quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Aforismos

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"Ser naturalmente inapto para odiar. É isso uma forma grosseira de desumanização cometida pela natureza. De tudo que a vida me privou, o ter-me privado da aptidão para o ódio foi seu mais poderoso atentado contra mim". (BAR)


"Impulsividade, quer dizer, incapacidade de contar até três. O um é o extremo onde tudo se decide" (BAR)




"Tenho no corpo sensações oceânicas; na alma, inumeráveis precipícios". (BAR)



“Não conseguir odiá-la é a confissão definitiva de meu amor. O sacrifício derradeiro de um amor não realizado. Exercitar o esquecimento: meu grandiloquente tributo nietzschiano ao nunca mais!”. (BAR)

Poema - O excesso de consciência flerta com o desespero

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Corrosão

A vantagem de devotar uma vida ao estudo
É ter o espírito sempre afiado para o dilaceramento
O espírito, tão acostumado à decepção
Pode, assim, satisfazer-se na crítica corrosiva
Que desfia todo o mal que lhe foi causado
Assim, reinstitui-se a justiça que, de resto,
Só evita o enlouquecimento concludente

Há, entanto, um custo muito alto: o excesso de consciência
O excesso de consciência flerta com o desespero
O espírito desesperante se estremece, se agita
Vibra numa cadência fúnebre
Como seja corpo, o espírito precisa resistir ao esgotamento
Privado que foi do poder de sua mais forte expressão!
O gozo interdito precisa encontrar uma solução
Tendo julgado inútil o suicídio,
Resta-lhe o enfrentamento, o embate, de resto
                                                 [uma causa perdida
É que o espírito desesperante – (diga-se filosofante)
Sabe que só a morte é eterna
Que a sexualidade não tem outro sentido senão
vencer o infinito pelo Eros
E tendo se demorado na reflexão das razões,
Conclui (sem certeza)
Que deve adorar a vida pela infinidade de motivos
que não a sustentam

Entanto, adorando a vida, sabe
Assim começou a luta: ou a existência ou eu.
E ambos saímos diminuídos e vencidos

Um pesar que ninguém entendeu: o de ser pessimista
Não é fácil cortar relações com a vida
E ver tudo que mais estima transformado
Em fogos-fátuos do Vazio que o absorve




(BAR)

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Poema - Conheço-o bastante para não pactuar com o desejo de sua existência

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A infidelidade à Vontade

Da próxima vez eu prometo
Que nada prometerei
Eu prometo que desconfiarei
De quem me disser
“Que em seu caminho Deus me pôs”
Prometo não trair-me a mim mesmo
Não conciliar-me com a mentira!
Rirei na certeza de que nada significo
Pois Deus é puramente um nome”
Nada significa para mim
Deus e o Nada são como os avessos
De uma moeda antiga

Então, darei as costas
Não sem antes advertir
“Não pronunciarás o nome de Deus em vão”
O nome de Deus cheira mal
Cheira-me à podridão, à hipocrisia!
Deus foi o erro mais grave da humanidade!
A maldição da História!
Deus foi o pior dos crimes!

E querem chamar Deus de amor
E assim aviltam o amor, já tão maltrapilho
“Deus é amor”
Que significa essa proposição?
Que Deus e o amor são uma ilusão

Não me comprometam com Deus
Pois que me ofendem
Não que Deus seja-me ofensivo,
Já que Nada é, não pode sê-lo
É que o conheço bastante
Para não pactuar com o desejo de sua existência

Admiro apenas os cristãos
Que, ao crerem saber a vontade de Deus
São a ela fiéis
Ser fiel à vontade de Deus
É saber que Deus é infalível
Um Deus equivocado merece repúdio!
Devotos equivocados
Na direção da vontade de Deus
São meros encenadores

A modernidade tornou Deus blasè
Outrora Deus frequentava o indizível
O impensável
“Aquilo em relação ao qual não se pode pensar algo maior”
Deus presidia solenidades
Se bem que já era fiador de indulgências
O porteiro dos Céus!

Hoje, Deus já não afiança como outrora
A própria Vontade de Deus altera-se segundo as conveniências,
Deus já não tem mais vontade alguma
A vontade de Deus não é mais necessidade;
O fiel não medita sobre a Vontade de Deus,
Crer chegar a ela a posteriori
“Não foi dessa vez!”
“Não foi a vontade de Deus!”

Que decadência da Vontade!

(BAR)

                     

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Poema - "O caminho da filosofia não leva a qualquer solução última" (BAR)

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"E olhei eu para todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também para o trabalho que eu, trabalhando, tinha feito, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do sol."


Tudo é vaidade


Tudo em meu corpo é tumulto
Desconheço os processos orgânicos
Que me atormentam, me desorientam
Sinto o tumulto, eu o sei, e isto basta!

