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domingo, 1 de maio de 2022

“O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.” (Darcy Ribeiro)

 









BRASIL, A PÁTRIA DE TODOS AMADA 

 

 

Faz algum tempo, tenho me ocupado em ler livros que versam sobre economia. Incorporando essa prática ao conjunto de meus diversificados interesses intelectuais, meu objetivo é tornar-me um pouco menos ignorante nessa matéria à proporção que vão se me tornando claros não apenas os conceitos econômicos com que trabalham os economistas (superávit primário, deflação, mercado, riqueza, renda, dívida pública, capital de giro, etc.), mas também os mecanismos, as relações, os eventos econômicos subjacentes à vida social e responsáveis pelas mudanças que percebemos e sentimos em nossa vida e na vida da classe social a que pertencemos. Por exemplo, quase todo brasileiro, desde cedo, aprende que, no Brasil, quem paga os maiores impostos são os pobres. Isso é verdade. Mas a maioria da população brasileira não sabe por que isso acontece e como acontece. À medida que vou desbravando as terras da ciência econômica, um mundo novo se ilumina, se esclarece aos poucos para mim, mas, ao mesmo tempo, também vou tomando consciência do quanto desse mundo permanece sob o véu da ignorância, permanece na obscuridade para o homem comum no dia a dia. Fico atônito em face da quantidade de conhecimentos econômicos que permanecem ocultados, que, se fossem acessíveis à grande maioria da população, talvez ela tivesse mais poder nas decisões políticas, talvez não aceitasse tão docilmente as condições de injustiça em que vive; talvez não consentisse com o sistema de dominação social e econômico que a mantém privada do acesso a maiores porções da riqueza produzida em sua sociedade. Ao compartilhar um pouco do que sei, tenho em vista aqui, especialmente, a parcela da população que apóia o atual governo de Jair Bolsonaro; penso em todos aqueles que se aglomeram em seus “cercadinhos”, a maioria dos quais homens e mulheres da classe média que se formou historicamente, no Brasil, distinguindo-se das camadas populares pelo tipo de socialização de seus membros, os quais se beneficiam do privilégio da educação, de uma escolarização maior do que aquela que possui (ou não possui) os membros das classes inferiores, embora uma grande parte do eleitorado de Bolsonaro inclua também indivíduos muito mais velhos sem grau de escolarização superior. Seja como for, o que dou a saber não é parte do conhecimento de mundo de uma maioria esmagadora de nossa população. Antes, portanto, de defender um líder político que, para mim, é indefensável, por inúmeras razões que não vêm a propósito enunciar agora, acho importante atentar para o que se segue.

Acho, politicamente, que, considerando a realidade social e econômica de um país como o Brasil, marcada por grandes desigualdades em termos de distribuição de renda e riqueza, o melhor a fazer é eleger candidatos a cargos públicos dispostos a organizar um Estado forte que não ceda ao engodo dos proprietários dos meios de produção e de terra (talvez, o melhor a ser feito fosse deflagrar uma revolução social para derribar os poderes neoliberais e recriar todo um aparelho de Estado que, há décadas, é subserviente à lógica do capital financeiro, mas isso é uma utopia num país de sucessivos atrasos sociais e econômicos como o nosso). Mas o que ganhamos com um Estado mais forte e eficiente? Vejamos.

Disse, inicialmente, que, no Brasil, quem paga os impostos mais altos é a classe trabalhadora. En passant, devemos saber que “impostos” são o mecanismos mais eficazes, nas sociedades modernas, para a promoção da redistribuição de riqueza e igualdade social e econômica. Acontece que, desde a época dos Grandes Descobrimentos que marcaram a modernidade, sempre que novas tecnologias acenam para oportunidades de geração maior de riqueza, os membros dominantes da comunidade, ou seja, os donos dos meios de produção, os capitalistas, convencem o poder público (Estado) da importância de fazer investimentos. Mas tais investimentos que carreiam a promessa de gerar mais riqueza para TODOS os membros da comunidade envolvem risco. Como o poder público é o sujeito interessado em alocar e distribuir a riqueza produzida para a comunidade como um todo, cabe a ele investir. Assim, pressionado pelos donos do capital, o poder público aceita fazer o investimento, mas há um problema: faltam os recursos necessários. O poder público não dispõe da riqueza suficiente para tal aventura em nome do “progresso” que beneficiará a “todos”. A solução, então, é a contribuição conjunta dos donos dos meios de produção, que investiriam parte de sua riqueza. Mas é, nesse momento, que as relações de poder mudam em favor dos mais poderosos economicamente. Os donos dos meios de produção, em vez de investirem parte de sua riqueza, correndo o risco de perdê-la, EMPRESTA suas riquezas ao poder público! (começa aí o tal “endividamento público”, ou a tal “dívida pública”). Mas, nesse mecanismo de endividamento do poder público, há que acrescentar um ingrediente. Os recursos obtidos pelo Estado por concessão dos donos dos meios de produção, em vez de serem utilizados para o tal “progresso”, que deveria beneficiar a todos, são empregados em iniciativas que beneficiam majoritariamente os mais ricos. Por exemplo, são utilizados para fornecimento de energia elétrica ou para a pavimentação de ruas em regiões onde residem os ricos ou onde se acham suas fábricas. Assim, deixa-se de gastar com a melhoria de vida de quem mora nas periferias, de quem é mais pobre. Os donos dos meios de produção encontraram um meio de fazer com que o Estado faça por eles e ainda lhes pague por esta obra (através dos juros da dívida). Vejam bem! Mais do que conseguir fazer a obra de que necessitam sem gastar um centavo, os capitalistas ganham dinheiro depois que ela é feita.

