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segunda-feira, 3 de junho de 2013

"A fé torna-se ainda mais frágil quando conhecemos sua História" (BAR)



Como tudo começou
A História dos antigos hebreus


Atualmente, a palavra História apresenta duas acepções, com que a maioria de nós está suficientemente familiarizada: a) disciplina que se constitui de relatos, análises, pesquisas sobre documentos, desenvolvidas pelos historiadores; b) a matéria dessa disciplina, ou seja, os acontecimentos, as relações, as práticas em que os seres humanos estão envolvidos como agentes e pacientes (guerras, sucessão de reis, alianças, assassinatos, miséria, escravidão, etc.). É preciso dizer, no entanto, que os historiadores não lidam diretamente com “fatos históricos”; na verdade, os fatos históricos são produtos de seu trabalho de pesquisa, seleção e interpretação. A história não nos dá o passado; mas o passado é que é reconstruído pelo trabalho investigativo e interpretativo dos historiadores. A reconstrução do passado se dá com base nas evidências disponíveis; no entanto, elas, por si mesmas, não lhes fornecem um “retrato” do que aconteceu. Embora todo fato histórico seja um acontecimento do passado, o inverso não é sempre verdadeiro (Schaff, 1983, p. 209). Para que um acontecimento seja considerado um fato histórico, ou seja, um fato social, necessário se faz que ele produza efeitos em certa conjuntura social e em certo sistema de referência. Todo fato, para ser considerado um “fato histórico”, tem de ser dotado de significado num dado sistema de referência. É no interior desse sistema que o historiador valoriza e seleciona acontecimentos segundo os objetivos de sua pesquisa. Tendo em conta o trabalho do historiador na definição de um fato histórico, observa Schaff,

“O historiador que procura, por exemplo, fontes sobre a história política de um país, ficará indiferente aos testemunhos da cultura e da arte se estes não estiverem diretamente ligados à vida política; estes testemunhos não terão para ele nenhuma significação história, enquanto que se tornarão fatos históricos significantes (podem pelo menos vir a sê-lo em certas condições) para aquele que os situar no contexto da história cultural do país ou de uma determinada época, para aquele que os ligar a um dado sistema de referência.”

(pp. 210-11)


Tendo em vista o exposto, serão dois os objetivos que perseguirei neste texto: o primeiro dos quais será tornar patentes os acontecimentos da saga dos antigos hebreus que influenciaram o aparecimento dos primeiros manuscritos que, após reeditados muitas vezes e muito tempo depois, por escribas, viriam a constituir a Torá (Bíblia hebraica); o segundo será mostrar a importância da fé israelita na Escrita da História da Antiga Israel.


Escrituras Sagradas


De início, a despeito da crença em contrário, os documentos que se iam forjando na época em que viveram os antigos hebreus (aproximadamente 1.200 a.C), no Antigo Oriente Próximo, se tornaram “Escrituras” não porque fossem divinamente inspirados, mas porque as pessoas os tratavam de modo diferente. Sucedeu assim com os textos que viriam a compor o que hoje conhecemos como Bíblia. Os textos só se tornaram sagrados pelo uso especial que deles faziam os homens, ou seja, quando eram lidos em contextos ritualizados e, portanto, quando eram desvinculados da vida comum e dos modos de pensamento secular (Armstrong, 2007, p. 10).
O sagrado, portanto, não está nas coisas em si, mas é um significado que os seres humanos atribuem a certos objetos, lugares ou pessoas, segundo a forma como eles entram em relação com esses objetos, lugares e pessoas. É a linguagem humana que cria o sagrado. Em outras palavras, as coisas se tornam sagradas quando os homens a nomeiam como tais (Alves, 2008). Seres, objetos e coisas se tornam sagradas quando entram a fazer parte de teias invisíveis de significação. O que é o sagrado, senão o imaculável, o não profanável, o inviolável, com que os homens têm de se relacionar com profunda deferência e decoro? O sagrado é o sinal, para os homens, da presença do divino entre eles no mundo. Por isso, o sagrado deve ser adorado, reverenciado e transformado em objeto de culto. Ao atribuir o valor de sagrado a um objeto ou experiência, esse objeto ou experiência é desvinculado do viver cotidiano. O sagrado transcende o significado de que são dotadas as coisas em nossa vida cotidiana. Uma rodela de pão ázimo, entre os católicos, deixa de ser uma rodela de pão para tornar-se o próprio corpo de Cristo. Justamente porque é o corpo daquele de quem os cristãos dizem ter sido o próprio Deus, aquela rodela de pão ázimo torna-se sinal do sagrado.
Na experiência do sagrado, os humanos se submetem aos próprios significados que forjam, à própria linguagem religiosa que produz significados extraordinários, que lhes evocam a presença do divino no mundo.
Em suma, os manuscritos se tornaram sagrados porque passaram a fazer parte de estruturas ritualísticas, o que lhes permitiu separar-se das experiências da vida comum.


