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domingo, 28 de outubro de 2012

"Que nossa emancipação como seres humanos se inicie na construção de relações intelectuais mais verdadeiras com o mundo" (BAR)


                  


                         O sonho e o pesadelo da credulidade


Ontem, assisti, no Discovery Channel, um documentário interessante sobre  uma possível erupção solar que ejetará o que os astrônomos chamam “massa coronal”, no dia vinte um de dezembro deste ano. Essa massa se constitui de partículas (especialmente, prótons) que seguindo no curso até a Terra , atingem-na e causam danos em seu campo magnético. O fenômeno conhecido como ejeção de massa coronal, consiste em grandes erupções solares de gás ionizado, em alta temperatura. Os cientistas já observaram que o campo magnético da Terra está se enfraquecendo, de modo que o efeito das erupções solares pode ser cada vez mais danoso. Alguns cientistas acreditam que, em breve, uma erupção solar possa danificar nossos satélites e causar um black-out em todo o mundo. A restituição da energia elétrica, em tal condição, levaria uns dez anos. Há outras consequências mais catastróficas no impacto provocado pela ejeção de partículas radiativas em nosso planeta. O leitor que desejar saber sobre essas consequências poderá assistir ao vídeo do documentário, cujo link é http://www.youtube.com/watch?v=phsnr5KvZF4.
É o mesmo o sol que nos aquece, que nos ativa no organismo a vitamina D, que permite aos vegetais realizar a fotossíntese, que é a fonte de energia primária de nosso planeta, e que pode aniquilar toda a vida existente nele. O mesmo universo que mantém a vida traz em si o germe de sua destruição (alguns asteróides, escapando a sua órbita em torno do sol, podem representar uma ameaça à nossa sobrevivência). O mínimo de compreensão das condições do Universo é suficiente para rechaçar a crença em sua perfeição. Quem se preocupar em compreender a forma como a vida se dá na natureza também chegará, sem dificuldades, à mesma conclusão.  O exemplo a seguir, dado por Dawkins, em seu O Gene egoísta (2007), é muito pouco adequado à concepção de uma natureza perfeita:

“Os louva-deus são insetos carnívoros (...). Na época do acasalamento, o macho se arrasta com cautela na direção da fêmea, monta sobre ela e copula. Se tiver a oportunidade, a fêmea o come, começando por lhe arrancar a cabeça, quando o macho estiver se aproximando, logo que ele tiver montado nela, ou ainda depois que tiverem se separado. Para nós, pareceria mais sensato que ela esperasse a cópula se completar antes de começar a devorá-lo. Porém, a perda da cabeça não parece privar o restante do corpo do seu cadenciado movimento sexual. Na realidade, uma vez que a cabeça do inseto é a sede de alguns centros nervosos inibitórios, é possível que a fêmea melhore o desempenho sexual do macho ao lhe devorar a cabeça. Se assim for, isso seria um ganho secundário. O benefício primário é a boa refeição que ela obtém”.

(p. 44)


Eu não estou preocupado em salientar qualquer questão de moralidade envolvida na prática do louva-deus fêmea , ao devorar a cabeça de seu parceiro sexual, já que a moral não se aplica ao comportamento selvagem. O que quero mostrar é que, embora possamos compreender as razões evolutivas que levam a fêmea do louva-deus a devorar o macho (ao devorá-lo, ela se beneficia com a possibilidade  de continuar  subsistindo – na verdade, Dawkins mostrará que são os genes os beneficiários), é difícil imaginar como tal prática poderia se integrar numa ordem natural “perfeita”. Num mundo perfeito, penso que seria mais plausível que indivíduos da mesma espécie não devorassem uns aos outros, especialmente quando estabelecessem um laço de procriação. Num mundo perfeito, os terremotos, vulcões, tornados, furacões, ciclones, estiagem são dispensáveis; igualmente dispensáveis seriam as doenças.
De que temos várias razões para dizer que o mundo não é perfeito, que a vida poderia ser melhor não há dúvida. Mas as dificuldades que encontramos na vida podem ser engrossadas com as nossas interpretações supersticiosas das ocorrências do real. Veja-se, por exemplo, o caso, muito comum, de pessoas que acreditam que “olho gordo” ou inveja pode ter um efeito nocivo à sua vida. Creem que um sentimento possa, por si mesmo, modificar alguma coisa na realidade objetiva. Você pode imaginar quão terrível seria um mundo em que também a inveja alheia, em si, pudesse acarretar-lhe alguma infelicidade? Mas muitas pessoas acreditam que, além de se proteger contra a ação das pessoas, também devemos nos proteger contra a sua inveja, cuja simples manifestação pode afetar negativamente o curso de nossas vidas.
Você pode imaginar ainda um mundo em que, além de nos preocuparmos em trancar nossas casas, em levantar muros altos e imponentes, com um sistema de arcos energizados, para guarnecer nossas casas, ainda tivéssemos de nos preocupar em nos proteger contra os demônios ou as influências de entidades malignas que atuariam por intermédio de trabalhos de macumba, feitiços e outras formas de evocação sobrenatural?
Em tais circunstâncias, não nos surpreenderíamos se a vida nos tornasse desalentadora e insuportavelmente aterrorizante.
Felizmente, lhe trago uma boa notícia: as forças malignas como realidades ontológicas não existem. Não há qualquer evidência de que um demônio exista e tenha possuído uma pessoa. Não há razões para acreditar que a inveja possa nos prejudicar objetivamente. Não há relação entre o fato de uma pessoa nos invejar e nós perdermos o emprego, a menos que essa pessoa, por inveja, seja motivada a fazer perdê-lo. Mas, nesse caso, não é a inveja que produz o efeito, mas a ação da pessoa invejosa. O desejo em si não produz realidade. Não é por que eu desejo que haja vida após a morte que, necessariamente, há ou haverá vida após a morte. Quão distante ficamos de uma verdadeira compreensão da realidade!
O apelo que eu faço é que procuremos interpretar o mundo com empenho racional. Que não deixemos que nossa capacidade de imaginação nos represente um mundo ‘perfeito’, onde tudo ocorre segundo uma Providência que visa ao bem, ou mais aterrador, onde um substrato maligno opera com o propósito de nos causar prejuízos. Um mundo onde demônios e outros seres malignos duelassem, numa guerra cósmica, contra seres benignos pelo controle do universo, tendo-nos como seus receptáculos ou “soldados cósmicos”, seria um mundo onde viver se tornaria muito mais desagradável (eufemismo).