O endividamento do poder público significa também que uma parte da riqueza gerada pela comunidade (quem gera a riqueza são as classes trabalhadoras!) e arrecadada em benefício de “todos” acaba por fluir para as mãos de uma minoria já economicamente privilegiada, através do pagamento da dívida contraída. - Deu para entender? Quer que eu desenhe? - Tendo contraído a dívida com os donos dos meios de produção e das terras (“os tais parceiros da iniciativa privada”), o poder público só pode saldá-la de duas formas. A primeira forma é aumentando os impostos, ou seja, aumentando a porcentagem com que cada membro da sociedade deve contribuir sobre as riquezas que gera ou sobre as que tem em estoque. A segunda forma é pagando com riquezas que já foram acumuladas no passado pelo trabalho de toda a comunidade e que deveria ser utilizada para a melhoria das condições de vida da comunidade. Mas agora esse compromisso é desfeito, já que o poder público tem de atender a um compromisso assumido “ingenuamente” que se apresentava como um grande benefício para todos. Endividado, o poder público, porque tem de pagar juros sobre juros, possui uma quantidade de riqueza menor do que antes, que é insuficiente para saldar suas próprias dívidas, tais como pagar seus funcionários públicos, fornecer serviços de saúde, moradia e educação à população, etc. A capacidade de investimento do poder público foi enfraquecida. Mas toda a comunidade continua carecendo de investimentos; afinal, a riqueza existente está sendo consumida e isso pode trazer sérios prejuízos sobretudo àqueles que não detêm nem terras nem os meios de produção (eu e você, caro leitor trabalhador!). De agora em diante, tanto o governo quanto a comunidade passam a ficar dependentes dos donos das terras e dos meios de produção (que formam o que Ciro Gomes chama de “o grande baronato brasileiro”). Os donos dos meios de produção se tornaram agora o único agente econômico capaz de contribuir com o investimento necessário para gerar riqueza que satisfará as necessidades da comunidade. Percebam que genial é este processo, que TODOS NÓS, trabalhadores, ignoramos ou aceitamos passivamente: esse processo situa quem criou o problema (os donos dos meios de produção e de terras) no lugar de único agente capaz de solucioná-lo. Os donos dos meios de produção são, doravante, os “salvadores” em potencial de toda a comunidade, angariando o prestígio e a estima de todos os membros da comunidade (que, no Brasil, culpam os mais pobres por todos os graves problemas do país!).

Como os donos dos meios de produção se tornaram “os salvadores da pátria”, duas consequências imediatas se impõem. A primeira delas é o aumento do poder de barganha que adquirem os ricos com os atores políticos, ou seja, com os agentes do poder público, justamente com aqueles que ocupam posições de decidir e criar as regras de distribuição de riqueza na comunidade. O poder público se tornou subserviente ao poder econômico dos grandes proprietários do capital (os donos dos meios de produção e de terras). A segunda consequência é a possibilidade de eles se apresentarem como os melhores candidatos para representar os interesses da comunidade em processos eleitorais, já que são os únicos dotados dos meios para salvar a sociedade. Essas duas consequências combinadas produzem as condições perfeitas para que, numa democracia representativa que deveria atender aos interesses de todos, um grupo que só representará os interesses das classes mais ricas seja eleito e passe a ter o poder de definir as regras de distribuição de riquezas, privilegiando os que já a possuem em grande quantidade, sem que a sociedade o conteste. Eis um exemplo dentre as formas pelas quais o capitalismo é nocivo à democracia. O que se configura em países como o Brasil, onde o poder público é subserviente ao poder econômico e político dos proprietários do capital, ou seja, da maior parte da riqueza gerada, é uma falsa ou aparente democracia, hoje, certamente, em frangalhos num país onde vige um governo autoritário e antidemocrático como o de Bolsonaro. Em geral, só nos preocupamos com a defesa da democracia, como acontece no atual momento histórico no Brasil, quando a estabilidade do tripé dos Poderes que constituem o Estado Democrático de Direito é ameaçada, mas a ameaça à democracia no Brasil se dá todos os dias sempre que admitimos as indecentes desigualdades sociais e econômicas, sempre que aceitamos a subserviência do Estado aos interesses dos proprietários dos meios de produção, sempre que nos convencemos de que tirar direitos trabalhistas acarreta melhoria no mercado de trabalho, sempre que culpamos os mais pobres pelos problemas que assolam nosso país, sempre que acreditamos que o único problema a ser combatido no Brasil é a corrupção dos governantes, especificamente a corrupção de um único partido político, etc.

Uma vez que ocupem o poder público, os representantes dos interesses dos donos dos meios de produção e de terras, passam, com frequência, a legislar em causa própria. A primeira medida que adotam é o aumento de impostos, mas não de forma homogênea, é claro. Os impostos que recaem sobre a propriedade de terras e dos meios de produção são menores, já que o objetivo é facilitar o processo de investimento para a geração de novas riquezas. Por outro lado, todos os demais impostos, como os de bens e serviços, que afetam a população, sofrem aumento significativo. O Brasil é um exemplo paradigmático desse processo. A carga tributária no governo Bolsonaro foi a maior dos últimos 12 anos. No Brasil, o imposto sobre terra é irrisório. Os impostos sobre a renda e o patrimônio estão entre os menores do mundo. Em compensação, são altíssimos os impostos que incidem sobre os bens e serviços, e esse aumento impacta negativamente a vida dos mais pobres. A maior arrecadação do país recobre o conjunto desses últimos impostos.

A segunda medida adotada pelos representantes políticos dos grupos mais economicamente poderosos é exigir que o Estado abra mão de suas propriedades e transfira-as aos donos de terras e dos meios de produção, para, assim, quitar suas dívidas, recuperando sua capacidade de investimento necessário para cumprir a sua função de promotor da distribuição de riquezas, através de impostos, em benefício de toda a comunidade. O Estado paga suas dívidas, transferindo aos mais ricos o estoque da riqueza que a sociedade possui: terras, empresas e imóveis. Vejam bem! A RIQUEZA GUARDADA EM NOME DA COMUNIDADE E GERADA COM A CONTRIBUIÇÃO DE TODOS é transferida para as mãos da iniciativa privada. Assim, os mais ricos continuam no controle majoritário do principal instrumento gerador de desigualdade social e econômica numa sociedade: as terras e os meios de produção (empresas e imóveis). Esse processo é conhecido pelo nome de “privatização dos ativos do Estado” ou simplesmente “privatização”. Significa simplesmente vender, em nome do poder público, as riquezas construídas com os recursos de todos, sob o pretexto de devolver ao Estado o poder de investimento necessário para gerar riquezas e atender as necessidades das camadas mais pobres da sociedade. Todo o processo desde o início faz ruir as riquezas da sociedade, as quais passam a ser propriedades dos grupos mais ricos e poderosos. Todo o processo de decisão política da comunidade fica submetido ao poder dos agentes que são donos dos meios de produção (JOVENS, não se iludam com a campanha eleitoral, que os convoca para mudar o futuro do Brasil no simples ato de votar!).

Finalmente, enquanto não se destruir essa estrutura político-econômica de poder dominante, nada mudará no Brasil. Continuaremos a ir coercitivamente à urnas para trocar, de tempo em tempo, as fraldas cagadas do bebê.

Sou pessimista quanto aos futuros do Brasil, sempre adiados. Admiro a resistência de quem acredita que, apostando simplesmente em novos políticos, conseguiremos melhorar a nossa vida individual e a de toda a nossa sociedade. Acho que o capitalismo neoliberal no Brasil será sempre uma opção desastrosa (na verdade, ele o é em grande parte do mundo). Em vez de ficar adorando líderes políticos populistas de espectro progressista ou conservador, deveríamos todos fazer a lição de casa: lutar por uma melhor educação, que emancipe as classes subalternas da opressão social, política e econômica que sofrem. Aos que pertencem à classe média, sugiro que reconheçam que seus interesses são comuns aos dos mais pobres, porque vocês também são trabalhadores assalariados e explorados pela máquina do capital.