A Bíblia Judaica

A Bíblia judaica é mais antiga e serviu de base para o aparecimento da Bíblia cristã. A Bíblia dos cristãos depende da Bíblia judaica. Pode ser surpreendente para muitas pessoas, mas a Bíblia judaica não existia como tal antes do aparecimento dos primeiros cristãos. É verdade, por outro lado, que grande parte dos manuscritos que viriam a constituir essa Bíblia já se prestava a uso, havia muito tempo, como escritura autorizada pelas comunidades judaicas. Em Desvendando a Bíblia (2010), Kristin Swenson, nos ensina o seguinte:

“As Escrituras pré-Bíblia – que tanto os judeus tradicionais quanto os judeus seguidores de Jesus usavam naquela época – eram traduções de antigos manuscritos em hebraico para uma língua comum, o grego. Essa versão grega é uma espécie de Bíblia oculta, pois sua existência, pressupostos, linguagens e estrutura estão por trás de muitas diferenças nas Bíblias de hoje”.
(p. 30)


Essas traduções dos manuscritos em hebraico para o grego ficaram conhecidas pelo nome de Septuaginta, em referência aos setenta estudiosos e aos setenta dias necessários à tradução dos manuscritos para o grego. Não havendo ainda uma Bíblia, a Septuaginta acabou por incorporar mais do que escrituras hebraicas traduzidas; incluiu variantes de livros já existentes e novos livros inteiros. Foi somente no século I d.C que os judeus excluíram os novos livros que, por serem novos, não mereciam credibilidade, e definiram seu cânone, ou seja, a sua Bíblia.
A Bíblia hebraica ou judaica, também, às vezes, chamada de Torá, encerra, além da Torá (Pentateuco), os livros dos Profetas e dos Escritos (Salmos, Provérbios, Jô e Eclesiastes). Por vezes, a Bíblia hebraica é chamada pela sigla Tanakh, em que ‘T’ refere-se a Torá; ‘N’, à palavra hebraica Nevi´im, que significa Profetas; e ‘Kh’, à palavra hebraica Kethuvim, que significa “Escritos”. O Pentateuco, que se identifica com a Torá, encerra os livros do Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
Bíblia judaica, Tanakh e Bíblia hebraica são designações para a mesma Bíblia dos judeus. Muita vez, o Antigo Testamento cristão corresponde a todo o conteúdo da Bíblia hebraica, muito embora seja organizado de modo diferente. Como os cristãos acreditavam que a vinda do Messias, que foi identificado com Jesus, havia sido profetizada nos manuscritos judaicos, o Antigo Testamento foi organizado de tal modo que o último texto anunciasse  a chegada do Salvador. A identificação do Messias aguardado pelos antigos hebreus com Jesus de Nazaré, por isso chamado o Cristo, se deveu à interpretação dos primeiros cristãos, já que os antigos judeus não acreditavam que esse Messias apareceria na forma humana. O Messias dos antigos judeus deveria ser muito mais grandioso do que sugeria ser um simples carpinteiro de Nazaré.
Embora se costume chamar de Antigo Testamento a toda a Bíblia hebraica, esta não se reduz àquele. Os Antigos Testamentos da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa encerram livros e seções da Septuaginta que não figuram na Bíblia judaica.
A Bíblia compreende textos provenientes de várias épocas e lugares. Estimava-se que a Bíblia hebraica inclua textos que remontam a um período que se estende por mais de mil anos (o mais antigo data de 1.200 a.C; o mais recente, de aproximadamente 165 a. C). Os textos são provenientes da Mesopotâmia, de Canaã, do Egito e de todo Crescente Fértil (um extenso território que inclui os atuais Israel, Jordânia, Líbano, partes da Síria, Iraque, o sudoeste da Turquia e do Irã). A região tem esse nome em virtude de ser banhada pelos rios Jordão, Eufrates, Tigre e Nilo. Não só a origem dos textos é bastante variada, mas a literatura bíblica também o é. A Bíblia inclui poesia devocional, textos jurídicos, biografias, aforismos, tratados filosóficos, cartas a indivíduos e grupos, cânticos e narrativas de instrução, anedotas e sermões (Swenson, p. 64).
Como, no período em que a Bíblia ia tomando forma, a grande maioria das pessoas era analfabeta, a produção e uso dos manuscritos eram circunscritos a uma pequena elite letrada. No tangente à autoria da Bíblia, Swenson dá-nos a saber o seguinte passo:

