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terça-feira, 25 de agosto de 2015

A formação da subjetividade cristã





A formação do sujeito cristão à luz do pensamento 
de Clemente de Alexandria e de Justino[1]


É com base na tese de Pierre Hadot, segundo a qual a filosofia antiga é exercício espiritual, visto que se destina a cunhar modos de ser, que nos cumpre elucidar a formação do sujeito cristão à luz do pensamento de Clemente de Alexandria e de Justino.
É impreterível dizer, de início, que Clemente, contrariamente ao costume, em sua época, de rejeição à filosofia, esforçou-se por mostrar que a filosofia era um bem e que aqueles que a ela se dedicavam estavam cumprindo a vontade do próprio Deus. À filosofia antiga cumpria a tarefa pedagógica de conduzir os gentios para Cristo, tal como a antiga Lei servia para encaminhar os judeus a Deus. A filosofia, portanto, é útil, segundo Clemente, também para aqueles que professam a fé cristã. É a filosofia que instrumentaliza os cristãos para a defesa de sua fé. Todavia, a fim de que ela cumpra satisfatoriamente sua função no cristianismo, faz-se mister que se circunscreva ao domínio de sua competência. A filosofia deve ser uma serva da fé; sua função é, pois, auxiliar a fé. Decerto, a filosofia continua a lançar luzes sobre o caminho dos que se convertem ao cristianismo, conduzindo-os a Cristo, com a ajuda de argumentos racionais; mas é Cristo, o Lógos divino, que se apresenta na qualidade de condutor, de Pedagogo, interpelando cada indivíduo em sua singularidade.
A formação de si, no cristianismo, não pode ser compreendida, sem que antes esclareçamos de que modo o cristianismo se apropriou e reinterpretou o lógos grego. O Lógos cristão é o Verbo que se fez carne; é um princípio metafísico e prático, porquanto pessoal e fundador de uma relação interpeladora (o sujeito cristão se faz sujeito na interpelação por esse Lógos). O Lógos é o Pedagogo (Cristo), que conduz cada indivíduo humano à Salvação.
A formação do sujeito cristão se dá, por conseguinte, mediante a pessoalização do princípio, que é o Lógos. Esse Lógos, que é Cristo, que é Deus que se fez carne, condiciona-nos, de sorte que não é possível ao homem viver uma vida virtuosa e justa senão pela obediência ao Pedagogo.
É importante notar que, na tradição cristã, o homem é um composto de razão e paixões. Estas formam sua corporeidade, sua carnalidade, sob cujo jugo a razão cai facilmente. É na articulação do lógos humano com o lógos divino que pode o homem viver uma vida virtuosa. No entanto, é tão somente pela condução do Pedagogo que o homem pode articular sua razão à razão divina. O Verbo divino se doa na pessoa do Pedagogo. Saliente-se que a condição de possibilidade daquela articulação consiste no fato de que o lógos humano é análogo ao lógos divino.
O poder “firme, venerável, consolador e salvador” do Pedagogo possibilita ao sujeito cristão a perseverança na fé, que é um hábito firme e constante; é o lugar do viver racional, a própria vida razoável. Na perseverança na fé, o sujeito cristão, conduzido pelo Pedagogo, não só conhece a Verdade, a cuja busca se lançou a filosofia pagã, mas a vive, porque a Verdade, identificada com Cristo, é agora uma pessoa; a Verdade é, para o cristão, um modo próprio de existência, é a realização plena de sua subjetividade, que deve sua constituição ao princípio (O Verbo), o qual é o horizonte pelo qual se devem pautar os comportamentos humanos.
Chamado por Tertuliano de filósofo e mártir, Justino encontrou na fé cristã a verdadeira filosofia. Embora admitisse que os filósofos gregos, como Platão e os estóicos, porque se dedicaram a conhecer e praticar a verdade, tomaram parte do Lógos, razão por que foram considerados cristãos anteriores a Cristo, não o possuíram integralmente, senão em gérmen. Ora, Justino sustentou que a integralidade do Lógos só aparece em Cristo, para cujo conhecimento pleno é indispensável a fé cristã.
Justino acreditava que o Lógos é odiado pelos demônios, contra os quais Ele trava uma luta incessante. Todos aqueles que vivem consoante o Lógos e se afastam dos vícios compartilham o mesmo destino doloroso. Este destino não é extensivo apenas aos cristãos, mas também a filósofos como Sócrates e Heráclito que, conquanto não participassem inteiramente do Lógos, tomaram parte desse destino doloroso dos cristãos. Os antigos filósofos foram considerados por Justino como irmãos, porquanto teriam aspirado à vida cristã.
Tendo em conta o exposto, a subjetividade cristã, segundo Justino, se constitui e se afirma como vida e força em Cristo. Somente os cristãos participam da integralidade do Lógos; e também somente eles conhecem os tormentos do fogo. O martírio é o lugar da afirmação da transparência do sujeito cristão; é na fé cristã que o sujeito cristão afirma sua autenticidade.
Justino acreditava que a Providência se pronuncia mediante o martírio. No martírio, os cristãos não só afirmam sua fidelidade à Verdade que lhes foi revelada, mas também se elevam ao status de co-responsáveis pela conservação da Criação. É a fé cristã que a conserva: se não fossem os cristãos, perseverantes, sem temor, no anúncio da verdade que viram, Deus teria destruído tudo que existe.




[1] Trabalho final da disciplina História da Filosofia Medieval I (UERJ). Este texto foi avaliado com a nota máxima.