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terça-feira, 11 de junho de 2013

"O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há.Mas o demônio não precisa de existir para haver." (Guimarães Rosa)



Satã: o renegado da História
Breves considerações sobre esta personagem bíblica


 

Em Ímpio – o evangelho de um ateu (2011), de Fábio Marton, o narrador nos conta sobre o que costuma acontecer ao final de um culto evangélico. Após o pastor anunciar “aceitem Jesus em seu coração”,

“Era nessa hora que podia acontecer o exorcismo de um dos crentes com problemas ou caso algum dos recém-convertidos trouxesse da rua um demônio avulso que precisasse ser removido antes de começar sua nova vida. Neste dia, e em todos, meu pai e minha mãe não foram à frente. Quanto aos demônios, como falei, meu avô não era muito dado a exorcismos, e parece que os demônios respeitavam sua inclinação”.
(p. 24)


Mais adiante, o narrador nos relata que o mundo dos crentes é repleto de emoções. Eles vivem num mundo em que Deus atua constantemente, mas ele não está sozinho; também o Diabo, seu adversário, costuma dar o ar de sua graça. Segundo o narrador, os crentes vivem num mundo “em que Deus e o Diabo nos falam por nossos próprios pensamentos, que, assim, nunca são nossos” (p. 26). Não é novidade que, no mundo dos neopentecostais, Deus e o Diabo estão numa batalha cósmica eterna. Nesse universo, as forças do mal exercem influência direta na vida dos crentes e as sessões de exorcismos, bastante teatralizadas, são frequentes.
Neste texto, eu me ocuparei com as formas como a personagem satã foi representada no Antigo e no Novo Testamento. A questão básica sobre a qual assentam minhas reflexões é: O que a Bíblia tem a nos dizer sobre anjos, demônios e satã? No imaginário popular, ainda hoje, demônios e satã (ou Satanás) são seres malignos capazes de possuir pessoas e prejudicá-las. Muitos, ainda hoje, evitam pronunciar essas palavras. Essa crença encontra abrigo na Bíblia ou foi construída pelo pensamento cristão no período pós-Bíblico? Este texto é destinado a contar um pouco sobre a história que está na origem da crença em satã como um opositor de Deus.
A crença na existência de forças ou espíritos malignos é comum a muitas tradições religiosas. Embora este texto não seja destinado ao tratamento das representações de forças malignas nas mais diversas tradições religiosas, vale referir aqui alguns exemplos dessas representações em algumas tradições religiosas.
Comecemos pelo Zoroatrismo, uma religião monoteísta muito antiga da Pérsia (atual Irã). Em meados do século VII d.C., ela deixou de ser predominante nesse território, devido à chegada do Islã. Atualmente, é praticada por uma pequena parcela da população iraniana e por minorias na Índia e em outros países.
Seu profeta chamava-se Zoroastro, conquanto seus seguidores costumassem se referir a ele como Zaratustra. Ele pregou uma religião em que o deus criador, chamado Aúra-Masda, estava envolvido numa luta eterna com o espírito maligno Angra Mainyu. Estudiosos do passado acreditaram que o Zoroatrismo exercera influência na representação da personagem Satã no Antigo (por ocasião do Exílio babilônico) e no Novo Testamentos. Atualmente, parece haver consenso em que este não era o caso, visto que a personagem Satã estava sempre subordinada a Deus nas representações judaicas e cristãs, ao passo que Angra Mainyu nunca assume o papel de acusador. Consoante veremos, na Bíblia Hebraica, um dos papeis assumidos por satã é o de acusador ou querelante.
Os adeptos do zoroatrismo ajudam o deus Aúra-Masda na luta contra Angra Mainyu, por meio da prática do bem e do culto. Há uma forte ênfase à liberdade de escolha moral e os crentes são estimulados a agir de modo moralmente bom.
As religiões primais também constituem exemplos de religiões em que forças do bem concorrem com forças do mal. Consistem elas em sistemas de crenças e rituais típicos de povos com um modo tradicional de vida tribal. Esses sistemas precederam às grandes religiões organizadas. Como não havia escrita, quando do desenvolvimento dessas religiões, suas crenças e tradições eram transmitidas oralmente.
Nelas, há milhares de espíritos ou divindades pelas quais os adeptos explicam as poderosas forças naturais do cosmo. Suas práticas religiosas se destinam, sobretudo, a cultuar ou a agradar esses espíritos, para prevenir desastres ou para obter ajuda ou misericórdia quando sucedem problemas. Os espíritos influenciam diretamente a vida e o destino dos indivíduos.
O panteão dessas religiões é repleto de espíritos ou divindades que cumprem muitas funções e se relacionam com os homens de modo bastante variado. Algumas divindades se parecem com os deuses de outras religiões, controlando um ou mais aspectos do cosmo. Por exemplo, Ogum, entre os iorubas na Nigéria, é a divindade do trabalho em metal; Kukailimoku é o deus havaiano da guerra. Existem espíritos benévolos e maus ou travessos; estes últimos devem ser aplacados pelos devotos com preces e oferendas. Em algumas culturas, há um deus superior ou espírito criador. No universo dessas religiões, os espíritos estão em toda parte. Eles estão ligados à natureza, e essa ligação assinala o estreito vínculo entre os povos tribais e a terra que habitam.
Há praticantes dessas religiões, ainda hoje, entre os povos indígenas de partes das Américas do Norte e do Sul (norte do Canadá e a baía amazônica), na África subsaariana, na Austrália e em partes do norte e do leste da Ásia.
Não poderia deixar de notar a importância do maniqueísmo como um exemplo representativo de doutrina em que o mal está em conflito com o bem. O maniqueísmo foi uma doutrina fundada por certo Corbicius (séc. III d.C), chamado Mani. Na língua arameu-babilônica, Mani significa “Espírito do Mundo Luminoso”. O pensamento maniqueísta assemelha-se muito ao cristianismo, e a semelhança é tal, que seu fundador teria recebido um chamado do próprio Jesus, para que se tornasse seu apóstolo e anunciasse a verdade. Conta-se que Mani também fora crucificado. O maniqueísmo era uma religião do mistério ou uma espécie de religião-ciência. Ela se difundiu pelo Império Romano e o Ocidente cristão, combinando elementos do zoroatrismo, de outras religiões orientais e do próprio cristianismo. Basicamente, a doutrina maniqueísta assenta numa visão dualista radical, segundo a qual o mundo é habitado por forças do bem e do mal, que são princípios absolutos em luta eterna. O maniqueísmo influenciou o desenvolvimento do cristianismo em seus primórdios, atraindo inclusive o interesse de Santo Agostinho; mas este, posteriormente, daquele se afastaria, tornando-se um tenaz opositor.

