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quinta-feira, 16 de julho de 2015

Quando meus olhos fitaram os seus...

                      



                                              Um olhar
           Texto escrito num dia qualquer do ano de 2011

Um olhar, apenas. Mas um olhar cobiçoso, sedutor. Um olhar demorado, se bem que desviado para uma folha de papel. Logo, ele tornava. E era eu o alvo desse olhar. Esse olhar mirava-me, admirava-me. E eu me sentia irresistivelmente atraído por esse olhar, e eu retribuía o olhar. Um momento trivial da vida. Mas raramente com lirismo percebido...
Hoje em dia, dispensam-se os olhares; parte-se logo para beijos e colisões de corpos. Flertar é comportamento antiquado. O pessoal hoje fica. Não é que esse olhar me revelasse as regiões abissais e inebriantes da paixão ou os jardins floridos do amor. Não. Foi apenas um olhar.
Claro que não me basta o manter-se no nível do invólucro, da superfície corpórea; é preciso atingir as profundezas da alma. Mas foi apenas um olhar. De qualquer modo, o caminho para a alma passa pelo corpo, pelos gestos, pela voz, pelo olhar, pelo comportamento.
Então, fiquemos apenas com o olhar. Nada mais. Ainda que um olhar instantâneo, se bem que eu tenha sido alvo dele em outra ocasião. Nada muito significativo. Mas ontem, não. Ontem, esse olhar ficou, por algum momento, estacionado no meu. Senti-me inundado dele. Minha reação? A típica: olhei timidamente entusiasmado. Minha timidez impedia-me de dar um passo adiante. Ousar. Eu sei... não sei como agir nessas circunstâncias. Só sei agir depois, quando converso. Até dizer a primeira palavra, fico como eu estava: parado, apenas retribuindo o olhar. E ela me olhava e eu a olhava, e desviava o olhar e eu fazia o mesmo; em certo momento, ela desviou o seu e o meu ficou à deriva, sem terra firme onde se ancorar. E eu ainda a olhava e pensava: “e se...
Por que escrever sobre esse olhar? É que alguns olhares passaram por mim ao longo dos anos e eu não os notei (não os desnudei). E quem poderia garantir que em um deles não estivesse a satisfação de prazeres delicados? E quem poderia negar que um deles pudesse reservar-me a inspiração para compor novas páginas?
 Colher o dia, colher um olhar. Inspirar-se, animar-se, viver o instante, mesmo que ele não revele mais do que ele mesmo: uma presença que vivemos. Aquele olhar só me revelava o instante, apenas o instante irreproduzível; nele, não havia o futuro, nem ideais, nem projeções de um amor venturoso, nem projetos. Não havia promessas de eternidade, de longevidade, de felicidade abundante. Nele a brevidade bastava e ela encerrava uma única palavra: reciprocidade. Nossos olhares eram recíprocos, mas descompromissados. Aquele olhar trazia inteiro o presente e deixava o futuro suspenso. Nele não havia o futuro, a não-consciência, o não-existente. Nele só havia a vida inteira, só havia a consciência cheia de si. Nele, apenas a existência e toda a sua força libidinal. Mas notem: não era o olhar libidinoso, era a existência (a minha; talvez, a dela) mesma que se manifestava libidinal, ou seja, com toda sua energia para abranger o ser.
Era chegado o tempo de eu fazer minha palestra. Tive de ir... E ela ficou ali... E também ficaram os olhares com as suas hipóteses, com as suas promessas virtuais, com as suas possibilidades... com eles ficaram as dúvidas, os possíveis e os prováveis... A gratuidade do encontro de nossos olhares não resistiu à urgência da rotina e se perdeu no Tempo...
Mas foi apenas um olhar.

(BAR)