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terça-feira, 5 de junho de 2012

"A identidade entre ser e dizer: eis meu desafio" (BAR)






“O mundo não é dado a principio.

Ele se faz através da estratégia humana de significação”.
                                          

                                                                                                                                         (Patrick Charaudeau)



                           

                             Os saberes das Letras





Eis o essencial:


 

A linguagem é própria do homem. Desde a Antiguidade que os filósofos o repetem, o que vem sendo confirmado pelas ciências sociais através de suas análises e experimentos.

É a linguagem que permite ao homem pensar e agir. Pois não há ação sem pensamento, nem pensamento sem linguagem. É também a linguagem que permite ao homem viver em sociedade. Sem a linguagem ele não saberia como entrar em contato com os outros, como estabelecer vínculos psicológicos e sociais com esse outro que é, ao mesmo tempo, semelhante e diferente. Da mesma forma, ele não saberia como constituir comunidades de indivíduos em torno de um “desejo de viver junto”. A linguagem é um poder, talvez o primeiro poder do homem.

Mas esse poder da linguagem não cai do céu. São os homens que o constroem, que o amoldam através de suas trocas, seus contatos ao longo da história dos povos. Assim, é forçoso considerar que a linguagem é um fenômeno complexo que não se reduz ao simples manejo das regras de gramática e das palavras do dicionário, como tendem a fazer crer a escola e o senso comum. A linguagem é uma atividade humana que se desdobra no teatro da vida social e cuja encenação resulta de vários componentes, cada um exigindo um “savoir-faire”, o que é chamado de competência”.



(Patrick Charaudeau – p. 7)



Estamos na linguagem e a linguagem está em nós. É disto que se trata: de paixão. Do que sofremos e do que diante do qual nossa vontade se cala. É de passividade que se trata, portanto da paixão, do que se sofre e do que faz sofrer. Na filosofia aristotélica, a paixão inclui-se entre as categorias primeiras do ser, a saber, a quantidade, a qualidade, a relação, o tempo, o lugar, a situação, a ação e a posse. Nela, paixão pressupõe a ideia de passividade (“ ser queimado”, “ser ferido”). É também da paixão romântica que se trata, que não é senão desejo, exaltação, sentimento impetuoso, devastador. Da paixão que nos arrebata e nos impele a agir segundo o desejado. Para o bem ou para o mal, a paixão nos move. Seu valor depende do objeto do desejo. Se o álcool ou entorpecentes, paixões destrutivas; se o amor à verdade, paixão nobre. É da paixão nobre que se trata, portanto. Porque do amor à linguagem, do amor ao ensino pela/sobre a linguagem. Não é da paixão, contudo, que trata este texto, visto que ela é antes o que anima meu espírito a escrevê-lo.

Pensamentos são lampejos do espírito; aparições intangíveis que nos despertam. Por vezes, é preciso estampá-los numa folha de papel para que o essencial deles não se nos perca. Receio não tive o devido cuidado ultimamente, pois que deixei escapar pensamentos grávidos de reflexões. É vão tentar recordá-los agora. Outros pensamentos se fazem necessários ao desenvolvimento deste texto; possível é que guardem certa afinidade com aqueles que me esqueceram.

Absorto em leitura variada, tendo a alma abarrotada de questões, luto cotidianamente contra o excesso de consciência e persevero na busca por podar a excrescência. De tantos temas que me sabem ao espírito, quais me são mais interessantes ou urgentes, para fins de verbalização? Eis outra questão com a qual me debato. Decerto, a linguagem está entre essas questões mais interessantes; no entanto, tão-logo me aproxime dela, avulta-me à consciência sua fascinante complexidade e, ao invés de me deter a explicitá-la, deixo-me admirá-la com meus pensamentos (silenciados, é claro). Receio que eu não tenha podido despertar meus alunos para o maravilhoso universo da linguagem. Queria ter podido dar-lhes a conhecer outras tantas coisas que sei (porque aprendi, lendo) sobre a linguagem e que eles ignoram. Talvez, seja chegada a hora de tratar um pouco dessa complexidade. Elenquei alguns temas que poderiam engendrar reflexões futuramente. Sete temas que me parecem sobremaneira interessantes. A diversidade que eles parecem evocar ao espírito é apenas aparente, porque, de resto, todos tocam ao âmbito da linguagem, uns mais diretamente; outros menos. Mas – insisto – todos dizem respeito à linguagem, esse maravilhoso fenômeno psíquico-biológico e sócio-histórico que a tudo perpassa e que nos constitui enquanto seres humanos, homo loquens.



