue à completa supressão da vontade. Somente aqueles que ainda se encontram sob a tirania da Vontade veem a negação da vontade como imersão na nulidade total.

Do que precede segue-se que o nada desvelado pela negação da vontade é descanso na mais profunda ataraxia, é ultrapassamento do mundo da representação, é libertação dos grilhões da Vontade. Para todos aqueles que chegam a alcançar “a completa calmaria oceânica do espírito, aquela profunda tranquilidade, confiança inabalável e serenidade jovial”[49], o que seria, pela negação da vontade, uma absorção angustiante no nada como nulidade de ser converte-se em plenitude de ser, em inquebrantável ataraxia. Na experiência de transfiguração do mundo como representação em “nada” por meio da negação da vontade, o nada se desvela como signo da lucidez do niilismo schopenhaueriano.

Antes de pôr termo a este texto, o que a lucidez niilista do pensamento de Schopenhauer nos desvela é uma experiência que não é, de modo algum, uma exclusividade consequente do acordo desse pensamento com as sabedorias místicas do Oriente; essa experiência não é estranha a filosofias existencialistas como a de Heidegger e Sartre. Não é escusável lembrar o pertencimento originário do nada à essência do ser, em Heidegger; nem será demais recordar a experiência nadificadora da Náusea, em Sartre: na Náusea, a realidade perde sua razão de ser. Schopenhauer, Heidegger e Sartre souberam ver, cada qual a seu modo, que o problema do “nada”, ou o que nos põe como problema o niilismo, diz respeito à condição do homem como ser no mundo.

Malgrado o fato de Schopenhauer pensar ser absurdo o nada absoluto, cumpre dizer que, no Zen-Budismo, o Nada absoluto não comporta um traço de ‘negatividade’. O conceito de Nada absoluto recobre a total dissolução da substancialidade no vazio. A dissolução da substancialidade no vazio é abertura infinita ao vazio. O Nada aí é dotado do traço sêmico [+ atividade]; por conseguinte, pela atividade nadificante do nada, o “Um” substancial se dissolve no vazio. Essa dissolução do “Um” no Vazio descerra o diverso inesgotável.

O nada como atividade, que dissolve a substância no vazio, nega também, ao mesmo tempo, toda determinação do nada como negação do ser. À luz da atividade nadificadora do Nada absoluto, se descortina a ambiguidade, a plurivocidade radical do mundo, o seu ser dizível, expressivo, mas não completamente; o seu ser indizível, mas não totalmente. O mar está aberto novamente, como disse Nietzsche. O mundo expõe à luz do dia seu caráter transitório e mutável, “a impossibilidade de defini-lo como forma acabada em um modo ou em outro, até que se permanece dentro de uma rede de correlações que a linguagem cria”[50]. Segundo Cestari[51], portanto, “o nada absoluto tem (...) a ver com a existência total de múltiplas vozes do mundo e a sua opacidade em relação ao pensamento dualista”.

Reafirma-se, pois, com base no exposto, o modo como buscaremos repensar a problematicidade do niilismo a partir do confronto entre as filosofias de Schopenhauer, de Nietzsche e de Cioran. O niilismo se insurge contra o que Meffesoli[52] chama esquema substancialista que marcou o Ocidente, cujas figuras são a do Ser, Deus, Estado, Instituição, Indivíduo, Identidade, Bem, entre outras. O niilismo descerra as condições de possibilidade para o compromisso com a crítica radical do que Meffesoli chama “Fantasma do Uno”, ou seja, uma matriz ideológica, imaginária que, reduzindo toda a diversidade e complexidade do real (domínio das infinitas possibilidades, das virtualidades) ao imperativo do Uno, está na origem da fundação dos monoteísmos morais, políticos e dos autoritarismos que culminaram com os piores totalitarismos. O niilismo, a fim de assegurar seu poder bélico, contestatório de todas aquelas variantes do esquema substancialista, precisa trazer à luz a insignificância radical da condição humana, o abismo em que assenta a história, a abissal indiferença cósmica para com nossas rixas, rivalidades, lutas e disputas pelo poder de determinar o curso do desenvolvimento histórico que resiste a acomodar-se ao regime de um plano racional.

A lucidez niilista exprime-se aqui com todo seu vigor combativo. O niilismo se apresenta, pois, como uma forma de pensamento dessacralizador, fundado na negação radical de todo ideal, de toda pretensão de segmentos societários, que gozam do privilégio do poder instituído, de reificar, de naturalizar, hipostasiar sentidos e valores que são historicamente produzidos, sedimentados e conservados. O niilismo é o modus operandis de toda crítica desconstrucionista ou genealógica que visa a “desenterrar”, a pôr sobre a terra as raízes das configurações, das materialidades históricas cuja existência é justificada metaempiricamente.

 

 

 

 

Referências

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Cestari, Matteo. Além da Metafísica do conceito: nada e negação na lógica do lugar. In: Neto, Florentino Antonio; Giacoia Jr., Osvaldo (Orgs.). O Nada absoluto e a superação do niilismo: os fundamentos filosóficos da escola de Kyoto. Campinas, SP: Editora PHI, 2013.

Gyatso, Geshe K. Introdução ao budismo: uma explicação do estilo de vida budista. Trad. Kelsang Pelsang. Sâo Paulo: Tharpa Brasil, Centro Budista Mahabodhi, 1992.

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ORLANDI. E. P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Campinas, SP: Pontes, 2007.

                                                     

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Rosset, Clément. Lógica do pior. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.

 

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Schopenhauer, Arthur. O mundo como vontade e como representação, tomo I. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2015.

 

Volpi, Franco. Niilismo. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

Yogananda, Paramhansa. A Essência do Bhagavd Gita. São Paulo: Pensamento, 2007.