O CINISMO DA POLÍTICA BRASILEIRA

 

O cinismo do líder do partido do deputado Daniel Silveira ao justificar a participação deste na CCJ escancara a naturalização da relação simbiótica entre política e corrupção no Brasil, relação esta garantida por um aparelho de regulamentos, normas, regras a cuja letra e poder simbólico os políticos recorrem sempre que lhes é conveniente fazê-lo, porque, afinal, esse aparelho jurídico-administrativo foi feito com uma única finalidade, na prática: proteger juridicamente e politicamente os atores políticos, garantindo a eles as benesses do exercício do poder.

Eis a fala do deputado, líder do partido de que faz parte Daniel Silveira:

“Honestamente, não vi o motivo de tanto alarde ou tanta balbúrdia acerca disso. Se formos analisar a vida de cada deputado e as comissões que cada um compõe, nós encontraríamos muita coisa que não deveria acontecer. Então, ele, repito, está no exercício de seu mandato, livre para exercer o seu mandato de forma plena”.

Deputado Paulo Bengston, líder do PTB - Partido Trabalhista Brasileiro, fundado por Getúlio Vargas com o fito de “servir de anteparo entre os sindicatos e os comunistas".

(Vejam bem! “anteparo entre os sindicatos e COMUNISTAS!”) Hoje, a julgar pela eleição de um Daniel Silveira, a última coisa que o PTB parece representar são os interesses da classe trabalhadora e dos sindicatos!

(Estou rindo 😅😅😅😅😅😅 de nervoso)

 

 

A paixão pela linguagem sussurra-me insistentemente para que eu me ocupe em analisar, servindo-me das ferramentas conceituais dos estudos textuais e do discurso, a fala do deputado. Uma análise que faça ver como o discurso de deputado produz sentido, que exponha os mecanismos sintático-semânticos e as estratégias discursivas, pelos quais um sentido é enunciável, é legível e se pretende seja legítimo, aceito, seria bem oportuna, para mostrar aos não especialistas como o discurso político funciona de modo a legitimar relações de poder, de modo a reproduzir estruturas de dominação social, de modo a servir aos interesses dos sujeitos políticos sempre ávidos de permanecer no poder. Reluto em fazer esta análise agora, pois falta-me o tempo necessário para tanto. Talvez, eu a exponha na forma de um texto mais teoricamente elaborado neste blog. Deixo aqui apenas um convite ao leitor: atente para o uso do adverbial modalizador “honestamente”, que se topa no início da fala do ministro.

Há algo muito interessante no uso de adverbiais moralizadores da classe de “honestamente”. A forma “honestamente” é um modalizador afetivo interpessoal, ou seja, através de seu uso o enunciador projeta um sentimento, no caso de “honestidade”, “sinceridade”, sobre o conteúdo comunicado, qualificado-o como um conteúdo que merece credibilidade por parte do interlocutor, porque quem o produz o faz com honestidade, com o compromisso de que, ao dizê-lo, não mente, está sendo sincero. Pelo uso de “honestamente” qualifica-se o modo como o que se diz é dito (digo x como alguém que está sendo honesto ao dizê-lo), mas também busca-se suscitar no interlocutor a confiança de que o que é dito corresponde exatamente àquilo em que o enunciador acredita. O locutor, ao usar “honestamente”, busca construir uma imagem de si positiva, a imagem de quem é digno de confiança, que emite opiniões transparentes, que diz o que pensa e não falta com a verdade.

Sim, há muita coisa envolvida só no uso de uma única palavra como “honestamente”. Os sentidos produzidos não são autoevidentes, não se encontram esgotados na superfície dos textos como boias flutuando no mar. As escolhas linguísticas que fazemos atendem a determinados propósitos comunicativos. São esses propósitos comunicativos que determinam a escolha entre um lexema e outro, entre um modo de estruturação sintática e outro... E o propósito comunicativo principal do deputado é defender a participação de Daniel Silveira na CCJ. Ao escolher o uso de “honestamente”, o deputado que apoia Daniel Silveira, diz o seguinte basicamente: “o que digo é exatamente o que penso, o que digo é digno de confiança, o que digo reflete o homem honesto que sou, o que digo corresponde ao meu dever de não faltar com a verdade, de não escamotear o que sinto, o que penso, pois falando honestamente sou uma pessoa confiável”.












10 Lições básicas de economia

 

 

1. É impossível falar em igualdade de condições num país como o nosso;

2. As empresas privadas têm um único interesse: o lucro;

3. O capitalismo é e sempre será um sistema econômico no qual pobres trabalham para melhorar a vida dos mais ricos;

4. O custo dos planos de saúde oferecidos pelas empresas a seus empregados é convertido no preço do produto final como se fosse um imposto. As empresas não assumem o custo dos planos de saúde; o que elas fazem é incorporá-lo aos demais custos de seus produtos. Consequentemente, o produto que chega ao consumidor é mais caro.

5. São os pobres que financiam os planos de saúde dos ricos;

6. Os bancos e a elite capitalista são capitalistas no sucesso e na prosperidade; mas socialistas no insucesso e na escassez. Quando quebram, os bancos se socorrem do Estado;

7. A maioria dos países capitalistas do mundo não têm interesse em sobretaxar os mais ricos;

8. O Brasil é o país com a maior desigualdade social do mundo. O 1% mais rico concentra a maior parte da renda total gerada no país. Quando tomamos o patrimônio, constatamos o aumento desse percentual já indecente. 1% dos donos das terras concentra mais de 50% das terras cultiváveis do país. Quando consideramos o volume de dinheiro, o 1% mais rico possui mais reservas acumuladas do que os 90% mais pobres;

9. Os bancos brasileiros cobram mais de seus clientes em taxas bancárias do que tudo o que o país investe em educação e saúde;

10. Os pobres geram riqueza, e os ricos a concentram. Os mais pobres precisam trabalhar para sobreviver. Uma grande parte do que os pobres geram como riqueza para a comunidade, através do seu trabalho, é retida como um acréscimo nas mãos dos mais afortunados. Marx é quem nos ensinou que a relação de trabalho no capitalismo está baseada na extração da mais-valia, ou seja, no sobrevalor produzido pelo qual o trabalhador não é pago. Sim, a quantidade de horas trabalhadas é superior ao valor do salário que é pago ao trabalhador!

