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sábado, 28 de fevereiro de 2015

"A gaveta da alegria está cheia de ficar vazia" (Alice Ruiz)

                  

                           Soledad
                 Sobre lembranças intempestivas

“A verdade deste texto só pode ser apreendida naquilo de que ele é um sintoma” (BAR)


Acordou com um desgosto familiar que lhe embarcara em pensamentos ingenuamente criativos e sintomáticos da noite anterior, plena de imaginações. Sonhou o sonho que realizou seus mais recentes desejos. Mas acordou com a insatisfação conclusiva, edificada nos escombros da vigília. Quando já não se pode mais experienciar as alegrias juvenis, porque já se contam no corpo e se cumulam no espírito os vincos de uma idade que irremediavelmente avança, não restam senão lembranças sempre infiéis, pois que nada mais são que distorções, reconfigurações, reconstituições, reinterpretações de alegrias já então transformadas nas memórias que delas se formam. As alegrias de hoje – pensa ele conclusivamente – não têm o viço e a gratuidade que tinham na aurora de sua juventude. Hoje, as alegrias se compreendem como efeitos da liberação de serotonina e endorfina. Quando se avança nos trinta, as alegrias advindas trazem na superfície (porque carecem de profundidade) o carimbo de sua validade. Elas já se experienciam, portanto, formalmente modificadas. O saber assassina a fertilidade que se vivera nos tempos idos. A vida se vai enfraquecendo à medida que se engorda o saber. As preocupações com o amanhã oprimem com uma força desconhecida pelos tempos em que elas podiam dar lugar a alegrias enérgicas e libidinosamente desocupadas da impermanência de suas manifestações. Nisso reside uma recompensa que a idade adulta nos proíbe.
Ele está convencido de que, naqueles tempos, os encontros com os amigos, os flertes inconsequentes, a anarquia das sensações prazenteiras que reivindicavam o gozo irrestrito e incontrolável e que já se esperavam para aquelas ocasiões em que o divertimento não era pensado e problematizado como fuga à angústia de nossa precária condição humana, garantiam alegrias que carreavam promessas dançantes que, como as vagas de um mar revoltoso, agitavam, nos espíritos ávidos de embalos, festas cujas lembranças ficavam a pulsar estonteantemente no dia seguinte.  
Toda a sua rememoração é ofensiva ao passado que se lhe afigura em estilhaços de vivências que, no instante mesmo em que as reconstrói na memória, já estão modificadas ou infectadas por seus sentimentos. Por isso, ele está convencido de que está enganado a respeito da espessura vivaz e sempiternamente prazenteira dessas vivências. As alegrias que ele admira hoje, por sua consistência, nas relações da juventude que da vida deseja costumeiramente reter o melhor, não passam de reflexos do jogo de suas próprias interpretações e sentimentos que não fazem senão lhe fornecer daquelas alegrias uma imagem translúcida que lhe estorva a visão de que, afinal, mesmo os jardins floridos estão repletos de espinhos. Que o sonho reparador desta noite vindoura possa remoçar-lhe a face de seu desencanto!



(BAR)

domingo, 5 de dezembro de 2010

adolescência onírica

                                           
                                        
                                                 Adolescência onírica

Já não me satisfaço mais com migalhas. Não são mais eficazes as doses homeopáticas de amor e amizade. Esses sentimentos estão adoecidos.
A amizade floresce exuberante na adolescência. Nessa fase da vida, ter muitos amigos é indispensável para a formação da subjetividade e identidade do jovem. Se nela o amor é promíscuo, ingênuo e inconsequente, não é menos arrebatador e dolorosamente inspirador. É a época em que abundam as cartinhas de amor, se bem que, no meu caso, essas cartinhas desbordaram a adolescência e continuaram abundantes na fase adulta. Não sei dizer se os adolescentes “descolados” da geração do amor epidérmico ainda escrevem cartinhas de amor.
Um desamor, nessa fase, é, sem dúvida, uma dor funda e lancinante. É claro que ela é superada; mas, enquanto dura, nos corrói as entranhas da alma, nos arrasa como um terremoto. No entanto, os desamores, as desilusões são importantes para o nosso amadurecimento. Sofrer de amor, nessa fase tão repleta de dúvidas, é a única certeza que temos.
Cada fase da vida de um ser humano é decorrente da morte da fase anterior. Assim é que a adolescência se inicia pela morte da infância. O adolescente não gosta de ser chamado de criança; se dizemos de seu comportamento que é infantil, ele se irritará. A fase adulta se inicia com a morte da adolescência. Tomamos uma dose maior de responsabilidade. Sucede, contudo, que essa dose é ministrada com uma grande dose de isolamento; as amizades tendem a se liquidificar. Cada qual segue seu rumo. É bem verdade que muitos sequer superam a adolescência; permanecem adolescentes por um longo tempo na fase adulta. Vivem à superfície, na fragilidade de seus vínculos, pois amar é dor (assim pensam).
Algumas pessoas contentam-se com doses homeopáticas de amor e amizade; mas eu só tenho a oferecer doses abundantes e intensas. A aridez do deserto de suas almas não resiste à exuberância dos jardins de meu desejo. A adolescência permanece pulsante em meus sonhos, não no comportamento; mas, certamente, no santuário de minha alma, onde rezam minhas dores.
Ser menos virtual e experimentar a concretude da realidade com toda a sua textura e contornos áridos – eis o desafio desta minha adolescência onírica!