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quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

“A ignorância é nosso orgulho epocal”. (Casanova)

 




Sobre ser erudito

“A ignorância é nosso orgulho epocal”.

Casanova

 

 

Entre os meus pares, sou conhecido por ser demasiado analítico, até mesmo prolixo. Meus colegas e professores da PUC-Rio o sabiam e até me permitiam tal exuberância de estilo. Depois que terminei minha longa temporada de estudos na PUC para ingressar no curso de filosofia na UERJ, era chegada a vez de os colegas e professores de lá conhecerem minha obsessão com o estilo de linguagem e, sobretudo, o meu cuidado com o cultivo do pensamento reflexivo. Depois de mais de 20 anos de estudos aturados, desde que ingressei em minha primeira graduação em 2001, ao longo dos quais cumulei conhecimentos, fiz amizades enriquecedoras e construí relações acadêmicas sem as quais minhas produções intelectuais não seriam possíveis, tenho hoje uma única grande ambição - a erudição. Não ouso saber tudo sobre tudo (o que é impossível, seja porque nem tudo me interessa, nem tudo sou capaz de conhecer, seja porque, como disse Foucault, noutro contexto, em que lembrava a inconveniência do ardor apaixonado da militância, “a finitude é devastadora”). A erudição não é mensurável, nem é um estágio estacionário. A erudição está sempre em devir. Nunca se perfaz. Ela é um horizonte. Do grego “horidzo”, que significa ‘limite’, o horizonte é um limite nunca alcançável. Nisto reside seu enigma: quanto mais caminhamos na direção do horizonte, mais ele se afasta, abrindo-nos mais terreno, novas possibilidades. Nossa existência é, portanto, sempre uma caminhada, que nunca se completa. A morte não é a realização da completude da existência, mas a interrupção definitiva da caminhada. É também por isso que a morte é trágica, é um “corte profundo”, uma violação da tendência natural da vida a viver; é um estupro predestinado.

A erudição não é signo de nobreza. Ela não deve ser título de distinção social. A erudição não deve oprimir, nem intimidar ninguém. Penso que o conhecimento e o pensamento devem ser caminhos para a liberdade, devem tornar possível a realização de novos modos de viver e de ser. Só a burrice julga ofensivos o pensamento e o conhecimento. Só a burrice os odeia, vocifera contra eles. Só ela quer amordaçá-los. O conhecimento não deve destinar-se à intimidação; não deve humilhar. Quem muito sabe deve disseminar o encanto e o desejo do saber, deve saber encantar aqueles que têm sede e fome de saber. Na aurora do século XVII , em plena Revolução Científica, o cientista e ex-Lorde-Chanceler Francis Bacon, ao declarar “Knowledge is power”, ou seja, “saber é poder”, dava testemunho da virada utilitarista que marcaria a grande transformação do saber no ocidente, desde então visto como um meio para a resolução de problemas. O saber passava a ser concebido como um estoque, um capital acumulado cujo fim era aumentar a capacidade do homem de dominar a natureza, tornando-a um produto a serviço de seu bem-estar e da melhoria de seu destino. Essa é a maneira como o homem moderno se relaciona com o saber ainda hoje. Desde o século XVI, a concepção utilitarista da Educação tem dominado a organização dos sistemas escolares. Se hoje o senso comum de nossa civilização capitalista toma como valioso o saber tecnológico-científico, o saber “prático” ou aplicável na prática da vida, é porque o capitalismo engendrou duas formas de poder intimamente ligados na sociedade: o poder da riqueza econômica e o poder do saber tecnológico, ou seja, o poder de aplicar os conhecimentos científicos para a obtenção de resultados práticos. Nas sociedades pré-capitalistas, a riqueza não era signo de poder. Foi só na civilização capitalista que a técnica pôde operar transformações sociais, porque ela passou a depender de investimento econômico. O sistema capitalista passou a ditar normas éticas e influenciar mentalidades e costumes, trabalho antes pelo qual eram responsáveis as organizações religiosas. Mas o capitalismo de hoje não é exatamente o mesmo que vigorava no tempo de Bacon. A fase neoliberal do capitalismo, com sua nova razão econômica (iniciada nos anos de 1980), tornou o saber um produto perecível e submeteu as competências, antes valorizadas no período fordista, a uma “destruição criativa”.