 

 

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

“A ignorância é nosso orgulho epocal”. (Casanova)

 




Sobre ser erudito

“A ignorância é nosso orgulho epocal”.

Casanova

 

 

Entre os meus pares, sou conhecido por ser demasiado analítico, até mesmo prolixo. Meus colegas e professores da PUC-Rio o sabiam e até me permitiam tal exuberância de estilo. Depois que terminei minha longa temporada de estudos na PUC para ingressar no curso de filosofia na UERJ, era chegada a vez de os colegas e professores de lá conhecerem minha obsessão com o estilo de linguagem e, sobretudo, o meu cuidado com o cultivo do pensamento reflexivo. Depois de mais de 20 anos de estudos aturados, desde que ingressei em minha primeira graduação em 2001, ao longo dos quais cumulei conhecimentos, fiz amizades enriquecedoras e construí relações acadêmicas sem as quais minhas produções intelectuais não seriam possíveis, tenho hoje uma única grande ambição - a erudição. Não ouso saber tudo sobre tudo (o que é impossível, seja porque nem tudo me interessa, nem tudo sou capaz de conhecer, seja porque, como disse Foucault, noutro contexto, em que lembrava a inconveniência do ardor apaixonado da militância, “a finitude é devastadora”). A erudição não é mensurável, nem é um estágio estacionário. A erudição está sempre em devir. Nunca se perfaz. Ela é um horizonte. Do grego “horidzo”, que significa ‘limite’, o horizonte é um limite nunca alcançável. Nisto reside seu enigma: quanto mais caminhamos na direção do horizonte, mais ele se afasta, abrindo-nos mais terreno, novas possibilidades. Nossa existência é, portanto, sempre uma caminhada, que nunca se completa. A morte não é a realização da completude da existência, mas a interrupção definitiva da caminhada. É também por isso que a morte é trágica, é um “corte profundo”, uma violação da tendência natural da vida a viver; é um estupro predestinado.

A erudição não é signo de nobreza. Ela não deve ser título de distinção social. A erudição não deve oprimir, nem intimidar ninguém. Penso que o conhecimento e o pensamento devem ser caminhos para a liberdade, devem tornar possível a realização de novos modos de viver e de ser. Só a burrice julga ofensivos o pensamento e o conhecimento. Só a burrice os odeia, vocifera contra eles. Só ela quer amordaçá-los. O conhecimento não deve destinar-se à intimidação; não deve humilhar. Quem muito sabe deve disseminar o encanto e o desejo do saber, deve saber encantar aqueles que têm sede e fome de saber. Na aurora do século XVII , em plena Revolução Científica, o cientista e ex-Lorde-Chanceler Francis Bacon, ao declarar “Knowledge is power”, ou seja, “saber é poder”, dava testemunho da virada utilitarista que marcaria a grande transformação do saber no ocidente, desde então visto como um meio para a resolução de problemas. O saber passava a ser concebido como um estoque, um capital acumulado cujo fim era aumentar a capacidade do homem de dominar a natureza, tornando-a um produto a serviço de seu bem-estar e da melhoria de seu destino. Essa é a maneira como o homem moderno se relaciona com o saber ainda hoje. Desde o século XVI, a concepção utilitarista da Educação tem dominado a organização dos sistemas escolares. Se hoje o senso comum de nossa civilização capitalista toma como valioso o saber tecnológico-científico, o saber “prático” ou aplicável na prática da vida, é porque o capitalismo engendrou duas formas de poder intimamente ligados na sociedade: o poder da riqueza econômica e o poder do saber tecnológico, ou seja, o poder de aplicar os conhecimentos científicos para a obtenção de resultados práticos. Nas sociedades pré-capitalistas, a riqueza não era signo de poder. Foi só na civilização capitalista que a técnica pôde operar transformações sociais, porque ela passou a depender de investimento econômico. O sistema capitalista passou a ditar normas éticas e influenciar mentalidades e costumes, trabalho antes pelo qual eram responsáveis as organizações religiosas. Mas o capitalismo de hoje não é exatamente o mesmo que vigorava no tempo de Bacon. A fase neoliberal do capitalismo, com sua nova razão econômica (iniciada nos anos de 1980), tornou o saber um produto perecível e submeteu as competências, antes valorizadas no período fordista, a uma “destruição criativa”.

Erudição é uma palavra fora de moda, ou melhor, trilhar o caminho da erudição é uma escolha aparentemente fadada ao “fracasso” segundo os valores vigentes de nossas sociedades de mercado. O neoliberalismo ou a nova racionalidade econômica desinstitucionalizou a relação entre diploma, qualificação e profissão. (Parem , portanto, de culpar os estudantes e os estudiosos por seu suposto “fracasso”, parem de julgá-los acomodados ou “vagabundos”! ) Eu disse certa vez: “Estude, em vez de reproduzir os preconceitos correntes no senso comum”. E não pretendia ofender! E também não me arrependo de tê-lo dito! Eu sou um educador, sou professor! O saber deve ser partilhado e deve ser o valor maior a ser cultivado! Não obstante, o neoliberalismo tornou frouxo o vínculo entre o diploma e o valor pessoal reconhecido socialmente. Isso se deve, em parte, ao enfraquecimento das posições dos assalariados, que encontram cada vez menos segurança nas instituições e carecem cada vez mais das referências estáveis que, outrora, davam a eles valor profissional, pessoal e identidade. O título escolar e o diploma universitário perderam sua força simbólica, no atual estágio do capitalismo financeiro, também porque o saber, amplamente propagando-se, deixou de corresponder aos novos imperativos de adaptabilidade permanente e de reatividade imediata fixados pela empresa (o neoliberalismo exige trabalhadores flexíveis, adaptáveis, capazes de se reinventar, de inovar para atender às necessidades econômicas da empresa). O assalariado hoje experimenta uma profunda e persistente insegurança, que afeta não apenas o emprego, mas também o conteúdo da sua profissão. Essa insegurança dos assalariados é consequência do enfraquecimento do valor simbólico dos diplomas, da implementação de práticas destinadas a avaliar as competências que melhor se ajustam aos encargos profissionais e a influência cada vez maior das empresas na determinação dos conteúdos da formação dos futuros assalariados. A escola passa a ser vista como um simples meio para a formação de trabalhadores flexíveis. A tudo isso se soma a precarização do trabalho nas sociedades capitalistas neoliberais. O trabalho passa a ser cada vez mais uma mercadoria como outra qualquer, perdendo suas formas jurídicas e sua dimensão coletiva. (E a galerinha que, em uníssono, grita “mais trabalho e menos direitos trabalhistas!” dá testemunho de que aprendeu bem a lição de casa neoliberal! Está aprovada! Mas saibam que vocês ficarão entregues à vulnerabilidade das condições do mercado de trabalho!) Mas que importa se gritam pelo direito de continuar a serem mais explorados, e ainda em condições precárias ?