 Anjos e demônios na Bíblia

As representações de anjos e demônios figuram em várias partes da Bíblia e estão ligadas a ideias que se desenvolveram ao longo do tempo. Em primeiro lugar, é preciso fazer ver que a palavra “anjo” tem origem no grego angelos, que significa ‘mensageiro’. É a forma que figura na tradução da Septuaginta da Bíblia hebraica para o grego e corresponde ao hebraico malak. O nome do profeta Malaquias significa “meu mensageiro” (Swenson, 2010). Em segundo lugar, também importa saber que angelos e malak são usados para se referir a mensageiros humanos ou a mensageiros sobrenaturais de Deus. Por vezes, esses mensageiros são maus.
No Antigo Testamento, é a forma malak que é usada, mais comumente, para se referir aos mensageiros sobrenaturais de Deus. Os malaks, quer sejam divinos, quer sejam quase divinos, não só entregam mensagens, mas também comandam as ações humanas, protegem ou impingem castigos. Ainda no Antigo Testamento, é possível se topar com a forma bene elohim que significa, numa tradução livre, “filhos de Deus”. Trata-se de seres divinos, também entendidos como “seres celestiais”. Eles integram a assembleia de Deus, e uma representação desta assembleia se pode ver em 1 Reis 22:19-22.
A palavra “anjo” também pode designar, no Antigo Testamento, seres humanos dotados de características e habilidades não-humanas. Em Zacarias 1:7-17, se encontra uma alusão tanto a um homem quanto a um malak que instrui o profeta a realizar sua profecia. Em meados do século II a.C, época em que o livro de Daniel já estava concluído, as representações de anjos estavam bem assentadas e detalhadas. Anjos como Gabriel, que ajudou Daniel a interpretar os sinais, e Miguel, que, em hebraico, era designado como “príncipe” ou “funcionário” são exemplos de anjos com nomes de pessoa.
No tangente aos seres sobrenaturais chamados serafins e querubins, Swenson (2010) nota que, na Bíblia hebraica, “não são tanto “anjos” na forma como os concebemos, mas, digamos, a fauna da esfera sobrenatural” (p. 230). A autora acrescenta:

