domingo, 25 de setembro de 2016

"E que importância pode ter o fato de eu me atormentar, sofrer e pensar?" (Cioran)

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Eu e minha orientação filosófica

“Não tem que nos doer a transitoriedade das coisas terrestres ou a inexistência das celestes. Que tudo esteja destinado a perecer, que tudo seja vão e fugaz, que tudo careça absolutamente de valor e consistência, isso só pode nos provocar desgosto”.

(Cioran)


1. Primeiras palavras

“A filosofia – escreve Sponville – nada mais é do que a vida tentando se pensar”[1]. Mas que vida é esta – devemos perguntar – que se esforça por pensar a si mesma? Não se trata, naturalmente, da vida em geral, porque a vida se objetiva em organismos incapazes da experiência de pensamento. Somente uma forma de vida é capaz de se voltar reflexivamente sobre a própria vida: a vida humana. A filosofia é, então, o próprio modo de ser da vida humana que se exterioriza como questionamento sobre o que é isto: a existência. Ao afirmar que a filosofia não é outra coisa senão a vida se pensando a si mesma, Sponville nos chama a atenção para a relação intrínseca entre filosofia e vida. Por isso, mesmo que encontremos, na tradição, filósofos elaborando um pensamento que parece divorciado da vida, eles não deixaram de se ocupar, de alguma maneira, das dimensões do problema do viver. O que me interessa aqui não é tanto demonstrar a indissociabilidade entre filosofia e vida, mas elucidar o que entendo por vida à luz de minha orientação filosófica, cujas bases teóricas cumpre-me dar a conhecer ao leitor. Esclarecerei, em tempo, o que entendo por orientação filosófica.
Uma vez que este texto se destina à exposição das bases teóricas que dão corpo e sustentação a minha orientação filosófica, não estarei preocupado em justificar o conjunto de pontos de vista que a estruturam. Não estarei preocupado em examinar o conteúdo e as implicações de cada ponto de vista aduzido. Pretendo apenas lançar luzes sobre o caminho para o qual me sinto fisiologicamente arrastado na constituição de minha experiência filosófica de mundo.
Pensar filosoficamente a vida é ser tomado por uma experiência de viver que se realiza para além da ordem do viver comum. Como eu aceite a visão de filosofia de Pierre Hadot, segundo a qual a filosofia é exercício espiritual destinado a cunhar modos de ser, de tal modo que a filosofia é ela mesma um modo de vida, uma maneira de viver (ao menos é assim que, na opinião de Hadot, a filosofia antiga era experienciada)[2], não posso recusar-me de assumir que o exercitar-se na filosofia é apropriar-se de um modo específico de ser e viver, que difere radicalmente do modo de ser e viver do homem da cotidianidade mediana. A experiência com o pensamento filosófico funda um modo próprio de ser, metamorfoseia o eu daquele que se entrega a tal experiência.
Em consonância com a visão de Michel Henri, segundo a qual “a vida se sente, se experimenta a si mesma” e “a essência da vida reside na autoafecção”, assumo que a vida é fazer uma experiência contínua de si. Ao viver, o indivíduo vive-se numa relação de afecção com o mundo. Vivendo-se, o indivíduo se experiencia num movimento de autoconstituição que será expressão de certo modo de ser afetado fisiologicamente pelo caráter deveniente da vida. Portanto, não se trata aqui de pensar a vida como mero processo biológico que partilhamos com outras formas orgânicas, mas de assumir a vida como uma experiência singular do caráter deveniente do mundo sob o modo como somos afetados por esse caráter. Vida é vida que se sente. Por conseguinte, minha orientação filosófica é consequência de certo modo como eu sou afetado pelo caráter deveniente do mundo, como eu experiencio em mim a dinâmica da vida na condição de Dasein. Minha inclinação a um ou outro filósofo, a uma ou outra questão filosófica, enfim, a uma ou outra orientação filosófica é determinada, em última instância, pelo modo como sou afetado pelo caráter deveniente da vida.
Outra maneira de compreender a vida, que toma parte da constituição de minha orientação filosófica, encontro na pena de Schopenhauer, para quem a vida pode ser vista como um grande sonho. Tanto o sonho como a vida, nota ele, começam de improviso e, muitas vezes, terminam do mesmo modo. A dinâmica do viver se representa na consciência humana como uma sucessão de presentes, cada um dos quais não sendo senão signos da impermanência de nossas experiências. Este ponto que grafo marca o fim de um instante presente que dá lugar a outro instante presente que, no entanto, findará ao terminar de escrever este parágrafo.
Entendo, pois, por orientação filosófica um sistema de compreensão do mundo que, sendo, na verdade, expressão de uma cosmovisão, que se forma pela articulação de ideias, crenças, percepções, sentimentos e valores, orienta o indivíduo que a ela adere em suas relações com os outros e com a totalidade do mundo. A orientação filosófica expressa uma percepção profunda e totalizante do real. Seu aspecto teórico é indissociável de seu aspecto prático, no sentido de que, por ser uma orientação subsidiada pela contemplação filosófica do mundo, a orientação filosófica dá forma a um modo de ser, de pensar e de agir no mundo. Ela vai influenciar decisivamente nas nossas possibilidades de poder-ser. A adesão a uma orientação filosófica tem o peso de um compromisso com nosso ser mais próprio, de tal modo que assumi-la é expor-se a possibilidades sempre já dadas de conflito com outros modos de ser dos outros Daseins com os quais nos relacionamos. Aderir a uma orientação filosófica é fazer a experiência de ser fiel a si mesmo, tão cara a Nietzsche e condição indispensável ao autêntico exercício da filosofia. Deve-se assumi-la como a um destino, mesmo sob o preço da solidão. O filósofo não deve ter a pretensão de agradar a ninguém, de dizer aquilo que os outros querem ouvir, para isso existem os padres.