Mas, se me foi possível escrever aqui sobre tudo isso, é porque convivo assiduamente com os livros, que, se não me permitem ganhos econômicos, dão-me as possibilidades de compreender o mundo, a realidade histórica em que vivo, libertando-me da tirania do impessoal, do falatório das multidões que são burras, irracionais, que não cessam de reproduzir as opiniões estabelecidas, que se contentam em assumir como verdades inabaláveis as crenças comuns e falsas, que se acostumaram a viver na redoma do senso comum, abocanhando do mundo apenas os pedaços, os fragmentos que nela são processados para o consumo de seu modo de vida que, bem ajustado a uma ordem socioeconômica e mantido num estado de contínua alienação, a reproduz nas práticas comuns do dia a dia. O ideal de todo educador é estender o direito à participação na cultura letrada a todos; é cativar o interesse pela leitura como o único caminho para a formação da liberdade de autonomia  - em crianças, jovens e adultos.






O Mito brasileiro

 

 

O bolsonarismo é a expressão de mudanças profundas na política e na configuração de poder na sociedade brasileira. Um dos aspectos dessa profunda e nefasta mudança é o desenvolvimento e fortalecimento da antipolítica no Brasil como modo de governança. A antipolítica bolsonarista recusa a ideia de que o Estado e as políticas públicas devem ter um papel de destaque no cenário político, que então passou a ser dominado por discussões sobre corrupção e privilégios corporativos. No terreno da campanha anticorrupção, carro-chefe do movimento bolsonarista, o Brasil seguiu a trilha das experiências totalitárias. Tanto o nazismo quanto o stalinismo transformaram ideias como pureza racial ou pureza de classe em utopias que legitimavam a distorção do debate público e a repressão aos seus opositores. Nesse tocante, é preciso dizer que 1) a campanha anticorrupção que alavancou a eleição de Bolsonaro preencheu os requisitos de todo sistema totalitário: a separação entre os “puros” e os “impuros”; 2) essa separação foi associada à figura de um combatente da degradação moral e social (que até bem pouco tempo era o Juiz da 13ª vara da Justiça Federal Sérgio Moro).

O que vemos operar, nesse contexto de luta anticorrupção, é uma característica muito comum em nossa história política: a personalização da política pela crença generalizada de que todos os nossos maiores problemas podem ser resolvidos se soubermos escolher bem a pessoa do governante. Ainda persiste a crença, entre nós, de que só conseguiremos mudar o sistema político pela eleição de um Messias, de um Salvador da Pátria. Este ser imaculado deve se apresentar como um adversário declarado e vigoroso do sistema vigente. Animado por esse imaginário coletivo brasileiro centrado na figura mítica de um Líder que nos conduziria à terra prometida, o bolsonarismo acostumou seus apoiadores (acríticos) a julgar o sistema político apenas por sua dimensão moral, sem qualquer consideração pelos resultados que ele produziu politicamente. A opinião pública, muitos intelectuais e a grande mídia incorreram nesse mesmo erro. E fazendo-o, ignoraram (e ainda ignoram) que aceitam os elementos da antipolítica bolsonarista que, bem entendida, quer dizer, reação à ideia de que instituições e representantes políticos devem negociar e dar respostas a problemas concretos postos em debate no país. Essa antipolítica é também negação de atributos como negociação ou coalizão como partes do processo de governança. Pela via autoritária de um Messias que recusa o presidencialismo de coalizão, o próprio projeto anticorrupção se demonstrou não só inviável, mas uma mentira oportuna para se obter o poder. Uma sociedade sem corrupção continua sendo parte de um horizonte desejável e utópico no Brasil. E os escândalos envolvendo a família Bolsonaro provam isso.






“A LEITURA NOS TIRA DO SEDENTARISMO INTELECTUAL” (Moacyr Scliar)

                            

Ler não é simplesmente decodificar sinais. A leitura como decodificação de sinais escritos é a etapa de que se encarregam os professores da alfabetização. Esta é a primeira e fundamental etapa do desenvolvimento da competência da leitura; mas a competência de leitura fica amputada se não se desenvolver para além dessa etapa. A leitura como letramento, como prática de produção de sentidos para o texto e para o mundo é a atividade que, socialmente, se considera ser a mais importante ao longo da educação escolar. Saber ler, nesse sentido, envolve a mobilização de um vasto conjunto de conhecimentos e estratégias cognitivas, metacognitivas e interacionais (pragmáticas, discursivas) indispensáveis ao desenvolvimento de formas mais profundas de compreensão do texto e do mundo. Ler supõe a capacidade de estabelecer relações intertextuais, de imergir cognitivamente nos níveis implícitos de sentido, de atingir as camadas subjacentes de sentidos previstos para um texto. Ler mais, nesse sentido, amplia e aprofunda nossa compreensão, porque nos dota da capacidade de perceber os sentidos que se produzem nos silenciamentos que atravessam as palavras. A leitura é um processo complexo de ordem linguístico-sóciocognitivo-interacional, emocional, fisiológica que envolve aprendizagem e maturação. Então, quem lê muito e compreende pouco o que leu, na verdade, não chegou a ler, não atingiu ainda uma competência mais ampla e elaborada de leitura. O ponto importante é que não há receitas para aprender a ler, no sentido que dou ao processo de leitura. Mas é possível ensinar a ler, é possível desenvolver no indivíduo as habilidades necessárias para que ele venha a se tornar um leitor competente, um leitor capaz de ler para além do dito, para além do explícito e codificado na superfície textual. É possível educar a sensibilidade do leitor para que compreenda que a linguagem não é transparente, mas opaca, que os sentidos possíveis são muitos e não estão alocados nas palavras ou nas frases, ou no texto, mas os atravessam, tomam direções diversas, nem sempre previstas pelo produtor do texto, direções que levam a outros textos, a outras falas, a outros discursos... Ler é compreender como um objeto simbólico produz sentido, como esse objeto nos permite fazer a experiência do sentido, como esse objeto significa na interação com o sujeito interpretante, levando em conta os contextos sócio-históricos, ideológicos em que eles se encontram. Sim, a leitura estimula a criatividade e a imaginação, desenvolve a sensibilidade, complexifica o pensamento, mantém a saúde do cérebro, protegendo-nos contra doenças neurológicas. A leitura favorece melhor o desenvolvimento da inteligência. A leitura é experiência de formação de sujeitos autônomos, capazes de construir por si mesmos conhecimentos sem a mediação do professor . A leitura promove, enfim, a experiência de vida. Complexificando o pensamento, apurando nosso olhar sobre o mundo, a leitura nos dota da capacidade de reconhecer a complexidade do real e de lidar com essa complexidade. O mundo que se nos descerra na prática da leitura é um mundo muito mais complexo, multidimensional, plurívoco, significativamente mais profundo, do que o mundo que se nos dá a conhecer nas esferas restritas e limitadas da vida ordinária, onde se realizam as conversações face a face ou mediadas pelos aparelhos tecnológicos hoje à disposição de certo número de usuários socialmente privilegiados. Viver sem ler é tocar de leve a superfície das coisas, é acostumar-se a viver uma vida chapada à superfície do mundo, onde se instalam as vivências ordinárias sobre as quais se projetam as sombras do senso comum, que impedem que o mundo seja iluminado em toda a sua complexidade, em todos os seus níveis possíveis de significação. A leitura ilumina o mundo, retira-o da caverna do viver comum , para torná-lo morada do pensamento complexo, em suma.