“Autoria, durante o período do desenvolvimento bíblico, raramente significava a empreitada criativa de um indivíduo, cujas palavras, uma vez escritas, permaneciam imutáveis. Quase toda a literatura da Bíblia é atribuída a uma pessoa ou outra que não chegou a escrevê-la. A maior parte da Bíblia (especialmente da Bíblia hebraica) é produto das poucas pessoas, geralmente anônimas, que podiam aprender a ler e escrever – escribas, ensinados no templo (...)”

(pp. 64-5)


Importante notar que os escribas lançavam mão, ainda que parcialmente, de tradições preexistentes e de textos na modalidade oral (narrativas, poesias, anais, oráculos preservados e veiculados por discípulos de um profeta) (Swenson, p. 65). Eles copiavam e editavam tais textos de acordo com seus interesses e teologia. A literatura que hoje chamamos de Bíblia não circulava em códices encadernados, mas na forma de rolos de pergaminho. Os textos circulavam de modo independente, do que resultou uma organização não muito fixa.
Desde já, convém ter em conta a influência decisiva do exílio dos antigos hebreus na Babilônia, por ocasião da invasão a Jerusalém por Nabucodonosor, então rei da Babilônia, na fabricação da Bíblia. Não menos importante foi o papel desempenhado pelo imperador persa que, após libertar os exilados, recomendou que eles codificassem em forma escrita suas leis e tradições. Há um consenso forte entre os especialistas de que os cinco primeiros livros da Bíblia judaica se constituíram durante o exílio, se tornando oficiais na comunidade judaica durante a ocupação dos persas.


