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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

poesia - "Com um véu negro e lúgubre me cubro para revelar-me por inteiro em minhas entrelinhas" (BAR)







Auto-retrato

Sinto o despontar desta verdade robusta,
carnal e demoníaca
Prefiro as noites, as madrugadas
as escuridões profundas
A tudo que é luz, que é claro, ensolarado
e ofuscante me oponho
congregando minhas forças instintivas
Resisto como os morcegos e as corujas.

Caminho nas sombras soturno
Inclino-me às trevas líricas
Com um véu negro e lúgubre me cubro
para revelar-me por inteiro nas minhas entrelinhas.

O niilismo é a minha morada
O caos é o que percebo
quando não procuro, como, aliás,quase todos, ordem
num mundo absurdo.

Prefiro Nietzsche a Descartes
Schopenhauer a Kant e a Leibniz
Mas não me recuso a trilhar o caminho de Epicuro e de Sêneca
Na busca por inspecionar a “vida boa”.
Contudo, a eudaimonía – a felicidade, não espero encontrar
ao longo do caminho, pois que acompanhando Aristóteles
Reconheço-a como atividade, esforço ativo e disso me convenço.

Não espero um além do real
Ouso transitar junto à orla de abismos com pensamentos
Em noites tenebrosas, plenas de alento já me afundei
Conheci os infernos psíquicos
únicos que me parecem reais –
se bem que sejam representações de uma maquinaria simbólica
que se assenhoreia de mim.

O Amor me curou de mim mesmo
E eu dele me curei, quando quebrei seu encanto,
e expus suas vísceras trágicas
E compreendi seus ardis
Eros – este miserável deus, filho de Penúria
converteu-se em sintoma de processos bioquímicos
de um cérebro produtor de crenças e de ilusões.

Primado da matéria sobre o espírito
Uma filosofia do corpo contra o dualismo alma-corpo.
O pensamento trágico de um Rosset,
que fez ver uma “lógica do pior”
Pela qual a vida se revela sem mentira e esperança,
“sobre um fundo de morte e nada”.

Mas não sem alegria, não sem grandeza
Pois a morte não é nada,
E a vida, finita.
A morte?
Uma necessidade no âmago da vida:
Tudo que vive DEVE morrer.
Que lugar ocupa o espírito?
Apenas o da tensão entre um materialismo – primado da matéria
e um materialismo como filosofia – exercício de pensamento.

Impossível viver sem ilusões
Ilude-se quem pensa podê-lo
O materialista é aquele que, reconhecendo isso, não pretende
livrar-se de suas ilusões –
porque esforço vão.
É por isso obrigado a se desilusionar incessantemente
de suas crenças ilusórias sem, no entanto, livrar-se delas,
dispõem-nas no seu devido lugar – o das ilusões necessárias.

Eis que entrego estas minhas pinceladas lírico-filosóficas
e com elas pinto-me um retrato autodidático
E nele me reconheço como uma obra não nascida
Que, em se fazendo, se faz esquecida
Conduzida, no entanto, a uma posteridade
que tratará de ignorá-la.


(BAR)