 






O Brasil de uma nota só

 

Não me parece demandar tanta controvérsia dizer que o Brasil com Bolsonaro e sua trupe emburreceu mais. O Brasil ficou mais burro (e mais perverso) com Bolsonaro na Presidência, tanto na esfera do Estado quanto na esfera da sociedade civil. E aqueles que se cuidam mais “politizados” por incriminar o PT e seu fantasioso comunismo por todos os males seculares do país não fazem mais do que confirmar essa tese. Para os bolsonaristas, a política se resume a uma nota só: a corrupção, ou melhor, o combate à corrupção. Parece que, se conseguirmos resolver este mal que nos assola desde o período colonial, o Brasil se tornará o melhor lugar no mundo para viver. Desnecessário dizer que os bolsonaristas não fazem a mínima ideia de como pôr fim definitivo a este mal hábito dos políticos aqui e em outras partes do mundo. Eles não sabem porque, seguindo o hábito do seu Messias presidente (que confessou não ler um livro sequer há três anos), são inimigos dos livros, são refratários à cultura letrada. Se estivessem habituados a conviver com os livros, se, ao menos, se interessassem em compreender a realidade sociopolítica do país que dizem tanto amar, saberiam que a corrupção entre nós deita raízes num solo cultural que desde muito cedo foi assentado pela prevalência do favoritismo sobre a justiça, pela simbiose entre os grandes proprietários da riqueza privada e os agentes administrativos ou de governo, pela perpetuação de uma oligarquia que une entre si os agentes do Estado (e sua burocracia estatal), os potentados econômicos, as Forças Armadas e um serviço judiciário que, desde muito cedo, existiu para extorquir dinheiro. Mas os bolsonaristas, tão desabituados aos livros, necessários a uma participação política consciente, a tudo tratam de modo simplificado e superficial. A tendência à simplificação do pensamento é, aliás, uma de suas características mais flagrantes. Não por acaso são equiparados a bovinos (embora essa espécie de animais seja inteligente). Quem ousar levantar uma questão política num sofrível diálogo (quando é possível) com um bolsonarista, ouvirá dele duas coisas: PT e corrupção do PT (e de Lula, é claro). A política para Bolsonaro e seus apoiadores é uma forma de guerra e ódio, de combate incessante contra esses três grandes males de nosso país, a saber, PT, Lula e corrupção. Toda política bolsonarista se resume a esta “missão” militante-militar: destruir o PT - e com ele, é claro, o comunismo que nos ronda- , e pôr fim à corrupção. E ponto final. A política econômica do Governo, o capitalismo financeiro a que o Brasil é subserviente, as desigualdades socioeconômicas profundas de nosso país, o investimento em Educação e em Pesquisa, em Ciências e Tecnologia, as políticas públicas, a superação da “velha política” ( o que Bolsonaro não fez senão perpetuar) e tudo o mais que se queira levar em consideração como problemas para uma agenda política não têm qualquer relevância ou importância. Falta aos bolsonaristas o letramento político adequado e amplo para se ocuparem dessas questões mais complexas e importantes. A burrice é sempre simplificadora e cega para a complexidade do real. A burrice do Brasil de hoje é o reflexo de um passado longo e perverso que ainda não superamos e com o qual nada aprendemos.


 


quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

“A miséria de grande parte da população não encontra explicação que a resistência das classes dominantes a toda mudança capaz de pôr em risco seus privilégios”. (Celso Furtado)

 

          



     Política não se discute?

 