Erudição é uma palavra fora de moda, ou melhor, trilhar o caminho da erudição é uma escolha aparentemente fadada ao “fracasso” segundo os valores vigentes de nossas sociedades de mercado. O neoliberalismo ou a nova racionalidade econômica desinstitucionalizou a relação entre diploma, qualificação e profissão. (Parem , portanto, de culpar os estudantes e os estudiosos por seu suposto “fracasso”, parem de julgá-los acomodados ou “vagabundos”! ) Eu disse certa vez: “Estude, em vez de reproduzir os preconceitos correntes no senso comum”. E não pretendia ofender! E também não me arrependo de tê-lo dito! Eu sou um educador, sou professor! O saber deve ser partilhado e deve ser o valor maior a ser cultivado! Não obstante, o neoliberalismo tornou frouxo o vínculo entre o diploma e o valor pessoal reconhecido socialmente. Isso se deve, em parte, ao enfraquecimento das posições dos assalariados, que encontram cada vez menos segurança nas instituições e carecem cada vez mais das referências estáveis que, outrora, davam a eles valor profissional, pessoal e identidade. O título escolar e o diploma universitário perderam sua força simbólica, no atual estágio do capitalismo financeiro, também porque o saber, amplamente propagando-se, deixou de corresponder aos novos imperativos de adaptabilidade permanente e de reatividade imediata fixados pela empresa (o neoliberalismo exige trabalhadores flexíveis, adaptáveis, capazes de se reinventar, de inovar para atender às necessidades econômicas da empresa). O assalariado hoje experimenta uma profunda e persistente insegurança, que afeta não apenas o emprego, mas também o conteúdo da sua profissão. Essa insegurança dos assalariados é consequência do enfraquecimento do valor simbólico dos diplomas, da implementação de práticas destinadas a avaliar as competências que melhor se ajustam aos encargos profissionais e a influência cada vez maior das empresas na determinação dos conteúdos da formação dos futuros assalariados. A escola passa a ser vista como um simples meio para a formação de trabalhadores flexíveis. A tudo isso se soma a precarização do trabalho nas sociedades capitalistas neoliberais. O trabalho passa a ser cada vez mais uma mercadoria como outra qualquer, perdendo suas formas jurídicas e sua dimensão coletiva. (E a galerinha que, em uníssono, grita “mais trabalho e menos direitos trabalhistas!” dá testemunho de que aprendeu bem a lição de casa neoliberal! Está aprovada! Mas saibam que vocês ficarão entregues à vulnerabilidade das condições do mercado de trabalho!) Mas que importa se gritam pelo direito de continuar a serem mais explorados, e ainda em condições precárias ?

Mas, se me foi possível escrever aqui sobre tudo isso, é porque convivo assiduamente com os livros, que, se não me permitem ganhos econômicos, dão-me as possibilidades de compreender o mundo, a realidade histórica em que vivo, libertando-me da tirania do impessoal, do falatório das multidões que são burras, irracionais, que não cessam de reproduzir as opiniões estabelecidas, que se contentam em assumir como verdades inabaláveis as crenças comuns e falsas, que se acostumaram a viver na redoma do senso comum, abocanhando do mundo apenas os pedaços, os fragmentos que nela são processados para o consumo de seu modo de vida que, bem ajustado a uma ordem socioeconômica e mantido num estado de contínua alienação, a reproduz nas práticas comuns do dia a dia. O ideal de todo educador é estender o direito à participação na cultura letrada a todos; é cativar o interesse pela leitura como o único caminho para a formação da liberdade de autonomia  - em crianças, jovens e adultos.






