Sobre a nossa
incapacidade de amar
Quando o assunto é amor, dois
coros de vozes se dispõem antagonicamente. De um lado, ouvem-se os otimistas
que não cessam de acreditar que o amor é capaz de tudo: ele é constante, eterno
e criativo. Estes se acostumaram à crença num caráter salvífico do amor. De
outro lado, protestam os pessimistas, que denunciam o óbvio: as expectativas
geradas pelo amor são repetidamente frustradas. Estes chegam, pois, a uma
conclusão que conta com o testemunho da realidade: a natureza humana não
permite que as esperanças do amor se realizem. O amor humano, à luz dessa visão,
está atolado em ilusão, encarcerado no narcisismo, na incompreensão, na
possessividade e na manipulação egoísta. Freud e Proust (entre outros) são,
reconhecidamente, partidários dessa visão.
É
notável, contudo, que tanto Freud quanto Proust estejam ainda vinculados a uma
concepção cristã do homem, que eles tentaram rejeitar. No seu esforço por
substituir as velhas categorias com base nas quais se explica a depravação
humana, tais como ORGULHO, LUXÚRIA e IRA, esses autores não fizeram senão dar a
elas um tratamento linguístico secularizado, donde a ocorrência de termos como
NARCISISMO, PROJEÇÃO e INSTRUMENTALIZAÇÃO DO OUTRO para descrever o que aquelas
categorias descreviam.
As
dúvidas que eles acalentavam sobre a possibilidade de o homem ser capaz de um
amor calcado sobre o despojamento do ego, de um amor altruísta, que seja a
expressão de alegria sem a posse do outro, são muito semelhantes às que nutria,
por exemplo, Santo Agostinho.
Lembremos
o que a tradição cristã nos ensinou sobre o amor. No cristianismo, o amor é a
fonte e a medida de todas as virtudes. O amor, como Deus, é eterno. No
entanto, quando os pensadores cristãos teorizaram sobre a capacidade humana de
amor (vejam-se, por exemplo, Santo Agostinho e Lutero), eles concordaram, em
sua maioria, que o amor é uma graça de Deus, de modo que só podemos amar por
intermédio de Deus. Agostinho e Lutero ainda estariam de acordo quanto a outro
ponto: somos incapazes de amor genuíno. São Tomás, ao contrário, embora
aquiescesse à ideia de que o amor genuíno fundamentalmente provém de Deus,
acreditava que não somos meros recipientes para a ação de Deus. São Tomás
argumentava que temos vontade animada, a qual, com o concurso da graça, poderia
se desenvolver até o estágio em que atingiríamos a perfeição espiritual. Ele
não negava que o amor – a suprema das três virtudes teologais, às quais se
reúnem a fé e a esperança – fosse infundido em nós por Deus; mas não concordava
com Agostinho no tocante à crença de que não sejamos naturalmente capazes de
amar (tendo sempre em conta a concepção de amor cristão).
Se
articularmos a visão cristã sobre a incapacidade humana de amor genuíno, tal
como sustentada por Santo Agostinho – visão também ela pessimista – à visão
secularizada do pessimismo de um Freud ou de um Proust, não será difícil
concluir que a capacidade de amor não é possuída por todos; o amor está entre
os mais raros de todos os talentos. Ele é tão excepcional quanto a capacidade
que tem um grande artista de deixar-se penetrar pelo mundo para recriá-lo
através de sua arte.
O
que a experiência cristã e os teóricos da visão de mundo secularizada nos
ensinam a respeito do amor é que ele exige um longo e meticuloso trabalho e
aprendizado. Todos nós desejamos amar, mas nem todos dispomos de suficiente
vontade e talento para tanto.
(BAR)