A política é uma atividade humana em cujo cerne está o diálogo, a deliberação; portanto, a discussão, no sentido de exposição conflitante, polêmica de pontos de vista, de julgamentos, interpretações, avaliações sobre a melhor forma de organizar uma sociedade em consonância com valores como igualdade e justiça. A política, ensina Hanna Arendt, diz respeito à coexistência e à associação de seres humanos diferentes. Como objeto de reflexão filosófica, a política descerra-se como um campo de questões que norteiam a convivência dos homens e dos grupos humanos entre si, e também as relações deles com o mundo. No entanto, o ditame que sentencia “política não se discute” quer dizer uma coisa que, sendo estranha ao fenômeno político, pretende levar à desmobilização dos atores sociais da participação política: não se deve tomar a política como assunto do falatório do senso comum, porque, nas esferas interacionais mediadas pelo senso comum, os interlocutores mobilizam, na conversação, uma série de crenças simplistas ou falsas, preconceitos, ideologias, lugares-comuns, representações coletivas de mundo que se vão acumulando na intercalação animados com as paixões tristes e ressentidas que levam a maus encontros e perturbam o contrato comunicativo tacitamente estabelecido. A política não é objeto de exame crítico, de reflexão sistemática, articulada e cuidadosa na definição e articulação dos conceitos largamente usados no debate calcado sobre o senso comum. O senso comum não consegue trabalhar os conceitos teóricos , não consegue pensá-los nem articulá-los para compor um discurso coerente e teoricamente bem fundamentado. O senso comum não se ocupa da problematicidade das questões que emergem de cada turno de fala dos interactantes. A conversação do senso comum leva os interlocutores a desconsiderarem os pressupostos de seus enunciados. Portanto, a discussão sobre política, no âmbito do senso comum , se converte, com muita facilidade, em bate-bocas que levam, quase sempre, a arrelias, a mútuas incompreensões, reforçando nos participantes o sentimento de que toda aquela disputa verbal foi em vão, porque nenhum deles modificou sua percepção da realidade construída e reconstruída no discurso de cuja produção eles se encarregavam. No senso comum, os interlocutores são muito mal instrumentalizados teoricamente para pretender refletir sobre “a questão política”, sobre os problemas complexos da realidade sócio-histórica em que vivem. Conceitos como “neoliberalismo”, “capitalismo de mercado”, “mercado”, “ideologia”, “Estado de direito”, “democracia”, “classe social” e outros tantos que definem o domínio discursivo da política como problema científico e filosófico a ser pensado com seriedade teórica são regularmente ignorados pelos interactantes que se movem nas esferas do senso comum. Na insistência no velho preconceito segundo o qual “o Brasil quebrou por causa da roubalheira do PT”, o senso comum assume como verdade incontestável uma visão simplista e equivocada acerca da realidade sociopolítica e econômica do Brasil, ao mesmo tempo que não vê que a realidade é muito mais complexa do que sugerem suas opiniões grosseiras. O senso comum ignora, por exemplo, que o governo Lula jamais rompeu com o sistema de acumulação neoliberal, com que os antipetistas, mesmo sem o saber, parecem simpatizar. O senso comum ignora a incompatibilidade entre o neoliberalismo, cujo significado também desconhece, e a democracia, cujo significado não compreende bem ou, o que dá no mesmo, compreende confusamente. O senso comum também faz vistas grossas ao conservadorismo do Estado brasileiro, que busca sempre assegurar os privilégios das elites econômicas, as relações de dominação, bem como busca reproduzir o modo de exploração que perpetua os padrões existentes de desigualdade de renda, riqueza e privilégio, independentemente do desempenho econômico do país. O senso comum não consegue levar em consideração as mudanças macroeconômicas na economia brasileira que, realizando a transição do Brasil de uma economia de Industrialização por separação de Importações para o neoliberalismo, tornaram a economia brasileira uma economia de baixo crescimento desde que, no fim dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, o Brasil ingressou de vez no neoliberalismo, com uma democracia frágil que convive com profundas desigualdades socioeconômicas. Por fim, a discussão política, no senso comum, não leva em conta as mudanças estruturais da economia brasileira, ocorridas na década de 1990. Com o novo Sistema de Acumulação então vigente, o setor secundário da economia brasileira, ou seja, o setor manufatureiro (industrial) declinou, e a capacidade produtiva caiu significativamente, sobretudo nos ramos tecnologicamente mais sofisticados da indústria. Se, por um lado, a economia perdeu a capacidade de gerar “bons empregos”, o Estado foi-se demonstrando cada vez menos eficiente no enfrentamento dos problemas do crescimento, na reestruturação produtiva e na busca por coordenar políticas econômicas. As reformas neoliberais feitas no Brasil foram incorporadas à Constituição por meio de regras fiscais que se justificavam pela necessidade de estabilização da inflação e da “boa governança”. Consequentemente, entre nós, o neoliberalismo ganhou legitimidade e reforçou sua influência sobre o tecido institucional do país, minando as aspirações democráticas previstas pela Constituição. Mas tudo isso é ignorado pelo senso comum, que limita toda a discussão política ao comportamento ético dos atores políticos, à polarização partidária, ao mesmo tempo que faz desfilar toda sorte de preconceitos como o de classe (o senso comum da classe média prefere culpabilizar os mais pobres pelo desastre econômico do país, já que estes, como os índios aos olhos dos colonizadores , não apreciam a labuta diária, preferindo mamar nas tetas do governo, que por sua vez pouco faz para realizar o suposto desmame). Assim, o senso comum da classe média reflete o modo de ser e de pensar das elites socioeconômicas brasileiras edificadas numa tradição escravocrata e autoritária ainda persistente no modo de ser brasileiro. É que o senso comum compreende o conjunto de esquemas interpretativos úteis para orientar e dar significado e ordem à vida cotidiana. Ele se forma em cada ser humano de modo inconsciente e natural no curso de sua socialização primária e secundária, formando o pressuposto básico das ações individuais. Por isso, a experiência pessoal circunscrita ao âmbito do senso comum é um referencial muito limitado e empobrecido para nos assegurar um profundo e elaborado conhecimento do mundo. Nossas experiências pessoais, formadas pelos encontros com o mundo das coisas, nas diversas situações de interação social, lidam com parcelas muito circunscritas da realidade humanamente experienciável; nossas experiências pessoais, se permanentemente divorciadas da experiência da leitura, não nos permitem uma compreensão sistemática do todo, da totalidade dos problemas com que a existência humana lida; nossa experiência pessoal ordinária parcializa o real, pois só podemos conhecer aquilo que é imediatamente acessível em seu campo, aquilo que se torna para nós familiar. Alargar nossas experiências pessoais com o mundo é o que nos possibilita a leitura, o convívio com os livros. A leitura é também uma experiência pessoal, que se vai enriquecendo, no entanto, à medida que o sujeito leitor participa da construção e reconstrução sociointerativa de um modelo de mundo, de uma versão da realidade que é produto de atividades sociocognitivo-interacionais e dialógicas do produtor do texto. Assim compreendida, a leitura é também uma atividade sociointeracional, na medida em que o leitor é um sujeito social que, no ato de ler, dialoga com um interlocutor-autor (ele mesmo também um sujeito social), mediante um texto que oferece (que propõe) uma imagem do mundo que é social, cognitiva, interacional e linguisticamente construída. A leitura nos patenteia que o real é muito mais complexo do que o conhecimento que podemos ter dele. Há muitos níveis de realidade que nos são inacessíveis em nossa experiência pessoal e imediata com o mundo na cotidianidade. Por isso, a experiência pessoal cotidiana de mundo não é um critério seguro para validar a consistência, a razoabilidade, a veracidade do que pensamos, julgamos ou acreditamos saber acerca das coisas. Nossos encontros imediatos com o mundo da vida são “enxertados” e mediados pelas representações coletivas, as crenças, as ideias, os preconceitos do senso comum.

O senso comum abriga juízos morais e afetivos sobre as causas, as condições dos eventos humanos, naturais e sobrenaturais. O senso comum compreende um conjunto de proposições cognitivas e valorativas, fortemente restritivo e seletivo, porquanto seleciona e articula um dado número de “fatos” dentre a massa ilimitada de eventos, de ocorrências que constituem o mundo da vida. Assim, tudo no senso comum tem caráter de obviedade, de objetividade, de irrevogabilidade e coercitividade irrecusável. Para o senso comum, o mundo é um mar tranquilo de fatos autoevidentes. Nesse sentido, discutir política, no âmbito do senso comum, que ousa entender mais do que entende, é arriscar-se a envolver-se numa disputa na qual ninguém se entende, todos arengam e da qual todos saem como entraram: munidos com o mesmo background de crenças, suposições equivocadas, juízos afetivos e morais cristalizados, preconceitos, valores inquestionáveis e pretensas verdades não devidamente examinadas.