Tema 1 – A fabricação do real



De fato, um tema essencial. O que é isso que chamamos realidade? Ela existe independentemente de nós? Que relação tem ela com a linguagem? Como estar certos de que vivemos num mundo real e não virtual? Que relação há entre a realidade e o nosso cérebro? Que papel desempenha a cultura em relação à realidade? E as questões podem ser multiplicadas...



Tema 2 – A questão da verdade e da teoria



O que é a verdade? Como a ciência estabelece o que é verdade? Que relação há entre verdade e realidade? Ou entre verdade e teoria? Ou entre teoria e realidade? Eis no que é preciso pensar e repensar: a relação entre verdade, realidade (impensável sem a linguagem) e teoria? A verdade é relativa ou absoluta? O que significa dizer que uma proposição como “Está chovendo agora” é verdadeira? A verdade é um valor? O que nos impede de atribuir valor de verdade a enunciados como “Talvez, chova mais tarde” ou “Eu espero viajar no mês que vem”? Que relação há entre verdade e linguagem? Questões para a filosofia, é claro!



Tema 3 – A questão da identidade



Outra questão que me move a alma. O que é identidade? Depende do campo teórico em que nos situamos (da filosofia, da psicologia, das ciências sociais ou das ciências linguísticas). As identidades são construídas na e pela linguagem. Não há identidades fora de seus quadros. É no interior do discurso que elas são construídas e reconstruídas continuamente. Daí podermos falar, com Charaudeau, em identidade discursiva, indissociável da identidade social. Aprecio, especialmente, a forma como o autor francês expõe o paradoxo subjacente à construção da identidade, que em si mesmo, nos estimula a aventurar-nos nesse terreno: “cada um precisa do outro em sua diferença para tomar consciência de sua existência, mas ao mesmo tempo desconfia deste outro e sente necessidade ou de rejeitá-lo, ou de torná-lo semelhante para eliminar a diferença. O risco está no fato de que, ao torná-lo semelhante, perca um pouco de sua consciência identitária, visto que esta só se concebe na diferenciação”.

(http://www.patrick-charaudeau.com/spip.php?page=imprimir_articulo&id_article=243)



Tema 4 – A questão do ethos



Outra questão cujo desenvolvimento só é possível, se levamos em conta os atos de linguagem, porque do ethos, que é a imagem de si construída pela tomada da palavra pelo sujeito, nada se poderá dizer. Em todo ato de linguagem, quando o locutor toma a palavra constrói uma imagem de si mesmo, com vistas a garantir seu sucesso argumentativo; mas também constrói uma imagem de seu interlocutor; e este constrói uma imagem de si mesmo e do locutor (imagens recíprocas). Ambos, ao usarem a linguagem, fazem uma representação de sua pessoa e um da pessoa do outro. Daí para o conceito de faces, do sociólogo Erving Goffman, é um passo. A noção de ethos remonta à retórica, desenvolvida por Aristóteles e reinterpretadas por Cícero e Quintiliano, posteriormente. A noção de ethos, como imagem de si como produto do modo como se fala e, portanto, discursivamente construída, está relacionada à noção de identidade.



Tema 5 – A polifonia e a intertextualidade



Aqui, conviria apresentar uma proposta de interpretação e compreensão textual que fizesse ver como a polifonia e a intertextualidade estão na base de toda e qualquer manifestação de linguagem. É possível diferenciá-las? Se sim, o que as diferencia? As duas noções, que estão inter-relacionadas, nos chama atenção para o fato de que o nosso dizer se coloca numa cadeia de dizeres ou discursos e de que ela se estabelece sobre esses já-ditos. A fala primeira ou o sujeito adâmico são ilusões. Todo texto evoca outros textos; todo discurso é calcado sobre discursos prévios com os quais se relaciona de algum modo; mas também todo discurso projeta outros possíveis discursos-resposta. Falei em cadeias discursivas, mas, na verdade, melhor será dizer memória discursiva, que consiste no espaço da memória social que é condição para o funcionamento discursivo, já que é nela que o sujeito se inscreve. Ela encerra acontecimentos exteriores e anteriores ao texto, instaurando assim a interdiscursividade, que é constitutiva de toda prática de discurso.



