FORA DO AR
Eu
insistirei nisto, mesmo que se torne enfadonho: a vida dedicada ao exercício do pensamento reflexivo e à leitura
cotidiana causa desgosto, insatisfação e desânimo, no tocante à sociabilidade. Por
vezes, tenho vontade de fazer uma limpa nos vínculos virtuais de minha rede social
on-line. Para que tantos “amigos”, se compartilho com muito poucos algumas
palavras? Felizmente (ou não) é possível deletá-los. Não vê como é incrível
isso! Na modernidade líquida, as formas de relacionamentos podem ser facilmente
desfeitas e, se forem do tipo “virtuais”, aí podemos simplesmente deletá-los.
Deletar é mais fácil do que romper com relacionamentos convencionais, que
envolvem corpos, olhares, toques, feições. No caso desses, a ruptura pode,
muita vez, nos causar certo desconforto ou aborrecimento. Mas, nos
relacionamentos virtuais, o desligamento não nos acarreta qualquer enfado. Não
raro, pessoas há que esquecem donde proveio a última pessoa que a adicionou. Há
muitas pessoas em minha página com quem sequer troco meia palavra.
Sinceramente, não vejo muito sentido em conservar imagens de fotos digitais ou
impressões verbais, se eu não tenho qualquer relação substancial com as pessoas
por trás desses registros. Tudo isso é consequência de uma doença coletiva, de
fundo psíquico, que consiste no medo de conviver com a solidão. A ilusão de
ter, digamos, 150 “amigos” em nossa página numa rede de relacionamentos virtuais,
parece bastar para que fiquemos seguros de que não engrossamos a lista imensa
dos solitários da sociedade individualista, que sustenta a ideologia do “egoísmo
amoroso” (“ame a si mesmo em primeiro lugar”, expressão do rancor de pessoas
profundamente carentes de vínculos sólidos, de amores sinceros, de pessoas que
não se dão conta de que produzem os dizeres que reproduzem a liquidez dos vínculos
humanos nessa fase líquida de nossa modernidade).
É certo
que não posso esperar nada mais do que a mesmice nesses contextos virtuais de
relacionamentos. Confesso que já pensei em me deletar. Gosto desta palavra. Ela
facilita nossos embaraços sociais. Nas redes sociais de relacionamentos on-line,
decerto quantidade não é qualidade. Continuo ainda buscando a minha "turma". Mas preciso
encontrá-la aqui na vida real, onde há corpos e calor humano. Onde há contato
entre olhares e gestos encarnados.
“Diferentemente dos “relacionamentos
reais”, é fácil entrar e sair dos “relacionamentos virtuais”. Em comparação com
a “coisa autêntica”, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e
limpos, fáceis de usar, compreender e manusear”
(BAUMAN, Amor Líquido, p. 13)
Felizmente,
conheci pessoas por quem ainda vale a pena manter-me conectado e que, um dia,
espero conhecer presencialmente. Mas não custa lembrar novamente as palavras de
Bauman:
“(...)
as relações virtuais (rebatizadas de “conexões”) estabelecem o padrão que
orienta todos os outros relacionamentos. Isso não traz felicidade aos homens e
mulheres que se rendem a essa pressão, dificilmente se poderia imaginá-los mais
felizes agora do que quando se envolviam nas relações pré-virtuais. Ganha-se de
um lado, perde-se de outro”.
(p. 13)