                                              A FARSA DA MERITOCRACIA

 

O projeto político do capitalismo financeiro neoliberal, há mais de 30 anos, é condenar ao silêncio o sofrimento da maioria, ao mesmo tempo que dá visibilidade ao 1% dos negros e mulheres mais talentosos e aptos na esfera pública como se representassem todo o sofrimento social existente.

A mentira da meritocracia consiste em afirmar que, embora o mundo seja um lugar inóspito e cruel, aquele que se esforça e trabalha duro conseguirá ganhar 500 vezes mais que outros. Os que ganham 500 vezes menos é porque são burros ou preguiçosos. Mas a meritocracia mascara o fato de que são as classes sociais os principais meios que permitem reproduzir os privilégios visíveis e invisíveis. A reprodução desses privilégios ocorre, em primeiro lugar e fundamentalmente, pela SOCIALIZAÇÃO FAMILIAR. Como só existe a família de classe, cada qual tem uma história e uma forma de reprodução dos privilégios visíveis e invisíveis. O privilégio mais visível é o econômico. Este é notável na classe da elite de proprietários, os quais detêm todas as riquezas. Entre estes estão os donos de grandes fazendas, dos meios de comunicação, das cadeias de comércio, os grandes especuladores e rentistas. Abaixo desse 0,1% da população, situam-se as classes que lutam pelo capital cultural, que não é visível como o dinheiro e a propriedade. O capital cultural é formado pela incorporação do conhecimento útil e legítimo socialmente. Será a classe média - que se define pela reprodução do privilégio da educação - que criará e disseminará, de modo invisível e eficiente, a farsa da meritocracia mediante a incorporação privilegiada do capital cultural. Numa sociedade como a brasileira, disposições como disciplina, autocontrole, visão de futuro, capacidade de concentração e de elaboração do pensamento abstrato não são dons naturais, mas competências que são verdadeiros privilégios de classe. O hábito da leitura, por exemplo, é criado pelos pais. A criança passa a exercer a prática de leitura seguindo o exemplo dos pais. A disciplina do equilíbrio entre brincar e aprender, que acostumará a criança a renunciar, quando crescer, ao presente em benefício de um futuro, é aprendida na socialização familiar. Tudo isso é, portanto, privilégio de classe, nomeadamente da classe média brasileira, que produz a base social invisível que todo mérito pessoal oculta. Nas classes dos oprimidos e socialmente excluídos no Brasil, os valores reproduzidos são quase todos “negativos”. Toda a socialização familiar se realiza por meio de exemplos práticos (e não por discursos). São estes exemplos práticos que os filhos vão imitar e, mais tarde, reproduzir como um legado de sua classe social. Uma mãe que diz a um filho que ele deve ir à escola precária dos negros e pobres porque só assim ele terá chances de sair da pobreza, dificilmente o convencerá porque, afinal, a própria mãe frequentou uma escola semelhante que não a tornou mais do que uma analfabeta funcional, como sucede com tantos outros membros dessa classe social a que ela e seu filho pertencem. Enquanto os humilhados e desprivilegiados, quase todos negros, se colocam como “fracassados” já no ponto de partida, os membros da classe média entram na escola como bem-sucedidos já desde tenra idade, porque foram nutridos, desde o berço, com os pré-requisitos emocionais, morais e cognitivos para tanto. Essas condições de que se beneficiam desde muito cedo na vida os farão indivíduos predispostos ao sucesso escolar e ao acesso a postos de trabalho com remuneração muito maior anos mais tarde.



Lição básica de história econômica do Brasil

 

O desenvolvimento econômico brasileiro foi historicamente perverso, visto que aumentou as desigualdades econômicas e sociais





Um recorte do Brasil


Nestes pouco mais de 500 anos de história, persistem no Brasil alguns traços que o definiram como sociedade histórica desde o período colonial. Um desses traços é justamente a difícil e tortuosa construção da cidadania. Último país, no Ocidente, a abolir a escravidão, o Brasil convive ainda hoje com inúmeros processos de exclusão social. Somos campeões em desigualdade social. Nosso bovarismo, isto é, nosso inextirpável desencanto com nossas condições sócio-históricas reais, é tão característico do nosso modo de ser brasileiro quanto o familismo, ou o costume arraigado em nossa cultura de transformar questões públicas em questões privadas. A lógica e a linguagem da violência tanto quanto a corrupção estão encravadas profundamente na mais remota história da formação de nossa sociedade. No Brasil, os pobres e os negros ainda são culpabilizados pela Justiça. São os que mais morrem cedo, os que têm menos acesso à educação superior pública ou a cargos mais qualificados no mercado de trabalho. E estas circunstâncias que nos ajudam a nos compreender como nação, como sociedade histórica, são mantidas e reproduzidas por uma estrutura de poder oligárquico caracterizada pela aliança entre os agentes estatais (funcionários administrativos e do governo) e os potentados privados (os detentores da riqueza privada). Estes dois grupos de poder buscam, antes de tudo, realizar seus interesses próprios em detrimento do bem comum do povo.




ALIANÇAS POLÍTICAS

 

Não deveríamos nos surpreender com essa aproximação de Lula à agenda neoliberal, representada na figura de Alckmin. Quando estava na presidência, a despeito de seus 80% de aprovação, Lula foi um neopopulista de mercado. Em 1 de dezembro de 2010, Lula declarou, na Carta Capital, “ foi preciso um torneiro mecânico, metido a socialista, para fazer o país virar capitalista”. O governo lulopetista caracterizou-se pelo desenvolvimento e expansão do mercado de consumo interno e pelo pacto desenvolvimentista com o grande Capital nacional. Só mesmo na narrativa fantástica da extrema direita e dos apoiadores de Bolsonaro, seria possível associar Lula e o PT a algum projeto de revolução comunista no Brasil. O governo petista historicamente foi pró-mercado. Assim, vivenciamos três movimentos psicopolíticos no Brasil de hoje, que configuram juntos uma única produção de força delirante: 1) recusa dos elementos históricos complexos; 2) regressão imaginária radical a um modo antigo de organizar a história; 3) ódio e pressão urgente por ação de violência, sacrifício e restauração da civilização. Esses três movimentos formam o sistema delirante da extrema direita. Esse sistema delirante, paranoico e fetichista alimenta o nosso arraigado e antigo desprezo antipopular e ódio pelos pobres. Esse sistema delirante, alimentando nossa tradição anticrítica e anti-intelectual, enraizado em nossa formação moderna como sociedade escravocrata, explica por que é possível que pessoas comuns insistam em ignorar o fato de que o PT e o governo Lula ousaram dirigir o processo histórico brasileiro para uma expansão de mercado e riqueza COM UM GRAU MÍNIMO DE PARTILHA COM OS MUITOS POBRES.