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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

"Todos nós desejamos amar, mas nem todos dispomos de suficiente vontade e talento para tanto" (BAR)

            


                Sobre a nossa incapacidade de amar

Quando o assunto é amor, dois coros de vozes se dispõem antagonicamente. De um lado, ouvem-se os otimistas que não cessam de acreditar que o amor é capaz de tudo: ele é constante, eterno e criativo. Estes se acostumaram à crença num caráter salvífico do amor. De outro lado, protestam os pessimistas, que denunciam o óbvio: as expectativas geradas pelo amor são repetidamente frustradas. Estes chegam, pois, a uma conclusão que conta com o testemunho da realidade: a natureza humana não permite que as esperanças do amor se realizem. O amor humano, à luz dessa visão, está atolado em ilusão, encarcerado no narcisismo, na incompreensão, na possessividade e na manipulação egoísta. Freud e Proust (entre outros) são, reconhecidamente, partidários dessa visão.
É notável, contudo, que tanto Freud quanto Proust estejam ainda vinculados a uma concepção cristã do homem, que eles tentaram rejeitar. No seu esforço por substituir as velhas categorias com base nas quais se explica a depravação humana, tais como ORGULHO, LUXÚRIA e IRA, esses autores não fizeram senão dar a elas um tratamento linguístico secularizado, donde a ocorrência de termos como NARCISISMO, PROJEÇÃO e INSTRUMENTALIZAÇÃO DO OUTRO para descrever o que aquelas categorias descreviam.
As dúvidas que eles acalentavam sobre a possibilidade de o homem ser capaz de um amor calcado sobre o despojamento do ego, de um amor altruísta, que seja a expressão de alegria sem a posse do outro, são muito semelhantes às que nutria, por exemplo, Santo Agostinho.
Lembremos o que a tradição cristã nos ensinou sobre o amor. No cristianismo, o amor é a fonte e a medida de todas as virtudes. O amor, como Deus, é eterno. No entanto, quando os pensadores cristãos teorizaram sobre a capacidade humana de amor (vejam-se, por exemplo, Santo Agostinho e Lutero), eles concordaram, em sua maioria, que o amor é uma graça de Deus, de modo que só podemos amar por intermédio de Deus. Agostinho e Lutero ainda estariam de acordo quanto a outro ponto: somos incapazes de amor genuíno. São Tomás, ao contrário, embora aquiescesse à ideia de que o amor genuíno fundamentalmente provém de Deus, acreditava que não somos meros recipientes para a ação de Deus. São Tomás argumentava que temos vontade animada, a qual, com o concurso da graça, poderia se desenvolver até o estágio em que atingiríamos a perfeição espiritual. Ele não negava que o amor – a suprema das três virtudes teologais, às quais se reúnem a fé e a esperança – fosse infundido em nós por Deus; mas não concordava com Agostinho no tocante à crença de que não sejamos naturalmente capazes de amar (tendo sempre em conta a concepção de amor cristão).
Se articularmos a visão cristã sobre a incapacidade humana de amor genuíno, tal como sustentada por Santo Agostinho – visão também ela pessimista – à visão secularizada do pessimismo de um Freud ou de um Proust, não será difícil concluir que a capacidade de amor não é possuída por todos; o amor está entre os mais raros de todos os talentos. Ele é tão excepcional quanto a capacidade que tem um grande artista de deixar-se penetrar pelo mundo para recriá-lo através de sua arte.
O que a experiência cristã e os teóricos da visão de mundo secularizada nos ensinam a respeito do amor é que ele exige um longo e meticuloso trabalho e aprendizado. Todos nós desejamos amar, mas nem todos dispomos de suficiente vontade e talento para tanto.




(BAR)