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quarta-feira, 30 de março de 2011

O mistério da consciência é que somente nela existimos

                 Futuro – o não-ser

O nascimento de um ser humano se acompanha do desejo dos pais pelo prolongamento dessa então frágil e ingênua existência, para o futuro. Tão logo nascemos – dizendo mais precisamente – nossos familiares nos projetam para o futuro. O futuro é o que desejamos e perseguimos, uma vez plenamente conscientes de que pertencemos a uma totalidade social, de que compartilhamos experiências, desejos, receios e sofrimento com outros seres humanos.
Serão necessários, contudo, muitos anos e muitas experiências culturais, entre as quais está uma grande dose de instrução formal e livresca – para nos apercebermos de que o futuro não existe. Explico-me. As noções de presente, passado e futuro são formas de abstração universal, com que a cognição humana “recorta” o tempo, este que só existe para/na consciência. Nossa consciência só conhece uma única realidade temporal: o agora. A totalidade de seu domínio, que é seu campo de atuação e reflexão, é o presente. E apenas este. Nossa consciência está ancorada no presente. O futuro é o não-existente, o não-consciente. Eu ainda não existo no ano 2021, muito embora meu coração e minha consciência me projete para esta época; mas, nesse tempo, eu ainda não sou. O futuro é o “lugar virtual” do não-ser. Ele é a negação da consciência. O Eu só é possível no presente; no futuro, só existe em potência, muito embora a morte, como possibilidade irrecusável de sua realização, viva a espreitá-lo.
Que diremos do passado? O passado também não existe, embora um dia tenha existido. Na verdade, só existe na memória. Nesse tocante, a memória desempenha um papel fundamental para a nossa identidade: eu sei que entre o meu “eu” de dez anos atrás e o meu “eu” de agora há uma continuidade identidacional. Embora, a rigor, eu não seja a mesma pessoa de dez ou vinte anos atrás, é graças à memória que tomo consciência de uma continuidade de mim mesmo através do tempo. Claro também que esta consciência deve muito às experiências minhas com os outros, especialmente, com os outros que me são próximos, tais como pais, avós, primos, tios e amigos. Esses outros asseguram-me de quem sou, ao mesmo tempo que me ajudam a lembrar-me de quem eu fui.
E crescemos ouvindo aquele provérbio, incessantemente reproduzido pela voz daqueles que, por terem vivido mais e por, supostamente, saberem mais do que nós: quem espera sempre alcança. Até o dia em que, ouvindo a canção Bom conselho de Chico Buarque, aprendemos a questionar tal saber popular: quem espera nunca alcança – escreve Chico. Mais precisamente, ele escreve “está provado, quem espera nunca alcança”. Verifique-o, leitor, caso duvide disso.
É provável que vivamos por longo tempo a acreditar nesse velho ensinamento, sustentáculo da paciência, princípio da prudência. Eis que nos tornamos adolescentes e o futuro torna-se objeto ainda mais desejável. Nada mais irritante para um adolescente do que chamá-lo de criança,  infantilizá-lo. A infância é passado para ele; deixou, pois, de existir. O adolescente vive intensamente o presente; para ele só existe esse tempo imediato da consciência. O futuro, ao que parece, só ganhará contornos quando ele se submete ao exame de vestibular para auferir uma vaga na universidade.
É na adolescência que o presente ganha hegemonia, abrangendo a totalidade do ser. É também nessa fase da vida que se descobre o AMOR. E com ele surge a aspiração à eternidade. Sim, porque o AMOR aspira à eternidade, a persegue, se projeta para um ir sempiterno. O AMOR reivindica projetos, se alimenta da projeção do desejo recíproco dos amantes. Por sua natureza subversiva e inquisitiva, o AMOR nos indaga incessantemente sobre o sentido da vida. É ele que constrói a longa estrada da felicidade – destino para o qual flui toda existência humana. Como nos ensina Aristóteles, o homem, por sua própria natureza, deseja a felicidade; é este o fim de sua existência.

Com a maturidade, o AMOR ganha rédeas, se equilibra na sensatez, muito embora ainda exerça sobre nós sua força centrífuga, que nos aparta do egocentro. Deslocado, nosso eu mora no eu do outro. O AMOR nos descentra. O impacto desse descentramento sobre nós é de tal ordem, que nos sentimos vulneráveis, visto que amar é estar vulnerável. Vulnerabilidade aqui não se confunde com insegurança; define-se, na verdade, como disposição ao desapego, a ser tocado, abrangido pela extensão infinita do AMOR. Como escrevi alhures, o AMOR EXCEDE AS MEDIDAS DA ALMA. Acontece que esse excesso do AMOR nutre-nos, mais vigorosamente, o desejo pelo futuro. Como a eternidade é absurda e, portanto, inalcançável não só à vida humana, mas também a qualquer forma de vida neste planeta, não nos resta senão contentarmo-nos com o indefinido. O AMOR maduro deseja prolonga-se indefinidamente, até que a morte venha pôr um fim a sua ousadia. O AMOR maduro projeta-se para este futuro, que ainda não é e nunca será, porque o que, realmente, há é uma sucessão de presentes. A rigor, com Heráclito, devemos reconhecer que a existência humana e toda a sua grandiosidade miserável é puro devir (um incessante movimento de alternância entre o ser e o não-ser).
Destarte, passado, presente e futuro não são compartimentos do tempo; mas tão-só a maneira pela qual ele existe para o pensamento. Mas, a rigor, o eu-consciente se realiza no presente, pois, no passado, ele não é; e, no futuro, ele nunca é. Daí não se segue que devamos viver inconsequentemente. Cada novo presente só é possível na medida em que sou responsável por minhas escolhas. Mas não posso escolher no futuro, já que não existe futuro, porque o futuro é o vazio do ser. E devemos sempre ter em conta o acaso, que nos lembra quanto somos frágeis e suscetíveis ao infortúnio.
Eu sou na medida em que me faço presente à minha consciência, num agora que se reatualiza indefinidamente. O AMOR é uma inesgotável fonte de liberdade: ele nos liberta de nossa prisão temporal. Torna-nos felizes hoje, pois que, no AMOR, a felicidade jamais é adiada. Tal adiamento significaria o seu fenecimento. O AMOR é o berço de nosso sonho de um presente infinito.