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sábado, 19 de janeiro de 2013

Você sempre estudou, mas não sabia?


                             
                             
                                A revolta do MAS



Se você é professor(a) de português, é possível que tenha ocupado grande parte de seu tempo em sala de aula ensinando seus alunos a reconhecer e classificar orações, como as orações coordenadas. É muito provável que lhes tenha ensinado, por exemplo, que a conjunção mas pertence à classe das adversativas, as quais estabelecem uma relação de oposição entre duas orações. O exemplo abaixo ilustra o comportamento sintático-semântico desta conjunção:

(1) Este vestido ficou lindo em você, mas é caro.

O aluno mais aplicado classificou a oração “mas é caro” como coordenada sindética adversativa. A essa altura, você já teria explicado a diferença entre os processos gramaticais de coordenação e subordinação; logo seu aluno já saberia por que aquela oração é chamada de coordenada.
Você, professor ou professora, sai de sala convencido(a) de que cumpriu o seu papel. Ensinou um conteúdo e uma grande parte da turma o/a entendeu. No entanto, fica-lhe uma dúvida sobre o significado do propósito em cujo cumprimento você se empenhou. Pergunta-se, afinal, para que serve memorizar e classificar unidades linguísticas, sem levar em conta os propósitos sociointeracionais a que servem. E pondera que usamos a língua a fim de atender a um amplo conjunto de necessidades sociocomunicativas. Nossas expressões linguísticas cumprem diversas funções sociais. Certamente, o “mas” naquela frase cumpre uma função que extrapola o nível frásico. Ele está envolvido em um mecanismo de produção sócio-histórica de sentido. É sobre o sentido que deve recair o foco da minha aula, conclui você.
Decerto, professor ou professora, ao limitar-se a ensinar os seus alunos a reconhecer e classificar orações, ou a identificar e classificar conjunções, seu trabalho estará muito distante do objetivo adequado ao ensino de língua materna a falantes nativos dessa língua, qual seja – não custa lembrar – desenvolver a competência comunicativa deles.
No entanto, se você tomar como pressuposta, em sua prática pedagógica, a ideia de que a língua é uma atividade social que serve, fundamentalmente, à argumentação, então o seu olhar sobre o ensino da língua como um todo e sobre o ensino das conjunções, particularmente, mudará. Note, professor ou professora, o que se perdia, quando da consideração do comportamento da conjunção “mas” no domínio limitadamente frásico.
Todo enunciado que produzimos encaminha outros enunciados num sentido determinado. Cada enunciado encaminha uma ou mais conclusões. Vejamos, então, como se comporta argumentativamente o operador (conjunção) “mas” no enunciado referido acima, e que transcrevo abaixo:

(1) Este vestido ficou lindo em você, mas é caro.

Imaginemos que ele seja proferido numa situação em que um dos interlocutores pretende comprar um vestido.
A primeira observação a fazer é que o “mas” não opõe os estados-de-coisas entre si descritos nas orações. Ou seja, não se opõe “Este vestido ficou lindo em você” a “é caro”. Claramente, não é isso que está sendo colocado em oposição. A oposição existe entre as duas conclusões, cada qual desencadeada por uma oração. Senão, vejamos:

1. Este vestido ficou lindo em você
Conclusão: você deve comprá-lo
Mas
2. É caro
Conclusão: você não deve comprá-lo.

Portanto, o que se opõe, pelo uso de mas, são as respectivas conclusões.
É justamente a parte do enunciado introduzido pelo mas que tem maior peso argumentativo, ou seja, é essa parte que encaminha a conclusão a que o locutor quer fazer inclinar-se o seu interlocutor. Em suma, o locutor pretende convencer o seu interlocutor a não comprar o vestido.
Para cumprir sua intenção, ele faz uso da conjunção (ou operador argumentativo) “mas”. É notável, como ilustrativo de nossa competência comunicativa enquanto usuários da língua, o fato de que, ao ouvir “mas é caro”, na sequência do discurso, o interlocutor poderia perguntar ao locutor se ele está sugerindo que não compre o vestido. Isso mostraria que o interlocutor compreende o efeito de sentido do uso do “mas”. Ele, por assim dizer, “capta” a conclusão a que pretende levá-lo seu locutor, sem que este precise dizer explicitamente “não compre o vestido”.
Finalmente, as conclusões constituem conteúdos inferidos, porque implícitos. E os interlocutores compartilham entre si esses conteúdos implícitos na forma de conhecimento. Ora, eles sabem, por exemplo, que o alto preço de um produto é, muitas vezes, motivo suficiente para desistir de comprá-lo. E eles compartilham esse conhecimento, do qual são socio-culturalmente portadores.