Tema 6 – A questão da ideologia



Questão intrigante, por excelência. Complexa, por se prestar a diferentes enfoques, segundo as teorias no interior das quais ela é tratada. Tantos especialistas já trataram dela. Livros como O que é ideologia, de Marilena Chauí; Ideologia, de Terry Eagleton; A questão da ideologia, de Leandro Konder, bem como, Um mapa da ideologia, organizado por Slavos Zizek, nos ajudam a sobre ela pensar. E como não citar os clássicos Ideologia alemã e Manuscritos econômico-filosóficos, de Karl Marx. Mas será em Bakhtin que encontraremos a consideração da relação entre signo e ideologia. Como pensar em ideologia sem considerar as palavras, signos ideológicos por excelência? Interessante é a crítica que Terry faz a Marx nesse tocante.



Tema 7 – a questão da leitura



Todas as questões ventiladas aqui são inesgotáveis, porque demandam sempre novos olhares. E a questão da leitura não é diferente, especialmente quando, considerando-a com mais acuro, nos torna forçoso reconhecer que: a) a leitura é necessária ao aumento da quantidade de leitores-consumidores de livros, garantindo a lucratividade de um mercado do livro e da cultura; b) por outro lado, está ela na base da aprendizagem, tornando possível a elevação intelectual e o desenvolvimento da consciência crítica dos cidadãos. Do prisma do mercado, seu estímulo é interessante porque produz leitores para o consumo de livros; do ponto de vista da educação, é ela fomentadora da liberação do indivíduo, que se apropria do conhecimento e desenvolve sua consciência de cidadania.

Essa dualidade que se acha na base da questão da leitura nos leva a pensar sobre o papel da escola que, originalmente, (e ainda hoje, em nossa sociedade) esteve a serviço de uma pequena elite.



“(...) se as práticas econômicas encontram-se na origem da escrita, as práticas religiosas, a que se vinculam as literárias e as jurídicas, determinam a organização da escola, que se encarregará da difusão daquela ferramenta da linguagem verbal. A escola será dominada pelos religiosos, e seus freqüentadores comungarão os ideias sagrados de que a escrita igualmente se reveste entre seus usuários. A utilização da escrita supõe, em todos os casos, o domínio de seu código, porque não se trata apenas de produzir textos, mas de entendê-los”.



(Regina Ziberman, p. 18 – in: Escola e Leitura, velha crise, novas alternativas)



Eis tudo que eu queria dizer aqui, nas palavras de Antoine, em Como me tornei estúpido. Embora eu saiba que nunca dizemos tudo, só experimentamos a ilusão de tê-lo conseguido dizer:



“(...)Eu não consigo deter o meu cérebro, diminuir o seu ritmo. Sinto-me como uma locomotiva, uma velha locomotiva que se precipita nos trilhos e que não poderá jamais parar, porque o combustível que lhe dá a sua potência vertiginosa, o seu carvão, é o mundo. Tudo o que vejo, sinto, escuto se engolfa no forno do meu espírito e o impele e o faz funcionar em pleno vapor. Tentar compreender é um suicídio social, e isso significa já não desfrutar a vida sem sentir-se, a contragosto, e ao mesmo tempo, uma ave de rapina e um abutre que despedaça seus objetos de estudo”.



(p. 60)



Como deter a efervescência dos pensamentos que se vão acumulando na caldeira do espírito? A importância que os livros têm para mim pode ser expressa na seguinte frase: eles substituíram os brinquedos da infância. Hoje, na fase adulta, entretenho-me com os livros; é disso que se trata quando falo do espaço que os livros ocupam em minha vida. Na infância, era dos brinquedos e das brincadeiras que eu me ocupava; na adolescência, das meninas. Agora, os livros deram lugar aos brinquedos e às paixões primaveris. Pense na criança que ganha um brinquedo e se alegra em dispor dele segundo sua fértil imaginação e saberá como me sinto, ao debruçar-me sobre as páginas de um livro.