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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Tá tudo uma merda mesmo, que tragam logo o ventilador!

                                 

                                 A merda e o ventilador


O carnaval se aproximando, e eu ansioso por tirar férias de mim. O que significa isso? Quer dizer que não me ocuparei mais com as minhas inquietações. Deixarei os livros na estante por uma semana. Não lerei uma página sequer. Alhear-me-ei dos espaços virtuais da internet; ficarei desconectado. Verei minha Portela desfilar na avenida, ainda que certo de que ela não vencerá.
Por ora, faltando ainda uma semana para o carnaval, deixo-me navegar em minhas inquietações. Trago-as à cena, na esperança de que o leitor junto a mim medite sobre elas.
Um filósofo também se define por ser aquele que problematiza o que as pessoas em geral apenas vivem.
Confesso que estava aguardando a exibição do Globo Repórter de ontem, com sua matéria sobre o fim do mundo em 2012. Coisa trivial, eu sei, já que o fim do mundo é anunciado desde tempos remotos. Na virada para o ano 2000, o tema estava em evidência (e também os apocalípticos!). Essa visão apocalíptica, que tanto agrada aos pastores evangélicos – e eu diria, à comunidade evangélica – era comum no século I, tempo em que Jesus vivera. Muitos eram os profetas que viviam a anunciar o fim dos tempos. Jesus, aliás, era um judeu e profeta apocalíptico.  Seu ministério fora impregnado de sentido apocalíptico. E ele acreditava que o fim estava próximo, era iminente. Deus viria retomar seu comando sobre o mundo – comando que fora abandonado às forças malignas.
Os alardes em torno do fim do mundo são avivados em condições de profunda ignorância. Os que viveram na Idade Média pensavam que o eclipse era um sinal do fim dos tempos. Hoje em dia, evangélicos batem à nossa porta com revistas que nos apresentam os 10 sinais do fim do mundo, entre eles epidemias, catástrofes naturais, violência, etc. A ingenuidade salta aos olhos! E por que deveríamos nos surpreender, se eles se baseiam num livro escrito em parte por pessoas que tinham obsessão pela destruição completa de tudo que existe? Catástrofes naturais (terremotos, vulcões, furacões...) fizeram parte da formação do planeta e existem desde que o mundo é mundo. A violência existe desde que os homens pisaram com seus pés neste planeta. Nossa História é marcada por conflitos, guerras, combates sangrentos e breves momentos de “paz”. Houve tréguas entre uma guerra e outra, talvez. Mas sempre vivemos em guerra, donde se segue que o desejo de uma paz universal chega a ser risível.
Mas a reportagem do Globo Repórter me decepcionou. Deu-se muito espaço a superstições. Não podiam faltar a numeróloga e o astrólogo, bem como os místicos e uma rapaziada zen e naturalista, que contando com o cataclismo iminente (com data marcada para o dia 21 de dezembro de 2012), se refugiara para regiões altas onde poderia encontrar sossego, oportunidades para meditação e onde poderia harmonizar-se com a Natureza circundante! Alguém deveria avisá-los de que talvez o que quer que venha a causar a destruição do mundo não estará interessado em discriminar entre os harmoniosos naturalistas e os desarmoniosos desleixados, entre os crentes e os profanos, entre os abastados e miseráveis.
A ciência se pronunciou e a NASA acalmou os gozosos do fim! Não, ainda faltam milhares de anos para isso acontecer! Fico imaginando o contentamento dos obcecados pelas profecias da aniquilação do mundo, ao ouvir um cientista dizer que um dia a Vida chegará ao fim. Pena que eles não estarão mais aqui para assistir a tão grandioso e aterrador espetáculo!
Virando a página, passadas as convulsões espirituais em torno desta matéria tão atraente ( o fim do mundo foi adiado!), que tal agora lançar olhares sobre o patético, o trivial? A televisão nos serve pratos cheios disso, não é? O Big Brother já está batido, repisado, mas não custa fazer ver qual não é o desserviço prestado por este programa. Pessoas deitadas em sofás ou em colchonetes conversando sobre quem comeu o quê!! E essa conversa banal, típica do cotidiano de cada um de nós, é exibida para o Brasil inteiro.  E pessoas podem ficar deitadas numa cama, assistindo a uma imagem de uma piscina vazia, ou a de um quarto com pessoas deitadas, ouvindo música, ou dormindo; ou a de duas pessoas cochichando para não acordar os dorminhocos! Esses recortes banais da vida são transmitidos pela televisão e chegam aos nossos lares.
Mal acordei, e enquanto tomava café, procurava algum programa interessante na TV. Passando os canais, vi um pastor pregando à multidão e ele dizia: “não adianta fazer passeatas, este mundo é governado por forças espirituais, minha gente!; o homem pensa estar no comando, mas não está!”  E as pessoas - a massa de consciência embotada - olhava com expressão de seriedade, como se estivesse paralisada; os olhares se fixavam no pastor, e os ouvidos presos às suas palavras extravagantes e escandalosas! E fico imaginando o que estaria lhes passando pela cabeça: “isso é a pura verdade; afinal o que mais explicaria as guerras, a violência, a incapacidade de os homens se amarem uns aos outros e viverem em harmonia?”.  Tem de haver uma influência negativa que nos transcende! Bem, nessas condições desalentadoras, que nos resta senão orar? Conformemo-nos, não há jeito! Arrependamo-nos e busquemos a Deus; a corrupção continuará a vicejar nestas terras brasileiras, a saúde continuará doente, a educação mercadologizada e afundada na crise, jovens de classe média alta continuarão a agredir moradores de rua, travestis e homossexuais; Malafaia continuará pregando contra o homossexualismo; autoridades políticas continuarão apresentando projetos para o ensino da Bíblia nas escolas; nossos policiais e bombeiros continuarão a fazer greves para reivindicar reajuste salarial de tempo em tempo. E as pessoas continuarão a estampar nas redes sociais os lugares-comuns, dando ao amor e aos seus desamores aquele tom hollywoodiano banal, ou os expressarão com frases da psicologia do cotidiano! E professores formados em nossos cursos de Letras continuarão a ler menos ainda do que liam quando eram alunos  e o Brasil continuará a compor o quadro dos países com menor índice de leitores. E o papa virá aqui para falar à juventude e para garantir que esteja presa pelo cabresto da fé; afinal, ela é o futuro da Igreja ou o alicerce da prolongação de seu poder para mais dois mil anos...
Para que dar-se o trabalho de refletir sobre tudo isso? O fim está próximo e o mundo é governado pelas mãos invisíveis dos espíritos, cuja razão de ser é nos atormentar!
Tá tudo uma merda mesmo, que tragam logo o ventilador!