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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Refluxos verbais


                                 

                                   O mesmo nauseante


Tenho andado sem inspiração ultimamente. Eu queria ter escrito sobre a problemática em torno do conceito de verdade em filosofia, mas desisti do empreendimento, mesmo depois de ter colhido materiais suficientes para me ocupar do tema. Ando desmotivado para escrever; quiçá, porque tenha me perguntado sobre os propósitos por que escrevo. De que me vale este laborioso trabalho? Certa vez, justifiquei minha escrita de modo a fazer ver ao leitor que ela me permite reelaborar o que li e aprendi, a fim de que eu, realmente, chegue à compreensão. Escrevo com vistas a compreender o que aprendi lendo. Assim, não me importaria com o interesse do leitor blogueiro.
Nesta nova oportunidade, escreverei sobre o que me aborrece e sobre o que me deixa espavorido (não confundamos com esbaforido, que significa ‘ofegante’). Este texto não trará nenhuma contribuição cultural ao leitor. É um texto confessional. Não me pergunte por que isto tem alguma importância, mas preciso dizer que os clichês de amor que circulam no facebook são tediosos. Vejamos alguns:

“Só porque alguém não te ama como você quer, não significa que este alguém não te ame com tudo o que pode.”

“Porque no final de tudo, o que realmente importa é estar ao lado de quem a gente ama.”

“Eu poderia ser a pessoa mais agradável do mundo, mas optei por ser eu mesmo.”


Essas frases fazem eco à psicologia barata. As pessoas não nos amarão segundo a medida do amor que desejamos. O mundo não será do modo como desejamos. O mundo ignora nosso desejo. A segunda frase é mais uma mentira que circula por aí. Nem sempre o que realmente importa é viver ao lado de quem a gente ama. Se essa pessoa não nos amar, por que deveríamos querer viver ao lado dela? E se essa pessoa nos amar de modo muito suspeito, porque deveríamos continuar amando-a? Por que deveríamos ser a pessoa mais agradável do mundo? As pessoas são contraditórias. Os seres humanos são animais muito complexos. Há sempre quem nos julgará desagradáveis. Não agradamos a todos e nem devemos agradar a todos. E o “eu mesmo” é uma ficção, uma máscara que utilizamos para viver em sociedade. É claro que não podemos ser simpáticos o tempo todo (os simpáticos demais também levantam suspeitas e aborrecem as pessoas); nem podemos ser sempre antipáticos, sob pena de não conseguirmos conviver relativamente bem.
Pessoas que vivem a vomitar clichês são pessoas de superfície, e a mim elas não atraem. É possível que apareça um “anônimo” para comentar este texto e me julgar um “intelectulóide prepotente”. Vez por outra, aparece um desses supostos “críticos aborrecidos do intelectualismo” por aqui. Infelizmente (ou justamente), em nossa cultura, se enrudece essa tendência a repudiar a quem se eleva sobre o senso-comum. Doa a quem doer, mas é fato inegável que mais ampla formação cultural e aumento do grau de escolaridade são fatores por que demarcamos certas fronteiras sociais.
O sempre mais do mesmo também é detestável. Veja-se o novo Big Brother. As mesmas situações, as mesmas intrigas, as mesmas baixarias, as mesmas apelações sexuais vulgares, o mesmo desejo que têm os participantes de se tornar celebridades instantâneas, sob o aplauso de uma massa que não faz senão contribuir para o aumento da riqueza da já rica e mais poderosa emissora de televisão deste país. O tempo que uma pessoa consome assistindo a este programa idiotizante seria mais bem empregado para a leitura. Digo, a leitura que edifica, e não a que adestra.
Sinceramente, os meus dois maiores desafios enquanto professor são: formar leitores competentes e desenvolver nas pessoas um senso crítico sobre as valorações sociais dos usos linguísticos. Refiro-me à árdua tarefa de desarraigar o hábito que a maioria das pessoas tem de rotular de ‘certa’ e ‘errada’ a forma como os outros falam sua língua materna (o português, em nosso caso). Esse trabalho começa na escola, mas tem de começar desde as séries iniciais. Tento mostrar que valores como ‘certo’ e ‘errado’ não estão nas expressões linguísticas, mas são atribuídas a elas pelos seus usuários. E eles fazem isso, irrefletidamente, porque foram educados numa longa tradição gramatical normativista. Na verdade, os critérios por que se julgam certas formas e usos da língua como certas e outras como erradas não são claros para a maioria dos falantes nativos de português. Eles aprenderam na escola que o certo é dizer/ escrever “você está entre mim e ele” e que é “errado” dizer/ escrever “você está entre eu e ele”, sem que seu professor lhe explicasse a razão por que uma forma linguística está certa; e a outra, errada (e sem problematizar essa visão valorativa dicotômica!). No máximo, ele ouviu algo como “é errada porque não é assim que se diz na norma culta”. Mas quem estabeleceu essa norma culta? E quem não se expressa na norma culta é inculto? Os jogos de poder ficam mascarados e o falante nativo não se dá conta deles. E ele continuará acreditando que há formas linguísticas às quais as noções de certo e errado são imanentes.
Não vou adiante.

Deixarei o leitor com este trecho, filosoficamente perturbador (como não poderia deixar de sê-lo), cujo autor questiona a ideia famigerada da passagem do tempo. Será mesmo que o tempo se move?

“Apesar de realmente parecer para nós que o tempo se move para frente, não está claro como isso acontece, porque o tempo não é um objeto físico ou uma coisa. Mas, então, em que sentido, exatamente, ele se move? Na verdade, se estivesse realmente se movendo, poderíamos ter a capacidade de dizer a que velocidade. Você pode pensar que os relógios medem esse ritmo mas não é bem assim. (...)
“O tempo voa”, dizem, “quando estamos nos divertindo”. Sou a favor da diversão, mas divertir-se não pode fazer que o tempo passe mais rápido, se o tempo não está passando de jeito nenhum”.

(Filosofia em 60 segundos (2012), pp.19-20.)