Os primeiros hebreus: a saga da antiga Israel

A palavra “hebreu” significa “viajante” ou “aquele que atravessa para o outro lado” (Blainey, 2010, p. 94). De fato, os hebreus eram povos nômades. Embora tenham vivido períodos de prosperidade, conheceram a miséria, a humilhação, o cativeiro e o exílio. Foram escravizados no Egito, mas alcançaram sua liberdade por meio dos esforços de seu líder Moisés. Entretanto, o que ficou conhecido como Êxodo não constitui um fato histórico.
O aparecimento dos antigos hebreus remonta a, aproximadamente, 1.200 a.C. Os israelitas eram, segundo pensam alguns estudiosos, refugiados provenientes das cidades-estado em crise situadas nas planícies costeiras. Eles, provavelmente, surgiram nas cabeceiras dos rios do Golfo Pérsico ou nos desertos próximos. Os países banhados pelo Golfo Pérsico são Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Quatar, Bahrein, Kuwait, Iraque e Irã.
É possível que aos refugiados tenham-se unidos outras tribos provenientes do sul, que professavam fé em Jeová, deus que se originou das regiões próximas ao Sinai, ao sul. Os israelitas transmitiam suas tradições oralmente. Em 1.200 a.C, eles se organizavam em doze tribos situadas na região montanhosa cananeia, ainda que acreditassem possuir uma origem e história em comum. Ao contrário dos demais povos, que desenvolveram uma mitologia e liturgia baseadas no mundo dos deuses no tempo primordial, os israelitas professam sua fé em Jeová, que acreditam intervir na história de seu povo. Jeová os conduziu à Terra Prometida, por intermédio de Moisés. Eles viveram, durante muito tempo, sob o domínio egípcio e ansiavam retornar à terra natal.
Em aproximadamente 1000 a.C, o sistema de tribos entrou em declínio, e os israelitas fundaram duas monarquias em Canaã: o reino de Judá, no sul; e o reino de Israel, no norte. Eles já não mais celebravam, em festas, a aliança que, outrora, lembrava-lhes a linhagem comum. Ainda que não haja, atualmente, muitas informações sobre o reino de Israel, sabe-se que muitos salmos, que posteriormente viriam a ser incluídos na Bíblia, eram usados na liturgia em Jerusalém e revelam que os judeus foram influenciados pelo culto de Baal, deus da vizinha Síria. Também, àquela época, o povo do norte acalentava a crença de que Jeová havia feito uma aliança com o rei Davi, fundador da dinastia judaica, e prometido que seus descendentes reinariam para sempre em Jerusalém.
Um importante acontecimento na longa história da produção dos manuscritos que viriam a compor o que hoje chamamos de Bíblia foi interpretado como uma revolução literária. Sucedeu, no século VIII a.C, em todo o Oriente Médio e no Mediterrâneo Oriental, que os reis recomendassem documentos que conferissem glória ao seu regime. Os textos foram guardados em bibliotecas. Em Israel e em Judá, historiadores trabalharam para articular as primeiras narrativas, de modo a criar sagas nacionais. Elas foram preservadas nas versões mais antigas do Pentateuco. Com base em variadas tradições de Israel e de Judá, os historiadores do século VIII a.C puderam construir uma narrativa coerente. Chamaram de “J” ao épico sulista de Judá; e de “E” à saga do norte (Israel). O “J” faz referência a Jeová, nome com que os habitantes de Judá chamavam Deus; e “E” faz referência a Eloim, forma com que Deus era designado pelos habitantes do reino do norte. Tempos depois, essas duas narrativas foram combinadas por um editor para constituir a história única que é, hoje, o cerne da Bíblia hebraica.
É importante frisar que “J” e “E” não escreveram relatos históricos. Nesse tocante, devemos lembrar, com Mckenzein (2005), que, na Escrita da História na Antiga Israel, não havia uma preocupação em relatar o que realmente aconteceu. O objetivo básico era “prestar contas com o passado” (Mckenzein, 2005, p. 36). Isso significa que os autores bíblicos buscavam imputar responsabilidades pelas ações e julgá-las, de tal sorte que pudessem explicar seus efeitos no tempo presente. A Escrita da História na Israel Antiga era, portanto: a) uma forma de tradição específica; b) um meio de rememorar o passado e determinar seu significado; c) um meio de determinar as causas, basicamente morais, das condições do presente; d) nacional e coletiva; e) de natureza literária e um importante componente da identidade de grupo. Portanto, ela não consistia num relato histórico, no sentido em que, modernamente, entendemos a palavra História.