Ziegler, Ernest (Org.). Sobre a morte: pensamentos e conclusões sobre as últimas coisas.  Trad. Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

 

 



[1] Este artigo é a manifestação de uma etapa da elaboração de nossa pesquisa de doutoramento vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

[2] O termo gesto de interpretação constitui um termo técnico cunhado pela linguista e analista do discurso Eni P. Orlandi para designar o fato de que toda interpretação é um ato simbólico caracterizado pela inscrição do sujeito (e de seu dizer) em uma posição ideológica, que delimita uma região particular no interdiscurso, na memória do dizer. Acrescente-se que ideologia, nesse contexto teórico, não é ocultamento do real, mas um mecanismo de produção de uma interpretação necessária que atribui sentidos fixos às palavras. Por isso, o mecanismo ideológico não envolve uma falta, mas um excesso (Orlandi, 2007). 

[3] É certo que Schopenhauer jamais usou o termo “niilismo”, o que não nos proíbe de falar de um caráter niilista de seu pensamento.

[4] Bakhtin, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 217.

[5] Segundo Bakhtin (ibid., p. 272), “cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados”. Portanto, todo enunciado é dialógico, e o que Bakhtin chama de dialogismo descreve o fato de que todo enunciado se constitui a partir de outro enunciado, em face do qual é uma réplica. Inspirados no conceito de dialogismo, mantemos que toda a filosofia se constitui e se desenvolve a partir de uma outra.

[6] Blanchot, Maurice. A conversa infinita 2: experiência limite. São Paulo: Escuta, 2007

[7] Volpi, Franco. Niilismo. São Paulo: Edições Loyola, 1999, p. 8.

[8] Ibidem, p. 10.

[9] Schopenhauer, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2015, p. 3.

[10] Idem.

[11]  As representações em seu estado intuitivo, conforme ensina Schopenhauer, não são exclusividade do ser humano; também as têm os animais não humanos. Somente as representações de ordem abstrata, que formam a classe dos conceitos, são apanágio exclusivo do homem.

[12] Ibidem, p. 4.

[13] Ibidem, p. 5.

[14] Ibidem, p. 6.

[15] Idem.

[16] Idem.

[17] Ibidem, p. 8.

[18] Maya oculta e distorce  o fundamento absoluto do ser, a verdadeira realidade de Brahman. Sob a vigência de Maya, os seres humanos vivem num mundo ilusório, e Maya constitui um obstáculo para o atingimento do conhecimento último, qual seja, o de que nosso verdadeiro “eu” é parte integrante da realidade última e verdadeira, Brahman. Maya está na base do apego ao mundo material e do egoísmo humano.

[19] Rosset, Clément. Lógica do pior. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.

 

[20] Schopenhauer, op.cit., p. 424.

[21] Ibidem, p. 152.

[22] Ibidem, p. 317.

[23] Ibidem., p. 318.

[24] Idem.

[25] Idem.

[26] Idem.

[27] Ibidem., p. 320.

[28] Ibidem, 319.

[29] Idem.

[30] Schopenhauer, Arthur. As dores do mundo. Trad. José Souza de Oliveira. São Paulo: Edipro, 2014, p. 39.

[31] Schopenhauer, op.cit., p. 473.

[32] Ibidem, p. 468

[33] Ibidem, p. 179.

[34] Ibidem, p. 472.

[35] O nirvana é o estado em que todo o carma e a lei dos renascimentos são interrompidos. O nirvana é uma experiência que deve se dar no aqui e agora, no mundo, portanto. Quando o budista atinge o nirvana, consegue extinguir o desejo. Mas a forma última e definitiva do nirvana só se alcança com a morte, que é a extinção absoluta. Alguns budistas chamam-na de parinirvana. (Gaarder, Jostein et.al. O livro das religiões. Trad. Isa Mara Lando. Companhia das Letras: São Paulo, 2005)

[36] Gyatso, Geshe K. Introdução ao budismo: uma explicação do estilo de vida budista. Trad. Kelsang Pelsang. Sâo Paulo: Tharpa Brasil, Centro Budista Mahabodhi, 1992, p. 75.

[37] Barbeiro, Heródoto. Buda: o mito e a realidade. São Paulo: Medras, 2009, p. 87.

[38] Idem.

[39] Yogananda, Paramhansa. A Essência do Bhagavd Gita. São Paulo: Pensamento, 2007, p. 151.

[40] Registre-se aqui o fato, nem sempre reconhecido pelos não especialistas, de que os sentidos têm a sua história e, consequentemente, as leituras já feitas de um texto “dirigem, isto é, podem alargar ou restringir a compreensão de texto de um dado leitor”. (Orlandi, E.P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 2008, p. 43).

[41]Ziegler, Ernest (Org.). Sobre a morte: pensamentos e conclusões sobre as últimas coisas.  Trad. Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 34.

[42] Schopenhauer, op.cit., p. 421.

[43] Brum, José Thomaz. O pessimismo e suas vontades: Schopenhauer e Nietzsche. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 21-22.

[44] Schopenhauer, op.cit., p. 473.

[45] Ibidem., p. 474.

[46] Ibidem., p. 475.

[47] Ibidem., p. 477.

[48] Idem.

[49] Ibidem., p. 476.

[50] Cestari, Matteo. Além da Metafísica do conceito: nada e negação na lógica do lugar. In: Neto, Florentino Antonio; Giacoia Jr., Osvaldo (Orgs.). O Nada absoluto e a superação do niilismo: os fundamentos filosóficos da escola de Kyoto. Campinas, SP: Editora PHI, 2013, p. 64.

[51] Idem.

[52] Maffesoli, Michel. A transfiguração do político: a tribalização do mundo pós-moderno. Porto Alegre: Sulina, 2005.