O Mito brasileiro

 

 

O bolsonarismo é a expressão de mudanças profundas na política e na configuração de poder na sociedade brasileira. Um dos aspectos dessa profunda e nefasta mudança é o desenvolvimento e fortalecimento da antipolítica no Brasil como modo de governança. A antipolítica bolsonarista recusa a ideia de que o Estado e as políticas públicas devem ter um papel de destaque no cenário político, que então passou a ser dominado por discussões sobre corrupção e privilégios corporativos. No terreno da campanha anticorrupção, carro-chefe do movimento bolsonarista, o Brasil seguiu a trilha das experiências totalitárias. Tanto o nazismo quanto o stalinismo transformaram ideias como pureza racial ou pureza de classe em utopias que legitimavam a distorção do debate público e a repressão aos seus opositores. Nesse tocante, é preciso dizer que 1) a campanha anticorrupção que alavancou a eleição de Bolsonaro preencheu os requisitos de todo sistema totalitário: a separação entre os “puros” e os “impuros”; 2) essa separação foi associada à figura de um combatente da degradação moral e social (que até bem pouco tempo era o Juiz da 13ª vara da Justiça Federal Sérgio Moro).

O que vemos operar, nesse contexto de luta anticorrupção, é uma característica muito comum em nossa história política: a personalização da política pela crença generalizada de que todos os nossos maiores problemas podem ser resolvidos se soubermos escolher bem a pessoa do governante. Ainda persiste a crença, entre nós, de que só conseguiremos mudar o sistema político pela eleição de um Messias, de um Salvador da Pátria. Este ser imaculado deve se apresentar como um adversário declarado e vigoroso do sistema vigente. Animado por esse imaginário coletivo brasileiro centrado na figura mítica de um Líder que nos conduziria à terra prometida, o bolsonarismo acostumou seus apoiadores (acríticos) a julgar o sistema político apenas por sua dimensão moral, sem qualquer consideração pelos resultados que ele produziu politicamente. A opinião pública, muitos intelectuais e a grande mídia incorreram nesse mesmo erro. E fazendo-o, ignoraram (e ainda ignoram) que aceitam os elementos da antipolítica bolsonarista que, bem entendida, quer dizer, reação à ideia de que instituições e representantes políticos devem negociar e dar respostas a problemas concretos postos em debate no país. Essa antipolítica é também negação de atributos como negociação ou coalizão como partes do processo de governança. Pela via autoritária de um Messias que recusa o presidencialismo de coalizão, o próprio projeto anticorrupção se demonstrou não só inviável, mas uma mentira oportuna para se obter o poder. Uma sociedade sem corrupção continua sendo parte de um horizonte desejável e utópico no Brasil. E os escândalos envolvendo a família Bolsonaro provam isso.






“A LEITURA NOS TIRA DO SEDENTARISMO INTELECTUAL” (Moacyr Scliar)

                            