Desde as origens, não houve uma mensagem única para o que se tornaria a Bíblia. Os autores J e E desenvolviam diferentes interpretações sobre a saga de Israel, e os editores futuros não se esforçaram por suprimir as incoerências e as contradições.  Historiadores subsequentes fizeram acréscimos aos textos de J e E e os alteraram radicalmente.
Particularmente interessante é ver que J e E tinham concepções diferentes sobre Deus. O Deus de J era antropomórfico, imagem que desagradaria exegetas posteriores. O Deus de E (Eloim), no entanto, possuía uma natureza transcendente: se Jeová falava e caminhava no Jardim do Éden; Eloim raramente falava e preferia enviar um anjo como mensageiro. Embora a religião de Israel fosse se tornar, posteriormente, uma religião monoteísta, centrada, portanto, na fé na existência de um único Deus verdadeiro, nem J nem E eram monoteístas. A Jeová faziam companhia outros santos. Jeová pertencia a uma Assembleia Divina de “santos”. Até a destruição do Templo por Nabucodonosor, em 586 a.C, a Bíblia nos dá testemunho de que os israelitas adoravam muitas outras divindades.
Em 597 a.C., sucedeu que o Estado de Judá, situado na região montanhosa de Canaã, não mais aceitou o acordo que o mantinha sob o domínio do soberano Nabucodonosor, então imperador da Babilônia. A ruptura do acordo foi catastrófica para o povo judaico. Nabucodonosor invadiu a região de Jerusalém, então capital de Judá, com seu exército, forçando o rei a se render. Ele foi deportado para a Babilônio com cerca de dez mil cidadãos que constituíam o Estado (sacerdotes, militares, líderes, artífices e trabalhadores em metal).  Em 586 a.C., uma rebelião em Judá provocou a destruição do Templo por Nabucodonosor. O Templo ficava no monte Sião e fora construído pelo rei Salomão (970-930 a.C.) e era o centro da vida nacional e espiritual do povo israelense. Acreditava-se que Deus residia lá.
No século VIII a.C., surgiram alguns profetas dispostos a fazer com que o povo de Israel adorasse apenas Jeová. Jeová era um guerreiro invencível, mas não era dotado de conhecimento sobre agricultura. Quando as pessoas desejavam uma boa colheita, não hesitavam em recorrer ao deus da fertilidade Baal. O profeta Oséias injuriou-se com seus conterrâneos.  Para Oséias, o povo de Israel deveria retornar à adoração a Jeová, suficientemente capaz de prover as necessidades dos fiéis. Ele também cuidava inapropriado sacrificar um animal a Jeová. O que este queria era lealdade de culto. Segundo Oseias, se as pessoas não se voltassem exclusivamente para Jeová, Israel seria destruída pelo Império da Assíria. Àquela altura, a Assíria dominava a região do Oriente Médio. Outro profeta, chamado Amós, que pregava em Israel naquele tempo, viria a transformar definitivamente o culto a Jeová. Para esse profeta, Jeová não mais se agradava das cantorias e rituais do Templo.
Outro profeta, chamado Isaías, também desempenhou um papel importante na interpretação da história de Israel. Por volta de 740 a.C, Isaías recebeu uma mensagem terrível de Jeová: o império assírio devastaria a zona rural de Judá.  No entanto, Isaías não temeu a Assíria, porque “vira que a glória de Jeová enchia a terra” (Armstrong, 2008, p. 24). Mas o reino do norte não gozava de tal proteção. Em 722, os exércitos assírios destruíram Samaria, então capital de Israel.
Decerto, a saga dos israelitas não termina por aqui. Outros profetas e um grupo de reformadores, os deuteronomistas desempenhariam um papel extremamente importante nessa longa história de construção, reconstrução e preservação de uma identidade nacional, tão profundamente marcada por guerras, lutas, exílio e sofrimento, que culminaria com a produção das Escrituras hebraicas. Em seu muito instrutivo livro A Bíblia (2007), Karen Armstrong nota acerca dos deuteronomistas:

“É instrutivo que os deuteronomistas, os precursores da ideia de ortodoxia escriturística, tenham introduzido uma legislação surpreendentemente nova que – caso implementada – teria transformado a antiga fé de Israel. Para assegurar a pureza do culto, eles tentaram centralizá-lo, criar um judiciário secular independente do templo e despojar o rei de seus poderes sacros, tornando-o submetido à Torá como qualquer pessoa. Os deuteronomistas na verdade mudaram a redação dos códigos legais, das sagas e dos textos litúrgicos mais antigos, de modo que passassem a endossar sua proposta”.

(pp. 27-28)


Com o Deuteronômio, passou-se a exigir uma mudança radical na ordem social. O Deuteronômio tinha outra explicação para o fato de os israelitas serem privados da posse de sua terra: isso não se devia à suposição de que Jeová residisse em Sião, mas ao fato de os israelitas não observarem seus mandamentos.