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sábado, 8 de outubro de 2016

Poema - A mulher







O enigma

O enigma


O que a poesia une
O cotidiano separa
Minha sensatez confunde
Mania filosofante
Querer dar razões
Ao que só admite motivos
E motivos desconhecidos
Que se ignoram ou se disfarçam
Com as máscaras do desejo

Que queres, afinal?
Já não sei, nunca soube
Nunca saberei
A mulher é o maior enigma da Natureza
Ela quer tudo e nada ao mesmo tempo
Quer não querendo, e não querendo quer
Assim é a mulher
Sua lógica opera às avessas
As conclusões precedem as premissas
O efeito se dá sem causas aparentes
Tudo nela é indefinição
O que ela diz não corresponde ao que ela quer
Ou ao  modo como se comporta
O que diz num momento
Contradiz no momento seguinte
A mulher a lógica entorta

O seu desejo tem as duas faces de Jano
A porta de entrada é a da saída
A porta da saída é a da entrada
Toma metáforas por ambiguidades
Ambiguidades por metonímias
Perturba a linguagem das emoções
Diz e se contradiz dizendo o que não diz
Simula, dissimula, emula
Se queres compreendê-la,
Prepara-te para a loucura.


(BAR)

sábado, 26 de setembro de 2015

"Conheci algumas poucas pessoas legais; mas não conheci ainda uma pessoa ilegal." (BAR)

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                                       Granjeio filosófico

Uma única chance para que eu pudesse contar-me, dizer-lhe a que venho – sou uma história ínfima na imensidão de um universo escuro e indiferente... Não tenho eu qualquer pretensão de ser lembrado pela História... A minha insignificante história já me é demasiado pesada... (por que quereria eu ser co-responsável pela marcha de tão terrível História?) Para o ser humano, a vida se decide no instante, pois todo instante reclama-lhe a liberdade, um ato (que pode ser seu último)... num instante, se descortina ou se eclipsa seu horizonte de possíveis... cada instante é, no entanto,  um novo horizonte de possíveis... Entre dois nadas – o passado e o futuro – se faz a vida em seu contínuo desfazimento; vida é desfazimento (quantas perdas! Quantos desenlaces! Quantas contínuas, pequenas e comuns mortes!); o real? É o próprio presente.

Disseram que você é uma pessoa legal, mas não foi por isso que decidi solicitar-lhe uma “amizade virtual” (que, em pouquíssimo tempo, se torna um número esquecido entre outros). Conheci algumas poucas pessoas legais; mas não conheci ainda uma pessoa ilegal. Os ilegais são os que vivem à margem das tendências sistemáticas, das forças domesticadoras, dos automatismos massificadores; são os que não se deixam arrastar pela marcha, com seus passos compassados em seu movimento sincronicamente arregimentado – marcha em que todos são como todos, em que todos ignoram a todos; marcha para a qual o único caminho é a congênita indiferença humana. Dizem que os ilegais são transgressores, conturbadores da ordem política, criminosos; tais como eu os entendo no presente contexto, porém, eles são criadores, tanto na esfera pública, quanto na privada; criam a si mesmos, criam como artistas a vida, assumindo-se como verdadeiramente livres, a despeito de, neste ato criador, aprofundarem sua solidão (e não é na solidão que se experiencia a verdadeira liberdade?).
A legalidade do amor condenou-o a este estado de entorpecimento contagioso de seus praticantes, que não se percebem como reprodutores de uma ordem à qual raramente fazem resistência. Não vê como se comportam os amantes? Eles se escorregam por seus corpos (amores líquidos, fluidos, escorregadios; gozos intensos, efêmeros, vadios). Todos os amantes começam a se amar na legalidade (seguem os mesmos scripts, as mesmas normas); mas rapidamente se cansam, se entediam um do outro. A legalidade os esteriliza; tornam-se infecundos e se apressam por buscar as mesmas formas de divertimentos conformadas com a legalidade. Todo amor, em seus tempos germinais, é legal; todos os amantes são legais; prometem um ao outro viver fielmente na legalidade pela qual se pauta a relação. Em pouco tempo, a legalidade os torna cansativos um para o outro. Amar na ilegalidade não é entregar-se a traições, a concupiscências; é dar à relação as condições para seus gestos espontâneos, é dar seu sentido de autonomia em declarada resistência à heteronomia pela qual as relações humanas são continuamente adestradas. Se quiser, um dia, amar profundamente e ser amada, deixe de crer no amor; não há nenhum sentido salvífico nele; nenhuma profundidade. Só podemos amar o amor não crendo mais nele, aliviando-o dos aguilhões das nossas fantasias; libertando-o – se preferir- dos grilhões das ilusões que sobre ele produzimos. Amá-lo na ilegalidade; só assim amaremos em sua fecundidade (se houver alguma...).


Não pode imaginar quão custoso me é escrever-lhe isto. Hoje, como de costume, fiquei ocupado com os livros. Mas a leitura não transcorria sem alguma inquietação. Pressinto o abismo mais próximo de mim. Apesar disso, tenho de escolher (estou, como todo ser humano sartreano, “condenado a ser livre”). Extravagâncias! Desmesuras! Excrescências! Ímpetos vãos! Hábitos comuns quando me deixo seduzir pela astúcia da linguagem e por sua irresistível nudez que me desregula os estados de espírito. A vaidade de todas as coisas humanas me assombra, embora me seja tão familiar. Sinto-me, agora, o mais tolo dos homens que se conservam sobre a terra; quiçá, esteja a rir-se de mim. Contudo, tendo ainda trinta e três anos, posso permitir-me ser pateticamente esquisito. Insisto nesta minha tolice íntima para perguntar-lhe se me daria o privilégio de conhecê-la pessoalmente.