A revolta do MAS
Se você é
professor(a) de português, é possível que tenha ocupado grande parte de seu
tempo em sala de aula ensinando seus alunos a reconhecer e classificar
orações, como as orações coordenadas.
É muito provável que lhes tenha ensinado, por exemplo, que a conjunção mas pertence à classe das adversativas,
as quais estabelecem uma relação de oposição entre duas orações. O exemplo
abaixo ilustra o comportamento sintático-semântico desta conjunção:
(1) Este vestido
ficou lindo em você, mas é caro.
O aluno mais
aplicado classificou a oração “mas é caro” como coordenada sindética adversativa. A essa altura, você já teria
explicado a diferença entre os processos gramaticais de coordenação e
subordinação; logo seu aluno já saberia por que aquela oração é chamada de
coordenada.
Você, professor ou
professora, sai de sala convencido(a) de que cumpriu o seu papel. Ensinou um
conteúdo e uma grande parte da turma o/a entendeu. No entanto, fica-lhe uma
dúvida sobre o significado do propósito em cujo cumprimento você se empenhou.
Pergunta-se, afinal, para que serve memorizar e classificar unidades
linguísticas, sem levar em conta os propósitos sociointeracionais a que servem.
E pondera que usamos a língua a fim de atender a um amplo conjunto de
necessidades sociocomunicativas. Nossas expressões linguísticas cumprem diversas
funções sociais. Certamente, o “mas” naquela frase cumpre uma função que
extrapola o nível frásico. Ele está envolvido em um mecanismo de produção
sócio-histórica de sentido. É sobre o sentido que deve recair o foco da minha
aula, conclui você.
Decerto, professor
ou professora, ao limitar-se a ensinar os seus alunos a reconhecer e
classificar orações, ou a identificar e classificar conjunções, seu trabalho
estará muito distante do objetivo adequado ao ensino de língua materna a
falantes nativos dessa língua, qual seja – não custa lembrar – desenvolver a competência comunicativa
deles.
No entanto, se você tomar
como pressuposta, em sua prática pedagógica, a ideia de que a língua é uma
atividade social que serve, fundamentalmente, à argumentação, então o seu olhar
sobre o ensino da língua como um todo e sobre o ensino das conjunções,
particularmente, mudará. Note, professor ou professora, o que se perdia, quando
da consideração do comportamento da conjunção “mas” no domínio limitadamente
frásico.
Todo enunciado que
produzimos encaminha outros enunciados num sentido determinado. Cada enunciado
encaminha uma ou mais conclusões. Vejamos, então, como se comporta
argumentativamente o operador (conjunção) “mas” no enunciado referido acima, e
que transcrevo abaixo:
(1) Este vestido
ficou lindo em você, mas é caro.
Imaginemos que ele
seja proferido numa situação em que um dos interlocutores pretende comprar um
vestido.
A primeira
observação a fazer é que o “mas” não opõe os estados-de-coisas entre si
descritos nas orações. Ou seja, não se opõe “Este vestido ficou lindo em você”
a “é caro”. Claramente, não é isso que está sendo colocado em oposição. A
oposição existe entre as duas conclusões, cada qual desencadeada por uma
oração. Senão, vejamos:
1. Este vestido
ficou lindo em você
Conclusão: você deve
comprá-lo
Mas
2. É caro
Conclusão: você não
deve comprá-lo.
Portanto, o que se
opõe, pelo uso de mas, são as
respectivas conclusões.
É justamente a parte do enunciado introduzido pelo mas que tem maior peso argumentativo, ou
seja, é essa parte que encaminha a conclusão a que o locutor quer fazer inclinar-se o seu
interlocutor. Em suma, o locutor pretende convencer o seu interlocutor a não
comprar o vestido.
Para cumprir sua
intenção, ele faz uso da conjunção (ou operador argumentativo) “mas”. É
notável, como ilustrativo de nossa competência comunicativa enquanto usuários
da língua, o fato de que, ao ouvir “mas é caro”, na sequência do discurso, o
interlocutor poderia perguntar ao locutor se ele está sugerindo que não compre
o vestido. Isso mostraria que o interlocutor compreende o efeito de sentido do
uso do “mas”. Ele, por assim dizer, “capta” a conclusão a que pretende levá-lo
seu locutor, sem que este precise dizer explicitamente “não compre o vestido”.
Finalmente, as
conclusões constituem conteúdos inferidos, porque implícitos. E os
interlocutores compartilham entre si esses conteúdos implícitos na forma de
conhecimento. Ora, eles sabem, por exemplo, que o alto preço de um produto é,
muitas vezes, motivo suficiente para desistir de comprá-lo. E eles compartilham
esse conhecimento, do qual são socio-culturalmente portadores.