Ler não é simplesmente decodificar sinais. A leitura como decodificação de sinais escritos é a etapa de que se encarregam os professores da alfabetização. Esta é a primeira e fundamental etapa do desenvolvimento da competência da leitura; mas a competência de leitura fica amputada se não se desenvolver para além dessa etapa. A leitura como letramento, como prática de produção de sentidos para o texto e para o mundo é a atividade que, socialmente, se considera ser a mais importante ao longo da educação escolar. Saber ler, nesse sentido, envolve a mobilização de um vasto conjunto de conhecimentos e estratégias cognitivas, metacognitivas e interacionais (pragmáticas, discursivas) indispensáveis ao desenvolvimento de formas mais profundas de compreensão do texto e do mundo. Ler supõe a capacidade de estabelecer relações intertextuais, de imergir cognitivamente nos níveis implícitos de sentido, de atingir as camadas subjacentes de sentidos previstos para um texto. Ler mais, nesse sentido, amplia e aprofunda nossa compreensão, porque nos dota da capacidade de perceber os sentidos que se produzem nos silenciamentos que atravessam as palavras. A leitura é um processo complexo de ordem linguístico-sóciocognitivo-interacional, emocional, fisiológica que envolve aprendizagem e maturação. Então, quem lê muito e compreende pouco o que leu, na verdade, não chegou a ler, não atingiu ainda uma competência mais ampla e elaborada de leitura. O ponto importante é que não há receitas para aprender a ler, no sentido que dou ao processo de leitura. Mas é possível ensinar a ler, é possível desenvolver no indivíduo as habilidades necessárias para que ele venha a se tornar um leitor competente, um leitor capaz de ler para além do dito, para além do explícito e codificado na superfície textual. É possível educar a sensibilidade do leitor para que compreenda que a linguagem não é transparente, mas opaca, que os sentidos possíveis são muitos e não estão alocados nas palavras ou nas frases, ou no texto, mas os atravessam, tomam direções diversas, nem sempre previstas pelo produtor do texto, direções que levam a outros textos, a outras falas, a outros discursos... Ler é compreender como um objeto simbólico produz sentido, como esse objeto nos permite fazer a experiência do sentido, como esse objeto significa na interação com o sujeito interpretante, levando em conta os contextos sócio-históricos, ideológicos em que eles se encontram. Sim, a leitura estimula a criatividade e a imaginação, desenvolve a sensibilidade, complexifica o pensamento, mantém a saúde do cérebro, protegendo-nos contra doenças neurológicas. A leitura favorece melhor o desenvolvimento da inteligência. A leitura é experiência de formação de sujeitos autônomos, capazes de construir por si mesmos conhecimentos sem a mediação do professor . A leitura promove, enfim, a experiência de vida. Complexificando o pensamento, apurando nosso olhar sobre o mundo, a leitura nos dota da capacidade de reconhecer a complexidade do real e de lidar com essa complexidade. O mundo que se nos descerra na prática da leitura é um mundo muito mais complexo, multidimensional, plurívoco, significativamente mais profundo, do que o mundo que se nos dá a conhecer nas esferas restritas e limitadas da vida ordinária, onde se realizam as conversações face a face ou mediadas pelos aparelhos tecnológicos hoje à disposição de certo número de usuários socialmente privilegiados. Viver sem ler é tocar de leve a superfície das coisas, é acostumar-se a viver uma vida chapada à superfície do mundo, onde se instalam as vivências ordinárias sobre as quais se projetam as sombras do senso comum, que impedem que o mundo seja iluminado em toda a sua complexidade, em todos os seus níveis possíveis de significação. A leitura ilumina o mundo, retira-o da caverna do viver comum , para torná-lo morada do pensamento complexo, em suma.

 






O Brasil de uma nota só

 