“Eles não são intermediários entre o céu e a terra; tampouco lidam com os seres humanos de muitas outras maneiras. Pelo contrário, eles agem como guardiões protetores do divino (...) e podem servir para proclamar a santidade de Deus (...); os serafins aparecem também como agentes da ira de Deus contra os israelitas e como cobras ferozes cuja picada pode ser letal (...)”.

(pp. 230-31)


No Novo Testamento, os angelos não só continuam a cumprir as funções dos malaks da Bíblia hebraica, como também assumem outros papeis. Eles continuam sendo mensageiros ou guias (como no Antigo Testamento), mas passam a ser guardiões de seres humanos ou de toda uma comunidade. Particularmente importante é notar que os anjos participam da vida de Jesus, ajudando-o do início ao fim de sua vida. Os anjos ainda auxiliam nos julgamentos (ver Atos).
Tendo em conta, agora, os demônios, interessa saber que, na Bíblia hebraica (o Antigo Testamento cristão), Deus não só podia enviar mensageiros para realizar boas obras na Terra; ele também era responsável por enviar ruach há’a, que se pode traduzir como ‘espírito malévolo’ (Swenson, p. 231). Foi um desses espíritos que atormentou o rei Saul. Esses espíritos, embora não fossem demônios, tais como os entendemos hoje, provinham de Deus.
O Antigo Testamento não dispõe de apenas um termo específico que equivalha à palavra “demônio”. Na Septuaginta, ocorre o termo shedim, traduzido como daimonion (que, em grego, era espírito ou alma), que se refere a deuses que não eram como Deus e que os israelitas cultuavam.
Em suma, segundo Swenson, “há simplesmente muito pouco na Bíblia hebraica sobre demônios, como nós os imaginamos” (p. 232). Na verdade, o que figura no imaginário popular hoje a respeito do que sejam demônios tem sua origem nos textos intertestamentais e no Novo Testamento. A palavra daimon, ou sua forma diminutiva daimonion, que, em grego, não significa necessariamente um ser sobrenatural e malévolo, é empregada aí para se referir ao que entendemos hoje como “demônio”. Os judeus-cristãos daquele tempo acreditavam que doenças e deficiências físicas ou mentais eram obra de demônios que podiam possuir pessoas.


Com a palavra, Satã ou Satanás

Desde já, é importante frisar que a Bíblia não endossa a interpretação segundo a qual a serpente do Éden era Satanás. Na verdade, coube a Orígenes, teólogo cristão do século III d.C, identificar a serpente com Satanás. De acordo com Swenson, na maioria das vezes, na Bíblia, as serpentes são representadas como ameaças naturais às pessoas, “mas elas não são retratadas como más em si mesmas” (p. 215).
Em seu livro Satã – uma biografia (2008), Henry Ansgar Kelly, ao se dedicar a analisar a história biográfica da personagem Satã na Bíblia, declara, na forma de tese, estar na mídia a origem da deturpação, através dos tempos, da imagem desse ser mitológico:

“Minha tese é que a deterioração do personagem Satã apresentado na Bíblia é simplesmente o resultado natural da “atenção desfavorável da mídia”, o tipo de situação que acontece com qualquer personagem impopular. A deterioração que acontece na época pós-bíblica, quando Satã foi finalmente interpretado desde o início como um rebelde e um desterrado e no final como praticamente um anti-Deus, nada mais do que uma extensão desse desenvolvimento interno”.
(p. 13)


Antes de prosseguir, preciso fazer algumas observações de ordem linguística, no que diz respeito ao emprego das palavras satã e diabo na Bíblia hebraica. No Antigo Testamento, a palavra hebraica para “satã” é um substantivo comum, cujo significado é “adversário” (Kelly, p. 11). Quando traduzida para o grego, assumiu a forma diabolos (diabo). Ocorre, contudo, que, em hebraico, quando usado com artigo definido, “satã” designa o substantivo comum “o adversário”. Quando usado sem acompanhar-se do artigo, pode significar “um adversário” ou o nome próprio Satã. Em grego, todo nome próprio se acompanha de artigo definido. Portanto, “o diabolos” significa “o diabo” ou “Diabo”. Diz-se o mesmo da palavra Deus, que, em grego, se escreve ho theos, significando “o deus” ou “Deus”.
Compreendamos, pois, como esse personagem impopular e execrável fora representado na Bíblia. Em hebraico, satan não se referia originalmente a um indivíduo. Na Bíblia hebraica, satan é um nome ou um verbo que significa “acusação”, “traição” ou “adversidade”. Segundo Swenson, apenas em 1 Coríntios 21:1, a palavra satã designa um adversário de Deus. Nesse caso, a palavra se acompanha de artigo definido, sugerindo que se trata de um nome próprio, qual seja, Satanás. Deve-se notar, no entanto, que, nesse caso, estamos falando do Novo Testamento. Foi no Novo Testamento que Satã, então entendido como Satanás, acaba por personificar o mal.
No Antigo Testamento, de modo geral, satã não é representado como um antagonista de Deus. Em Jó, por exemplo, ele é uma espécie de acusador. Na Bíblia hebraica, satanás é empregado para designar seres humanos ou adversários sobrenaturais. Satanás, por exemplo, foi associado ao papel desempenhado por Davi no exército filisteu; os filisteus estavam preocupados com que Davi pudesse se tornar um satanás para eles. Em Números, Zacarias, 1 Crônicas e Jô, satanás designa seres sobrenaturais; mas ele não era uma adversário de Deus. Na verdade, assumia o papel de acusador ou promotor. Segundo Swenson, apenas em 1 Crônicas, Satanás fora representado como um adversário personificado de Deus. Aprendemos bastante sobre como a imagem de Satã se foi modificando neste trecho de Swenson:

“Dado o aumento na variedade de nomes pessoais aplicados depois aos demônios na literatura intertestamental, parece que mudanças nas visões de mundo (provavelmente influenciadas, em primeiro lugar, pelo dualismo do zoroatrismo da Pérsia) permitiram o desenvolvimento de um demônio tal como o reconhecemos. Comentários judaicos posteriores sobre as escrituras hebraicas durante o período rabínico intertestamental atribuem muito mais maldade a Satanás (...)”.

(p. 235)


