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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pálido ponto azul


                  

                               Do intertexto sem-sentido



A minha amiga Rafaela Gomes,



Tenho  recomendado aos meus amigos on-line o livro Como me tornei estúpido, de Martin Page. Várias de suas passagens repercutiram vivamente em minha alma, dentre as quais destaco uma que vem a propósito, depois que li o poema  nonsense, de minha amiga e poetisa brilhante Rafaela Gomes. Este texto é uma versão estendida do comentário sobre o referido poema, que lhe estampei na página do blog.



“Não é possível viver demasiadamente consciente, demasiadamente pensante. Aliás, observemos a natureza: tudo o que vive muito e contente não é inteligente. As tartarugas vivem séculos, a água é imortal (...). Na natureza, a consciência é a exceção; pode-se até postular que ela é um acidente, uma vez que ela não assegura nenhuma superioridade, nenhuma longevidade particular”.



(p. 61)



Fiquei cogitando, depois que li esse trecho, na angustiante condição humana: somos seres de consciência superior e sabemos que vamos morrer. Ao contrário das tartarugas, a natureza de nossa consciência é incompatível com a efemeridade de nossa existência. Temos pouco tempo para ousar apreender a complexidade dessa existência cujo mistério nos abarca. O mais impressionante é que, até onde sabemos, somos os únicos seres capazes de reflexão, vale dizer, de pensar o já elaborado pelo pensamento. Daí, fui mais longe e pensei na aventura intelectual humana; pensei no legado de espíritos geniais que o gênero humano já produziu (o de Karl Marx, Freud, Nietzsche, Einstein...); homens que viveram para as suas ideias, pelas suas ideias, que dedicaram toda uma vida a revolucionar, cada qual em seu campo de interesse... todos passaram, já que, apesar da genialidade de suas mentes, eles compartilham da condição mortal de todo ser vivente. Mas seu legado permanece, apenas ele permanece entre nós e, se preservado, acalentará os pensamentos de futuras gerações. Agora pensem comigo: se não houver nada além da cessação da consciência com a morte, de que valeu o esforço intelectual empreendido por esses homens? Não digo para nós, seus beneficiários; mas para eles mesmos, que sucumbiram como deve sucumbir todo ser humano, quer intelectual, quer medíocre (ou estúpido). Estou sincera e verdadeiramente convencido de que não há um Deus como o representado pela ideologia judaico-cristã. Sou ateu sereno e conciliado com o Mistério. E, por vezes, a sombra desse absurdo que é a existência avança contra os meus pensamentos e me ponho a especular sobre a possibilidade de essa existência cuja totalidade sempre nos escapa ser cíclica (talvez, a morte seja um recomeço; talvez esse “eu”, esse sentimento de “eu” singular, diferenciado, irrepetível seja eterno; talvez, haja reaparecimentos de sua unidade e cada novo reaparecimento implique o apagamento da consciência de outros tantos reaparecimentos anteriores.).

O que aconteceria, se nós soubéssemos de onde viemos (não a nossa origem na longa cadeia evolutiva; Darwin já nos ensinou a respeito dela...); refiro-me ao espantoso acontecimento da vida (questão metafísica, porque envolve o sentido transcendente)... o que aconteceria, se nós soubéssemos qual é o propósito da vida e onde ela desembocará? Seríamos, por isso, mais felizes ou infelizes? Seríamos menos angustiados? Nossas inquietações cessariam? Seríamos capazes de rever nossas metas, nossas ambições? Ainda continuaríamos prisioneiros de nossas paixões destrutivas? Empregaríamos ainda nosso ser a serviço do dinheiro, o deus da prática? Ainda estaríamos dispostos a fazer guerras, a acumular riqueza e a ostentá-la?... A vida é um grito no silêncio, nesse grandioso silêncio que se estende pela infinidade do Universo. Estamos imersos nesse silêncio, nesse mistério silencioso, por isso a vida é mesmo absurda, porque excede nosso peculiar excesso de consciência (embora ele não se verifique em muitas pessoas, para a felicidade delas). Viver transcende a consciência, o entendimento. Porque a vida se acha de permeio entre as duas pontas deste instigante Mistério. Nós estamos imersos nele, tentando respirar com nossos pensamentos e levando a vida à sombra dos rastros da morte. A morte deixa pegadas na vida; ela sinaliza para nós que seja qual for a medida da dimensão de nosso projeto, seja ele grandioso, seja modesto, a vida que a ele se entrega pode ser pulverizada, num instante de desatenção ou imprudência. A vida mata a vida; outras vidas matam outras vidas. A morte é inexorável; é necessidade (afinal, tudo que vive tem de morrer); a vida, contingente e frágil; e o Mistério, a orla da loucura. Por isso, é prudente quem não se detém a pensá-lo; sua profundeza pode absorver nossa alma, sugá-la, dilacerá-la; ou pode atravessá-la como uma lâmina que expõe as metades de uma laranja. E o sentido, cuja integridade nos esforçamos por construir e preservar, se estilhaça. E o absurdo ecoa do silêncio da grande questão do Ser (ele nos previne: ‘É bom que não me toque’). A questão do Ser fora assim expressa por Leibniz: “por que existe alguma coisa ao invés de nada?”. Alguns comentadores julgaram-na sem sentido: nada, por definição, nega a existência; é o não-ser. Por que o ser ao invés do não-ser? Por que estamos aqui? Poderíamos não estar aqui? Sim, diz a razão, ao que tudo indica, a existência é contingente (poderia dar-se ou não). Agora, estamos no âmago do Mistério, onde nossos pensamentos minguam e correm o risco de se diluir...