Não me parece demandar tanta controvérsia dizer que o Brasil com Bolsonaro e sua trupe emburreceu mais. O Brasil ficou mais burro (e mais perverso) com Bolsonaro na Presidência, tanto na esfera do Estado quanto na esfera da sociedade civil. E aqueles que se cuidam mais “politizados” por incriminar o PT e seu fantasioso comunismo por todos os males seculares do país não fazem mais do que confirmar essa tese. Para os bolsonaristas, a política se resume a uma nota só: a corrupção, ou melhor, o combate à corrupção. Parece que, se conseguirmos resolver este mal que nos assola desde o período colonial, o Brasil se tornará o melhor lugar no mundo para viver. Desnecessário dizer que os bolsonaristas não fazem a mínima ideia de como pôr fim definitivo a este mal hábito dos políticos aqui e em outras partes do mundo. Eles não sabem porque, seguindo o hábito do seu Messias presidente (que confessou não ler um livro sequer há três anos), são inimigos dos livros, são refratários à cultura letrada. Se estivessem habituados a conviver com os livros, se, ao menos, se interessassem em compreender a realidade sociopolítica do país que dizem tanto amar, saberiam que a corrupção entre nós deita raízes num solo cultural que desde muito cedo foi assentado pela prevalência do favoritismo sobre a justiça, pela simbiose entre os grandes proprietários da riqueza privada e os agentes administrativos ou de governo, pela perpetuação de uma oligarquia que une entre si os agentes do Estado (e sua burocracia estatal), os potentados econômicos, as Forças Armadas e um serviço judiciário que, desde muito cedo, existiu para extorquir dinheiro. Mas os bolsonaristas, tão desabituados aos livros, necessários a uma participação política consciente, a tudo tratam de modo simplificado e superficial. A tendência à simplificação do pensamento é, aliás, uma de suas características mais flagrantes. Não por acaso são equiparados a bovinos (embora essa espécie de animais seja inteligente). Quem ousar levantar uma questão política num sofrível diálogo (quando é possível) com um bolsonarista, ouvirá dele duas coisas: PT e corrupção do PT (e de Lula, é claro). A política para Bolsonaro e seus apoiadores é uma forma de guerra e ódio, de combate incessante contra esses três grandes males de nosso país, a saber, PT, Lula e corrupção. Toda política bolsonarista se resume a esta “missão” militante-militar: destruir o PT - e com ele, é claro, o comunismo que nos ronda- , e pôr fim à corrupção. E ponto final. A política econômica do Governo, o capitalismo financeiro a que o Brasil é subserviente, as desigualdades socioeconômicas profundas de nosso país, o investimento em Educação e em Pesquisa, em Ciências e Tecnologia, as políticas públicas, a superação da “velha política” ( o que Bolsonaro não fez senão perpetuar) e tudo o mais que se queira levar em consideração como problemas para uma agenda política não têm qualquer relevância ou importância. Falta aos bolsonaristas o letramento político adequado e amplo para se ocuparem dessas questões mais complexas e importantes. A burrice é sempre simplificadora e cega para a complexidade do real. A burrice do Brasil de hoje é o reflexo de um passado longo e perverso que ainda não superamos e com o qual nada aprendemos.


 


sexta-feira, 2 de março de 2012

"Mergulhadas no silêncio as palavras tornam-me cantante" (BAR)

                      
 
                               
                           Auto-exame preliminar

No meu cotidiano, vou acumulando palavras em minha alma; palavras que sufoco, silencio, para não me enfadar demais, dando-lhes o direito de gritar. Calo-as para que eu possa conviver em meios sociais com que não me identifico. Sinto-me quase sempre deslocado. Embora me esforce para entabular as conversas triviais e adequadas à ocasião, prefiro o silêncio quando me dou conta de que as bocas que se animam a falar vomitam lugares-comuns. Prefiro o silêncio quando os temas preferidos dos encontros são o Big Brother ou relacionamentos amorosos, em geral, tratados na base dos padrões ideológicos predominantes.
Prefiro o silêncio, deixando-me absorto, a contrapor-me sempre que me parece necessário. Não sigo as tendências e não permito que meus pensamentos se conformem à maneira de pensar predominante. E, quando ouso problematizar, percebo que os que estão em meu derredor não conseguem acompanhar-me. Alguns se cansam; evitam aprofundamentos. Preferem manter-se à superfície dos temas culturalmente relevantes; limitam-se a reproduzir o senso-comum. Ignoram o que nos ensina a filosofia: a atitude filosófica nos permite não aceitar sem examinar as opiniões provenientes do senso-comum de nossa sociedade.
O que distingue, basicamente, um filósofo do homem comum é que a este último satisfaz o viver imerso na realidade, conforme as condições sócio-culturais; ao contrário, o filósofo não apenas vive a realidade, mas busca examiná-la, questioná-la para compreendê-la. Muitos aceitam tudo que se lhes dizem sem ponderar; o filósofo é aquele que suspeita, não aceita de antemão as ideias preconcebidas, as opiniões correntes e os preconceitos de sua sociedade.
A filosofia foi, para mim, um trampolim para a adoção do ateísmo. E também instrumentalizou-me para a construção de uma consciência crítico-reflexiva, uma consciência que não se acomoda às diretrizes sociais, aos sistemas de ideias que não fazem senão nos moldar, nos adaptar, nos conformar ao status quo.
Meus alunos me perguntavam como poderiam mudar a maneira de trabalhar língua portuguesa na escola em face das condições sócio-culturais que insistem em reforçar a ideologia do “erro” em língua. A questão é complexa e não se pode dar a ela uma resposta simples. Mas o que lhes ensinava, nessas ocasiões, é que precisariam assumir o papel de agentes de educação. Precisariam adotar uma prática pedagógica que lhes permitisse ir na contramão. O domínio da sala de aula é jurisdição do professor e, exibindo este uma sólida formação, estará apto a resistir às condições pouco favoráveis. Ele engendrará novas condições.
Escusa dizer que nos espaços de relacionamentos virtuais da internet grassam postagens eivadas de lugares-comuns, ditos agastados, ideologias, opiniões rasas típicas do senso-comum. Vejamos alguns exemplos:




"Não ame pela beleza, pois um dia ela acaba. Não ame por admiração, pois um dia você se decepciona. Ame apenas, pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem explicação." (anônimo)

“A vida não é perfeita, não é como um conto de fadas onde existe um "e viveram felizes para sempre". A vida é tal e qual como ta deram. A perfeição está em vivermos cada momento como se fosse perfeito *
(anônimo)


O leitor poderia contribuir com mais exemplos; decerto, eles são fartos. Não vou me ocupar em examinar essas postagens colhidas do facebook
Veja-se, a título de ilustração, o efeito causado pela doutrinação religiosa. As religiões nos enraízam  crenças e opiniões, moldam nossa consciência de mundo, habituam-nos a pensar e compreender o mundo segundo o seu sistema de dogmas e ideias. Elas adestram nosso pensamento, tornando-nos incapazes de pensar além da sedimentação de crenças com que nossa consciência foi modelada. Ir na contramão desse engessamento de consciências perpetrado pelas religiões pode-nos acarretar alguns desafetos, pode pôr-nos à margem de certas convivências.
Também se ousamos avaliar negativamente a influência de programas reality shows como o Big Brother na formação de uma consciência de cidadania, corremos o risco de atrair para nós alguns resmungos de desagrado. A grande maioria das pessoas que se deixam estar diante da tela de um televisor não se preocupa em lançar um olhar crítico sobre o que a televisão lhes oferece. No contexto pós-moderno, torna-se difícil ao homem comum compreender  que os meios de comunicação, como a televisão, são produtores de representações ou imagens ideológicas, justamente porque, segundo Claude Lefort, a ideologia contemporânea é uma ideologia invisível, aparece como não-localizada, não-determinável, embora, se encontre, no caso, nos meios de comunicação de massa. O discurso que aí se produz aparece como anônimo, como impessoal, totalizando-se em o discurso do social. A ideologia disseminada pela televisão é uma ideologia que homogeneíza, massifica. A televisão torna-se um poderoso veículo de espetacularização da realidade social.
Os livros exercem sobre mim um fascínio. A leitura me engendra férteis inquietações. Deleito-me quando, por ventura, minhas especulações se confirmam na leitura de um trecho, nas considerações de um grande estudioso. Alegro-me quando, ao me deparar com um trecho como o seguinte, colhido de Conferências sobre leitura (2005), apercebo-me de que todo esforço é válido para incentivar a prática de leitura:

“(...) o ato de ler, se criticamente feito por grandes parcelas da população, significa mais poder aos cidadãos: maior capacidade para enxergar as contradições sociais, melhores fundamentos na hora de tomar decisões (até mesmo decisão na hora de votar nas eleições), competências mais apuradas para chegar às raízes da injustiça e desigualdade, etc.”



Há sempre um livro entre mim e o outro. (BAR)