Com a conclusão do Novo Testamento, Satanás já se achava plenamente identificado com a figura do mal e, portanto, com um adversário de Deus. Se, no Antigo Testamento, Satanás operava sob a orientação de Deus, em geral, apenas contra seres humanos, no Novo Testamento, Satanás passa a gozar de maior autonomia de ação e a assumir uma forma totalmente diversa. Por volta do século I d.C, satanás passou a ser um adversário de Deus. No Novo Testamento, satanás tem vários nomes, um dos quais é “diabo”.
Interessante é que a ideia de Satanás como um anjo decaído, chamado Lúcifer, não se encontra na Bíblia. Essa ideia chegou até nós muito devido a contribuição dos teólogos cristãos Orígenes e Tertuliano, no início do século II d.C. Com base na passagem de Isaías 14:12 – “Como caíste, estrela da manhã! Tu, que uma vez derrubaste nações, estás caída à terra” -, eles associaram a profecia de Isaías a Satanás. Com vistas a esclarecer este ponto, convém notar que a profecia de Isaías trata de uma estrela específica que aspirou a subir tão alto, que excedesse em altura as estrelas de Deus. Ela, assim, se tornaria o Deus supremo; no entanto, segundo Isaías, ela seria relegada a uma posição mais baixa que a terra. O nome Lúcifer com que se designa Satanás é uma versão latina do hebraico helel, que, originalmente, significava “estrela da manhã”, mas que assumiu o significado “portador de luz”, quando traduzido para o latim.
Belzebu, do hebraico Baal zebub, também é outro nome para Satanás. Essa forma se acha no livro dos Reis do Antigo Testamento. Baal zebu era um deus filisteu a quem o rei israelita recorreu, após sofrer uma queda que lhe causou danos. No período do Novo Testamento, Belzebu já tinha se tornado uma outra forma para se referir a Satanás.


Conclusão

Não tive a intenção de me alongar sobre o tema, de modo que muito ainda haveria de ser dito. Não obstante a concisão com que o tema foi abordado, se levamos em conta as formas como Satã é representado na vasta e diversa literatura bíblica, devemos reconhecer o seguinte: para os antigos judeus, a incompatibilidade entre a existência de um Deus bom e de um Satã não constituía um problema que se deveria enfrentar. Na verdade, Satã, a considerar uma grande parte dos registros do Antigo Testamento, estava subordinado a Deus e agia sob a tutela deste. Satã não era, pelo menos na grande maioria dos escritos da Bíblia hebraica, um adversário de Deus. A situação é diversa no Novo Testamento, e o problema que surge quando se admite a existência de um ser maligno, em que pese a existência de um ser bom, Criador e Todo-poderoso, se impõe. No Antigo Testamento, Deus podia enviar seres malévolos para cumprir algum propósito; no Novo Testamento, Satã passa a ter autonomia em relação a Deus e torna-se seu opositor. Até onde eu sei, o cristianismo não oferece uma resposta, ao menos satisfatória, para a questão: como conciliar a existência de Deus com a existência do Diabo? Tampouco, parece ser uma preocupação da teologia cristã a questão que se impõe quando se afirma que Deus criou tudo que há: Donde então provém Satanás? Se de Deus, como, então, sustentar a benevolência de Deus?

Este texto ilustra o que chamo de ateísmo esclarecido. Um ateísmo esclarecido deve consistir numa reflexão séria sobre a História cristã e deve se respaldar nas contribuições de estudos crítico-históricos da Bíblia. Um ateísmo esclarecido é um ateísmo que não se limita a declarar simplesmente absurdas as crenças religiosas, mas que busca compreender a origem dessas crenças, a história que as tornou possíveis. Este texto procurou mostrar que a personagem Satã fora construída em parte pela literatura bíblica e em parte por interpretações posteriores. Subjacente ao desenvolvimento deste texto está o pressuposto de que Satã não é um ser real, mas um personagem da diversificada e vasta literatura bíblica. Ele tem uma biografia, como salienta Kelly. Um ateu esclarecido, não se limitando a vociferar que Satã é um mero ser imaginário, deve se esforçar por compreender as suas raízes históricas. De fato, Satã não existe, se existisse, sua própria existência deveria lançar sérias dúvidas sobre a existência de Deus, embora isso não constitua um problema reconhecido pela maioria dos cristãos. No entanto, para um ateu esclarecido, tanto Deus como Satã são personagens criados por homens que viveram no Antigo Oriente Médio, a fim de lidar com as dificuldades de seu tempo. Se o culto ao Diabo atormenta ou escandaliza os cristãos, ao ateu esclarecido esse culto não deve ser encarado senão como uma realidade favorecida numa cultura cujas raízes foram construídas por uma teologia e História que o preveem e o explicam.