É tempo de retornar aos livros,
Ouvir novamente os filósofos:

“Depois da realização final do grande trabalho,
[todo amante] acaba sendo enganado: pois a ilusão desapareceu”
[Schopenauer]
“Seja de que maneira for, case-se. Se conseguir uma boa esposa, vai ser feliz; se conseguir uma péssima, vai ser filósofo”
[Sócrates]
“O amor é apenas o desejo das espécies de sobreviverem,
a necessidade de propagar as espécies”
[Schopenhauer]
“Amor é algo ideal, casamento é algo real; a confusão entre real e ideal nunca sai impune”
[Goethe]
“O que é o amor verdadeiro em si, a não ser uma ilusão? Se víssemos quem amamos realmente como é, não haveria mais amor na Terra”
[Rousseau]
“Ah mulheres. Tornam os pontos altos, mais altos, e os baixos, mais frequentes”
[Nietzsche]
“O jardim do amor é um lugar repleto de pedras, com ervas daninhas”
[John Dewey}
“Conseguir um marido é uma arte; mantê-lo é um trabalho árduo”.
[Simone de Beauvoir]
“Amar alguém é estar disposto a envelhecer com essa pessoa. Não sou capaz de tanto amor”
[Camus]
“O amor é um tipo de doença que não poupa nem o inteligente nem o tolo”
[Camus]
“O problema é que há corpos e, pior ainda, órgãos sexuais”
[Louis Althusser]
“O amor não existe. O que existe é uma necessidade física de relação sexual e a necessidade racional de uma companhia ao longo da vida”
[Liev Tolstoi]
“O casamento é a sepultura do amor”
[Beecher]
“Se o bom-senso tivesse sido consultado, quantos casamentos jamais teriam sido realizados?”
[Thoreau]
“O amor toma a frente quando o conhecimento desaparece”
[São Tomás de Aquino]
“É fácil odiar e é difícil amar”
[Descartes]
“O homem sabe que o amor existe, mas não o que ele é”
[Swedenborg]
“O amor é uma doença mental séria”
[Platão]
“O amor é tudo; dá tudo e tira tudo”
[Kierkegaard]

A lista poderia ser estendida,
Se nos dispuséssemos a consultá-los
A questão, no entanto, permanece a mesma:
O que faço com ela?
Que pode fazer a filosofia contra os tentáculos do desejo?

“Por que o amor é mais rico que qualquer outra experiência humana possível, e um doce fardo a quem é capturado em suas garras?
(Heidegger)

“O amor é irracional. Não há nada que possamos fazer em relação a isso”.
(Arendt)

Nenhuma cura, nenhum antídoto pode-se esperar da filosofia
O caminho da filosofia não leva a qualquer solução última
O exercício filosófico é um combate incessante contra
Nossas ilusões de felicidade plena na Arcádia
Não por acaso é este caminho tão pouco atraente para o vulgo


(BAR)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Poema - quanto do amor podes suportar?

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Não quero a sorte de um amor tranquilo


O amor é uma corda estirada entre as extremidades de um abismo
Como pretender que caminhemos nos equilibrando nela?
Existir é uma experiência tensionada: há muitos riscos, nenhuma garantia
E o caminho é infindo quanto mais caminho mais distante fico
Das regiões para as quais se inclina meu desejo
Toda minha fisiologia é marcada por tensões, arroubos e vazios
Sou atraído pelas profundezas, pelos recônditos do lirismo oceânico
O amor deve ser uma inundação de corpo, uma escavação do espírito
Que todo corpo amante seja um templo de adoração do desejo!

Não quero a sorte de um amor tranquilo
Quero um amor que morde, que coma, que aplaque
Todo o tensionamento do desejo que pinga
Eu oscilo entre os extremos, resido nos subterrâneos
De sentimentos que poucos podem habitar
Angústia? Seu nome é intimidade
Conheço-a profundamente, sua nudez congênita

O amor deve ser o mais belo risco, o maior de todos
O mais desconcertante, o mais perigoso salto
Para o vazio do desespero, para a escuridão do abandono
A força de um ser humano se mede pela seguinte pergunta:

Quanto amor podes suportar?


(BAR)

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Poema - Paisagem



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Minha paisagem

Tenho n’alma tempestades ruidosas
Rajadas sombrias, rugidos soturnos
Meu céu é negro e nebuloso
Raios ferozes o tingem de sonhos

Tenho n’alma abismos inalcançáveis
Densas florestas mergulhadas em sombras
Tenho n’alma calabouços impenetráveis
Um palco de amores encenados

Tenho n’alma este mau hábito
De amar sofregamente
Como o navegante à deriva em mar revolto
Desejoso de uma terra firme
Onde o desejo, falta irremediável
Possa descansar seu trabalho interminável


(BAR)