        2. As três grandes perspectivas de minha orientação filosófica

Minha orientação filosófica combina entre si três grandes pontos de vista, que são, ao mesmo tempo, consequência do modo como sou afetado pelo mundo e expressão da maneira como experiencio fisiologicamente o real.

1ª perspectiva: uma filosofia do desespero, que se assenta na renúncia à crença numa instância suprassensível, à qual se atribui o estatuto de fundamento do real. Essa filosofia insta-nos a querer apenas o real, a afirmar a vida com tudo aquilo que nela há de contradição, dor e sofrimento.

2ª perspectiva: uma filosofia da crueldade do real, que mantém ser a dor e o sofrimento inerentes à dinâmica da constituição da vida.

3ª perspectiva: uma filosofia de combate, que ataca, sem concessão, todas as narrativas, as doutrinas, as ideologias, os sistemas filosóficos que, afinados com uma pretensão messiânica, criam ídolos e/ou valores transcendentes que passam a dominar os homens, tornando-os escravos de suas crenças e de seu fanatismo. Uma filosofia de combate ataca todas as formas de idolatria que estão na origem dos atos atrozes, os quais  constituem o curso da história.

Da perspectiva 1, segue-se que:

a) Tudo que existe está destinado a perecer; o ser se reduz às aparências;

b) Tudo é vão e fugaz, e carece absolutamente de valor;

c) Eu sou um ser contingente, isto é, não necessário; todos os esforços, a labuta, os empreendimentos humanos são atravessados por uma radical nulidade e insignificância;

d) A vida é desprovida de sentido absoluto ou metafísico, e só se conserva como fenômeno irracional.  “Não sei por que vivo – escreve Cioran – e por que não cesso de viver (...) a chave provavelmente reside no fenômeno da irracionalidade da vida, que faz com que ela se mantenha sem motivo”.

e) O mundo e o homem existem sob o modo de uma absurdidade radical; tudo é gratuito. Tudo é desprovido de razão ou necessidade. O mundo se dá como contingência radical, e eu mesmo me apreendo como um ser igualmente contingente;

f) Nada do que existe está destinado a durar; tudo flui. O passado e o futuro não passam de abstrações da consciência; o presente é o próprio real, é a instância das aparências fugidias.

Da perspectiva 2, segue-se que:

a) viver é sofrer; nascer é começar a morrer;

b) a vida se desenvolve como um processo contínuo de geração e destruição implacável de organismos sem qualquer finalidade;

c) A felicidade positiva é uma quimera; só a dor é real (Schopenhauer);

d) A morte é constitutiva da dinâmica do viver e, no caso da vida humana, é constitutiva do modo próprio de ser do homem (finitude);

Somente a vontade cega e irracional pode explicar a razão por que a maioria dos homens preserva a sua existência. Essa vontade os impulsiona a buscar insaciavelmente o prazer que, no entanto, é débil, raro e efêmero. Por isso, estou de acordo com Schopenhauer, ao afirmar que “viver feliz somente pode ter o sentido de viver menos infeliz possível, ou, em poucas palavras, de viver de maneira suportável”.[3]

Da perspectiva 3, segue-se que a filosofia hoje deve se afirmar como filosofia da suspeita, dando novo vigor a um ceticismo engajado que se preocupe em questionar as bases sobre as quais se mantêm os impérios da crença que ameaçam as liberdades individuais e coletivas. À luz dessa filosofia de combate, a história é desprovida de qualquer sentido ou finalidade. Ela não é mais do que o desenrolar de acontecimentos em cujo curso os homens contendem para usufruir do poder e para perpetuar-se nele. A história não é mais do que a luta incessante entre os homens pela dominação sobre o próprio destino da humanidade. O homem é um fantoche daquilo que criou. Ele é um ser delirante: há nele uma força obscura que o impulsiona a aderir a uma verdade que se impõe pelo desejo de poder e de dominação.
Uma filosofia de combate se insurge contra toda pretensão (política, ideológica, filosófica, teológica) de melhoramento do homem; pretensão esta em cujo cerne repousa a crença no sentido da história e na possibilidade de progresso de toda a humanidade. Como advoga Cioran, a história não passa de uma sucessão de massacres. A história se desdobra na forma de enredos que abrigam promessas de felicidade e crimes inevitáveis. O homem, assim, ilude-se ao acreditar que ele é autor da história. Na verdade, é a história que o domina, que o abala, que faz dele um joguete do insolúvel e do intolerável. À proporção que se vão tramando os acontecimentos históricos, os homens vão-se neles enredando como uma presa que em vão tenta escapar da teia onde se encontra e onde seu destino será decidido.
Uma filosofia do desespero mantém que a morte é o nada absoluto ao qual o homem está destinado tão logo nasce. Mas, acompanhando de perto a lição de Heidegger, não precisa ela reduzir a morte ao estado definitivo e irremediável do homem. A morte deve ser pensada relativamente à finitude do Dasein. A finitude do Dasein recobre tanto a morte quanto a destinação do ser em sua abertura constitutiva. No horizonte da morte, a finitude diz respeito ao poder não mais ser do Dasein. Sendo a possibilidade mais própria do Dasein, a morte é um acontecimento sempre iminente em sua existência. Na medida em que o Dasein é um ser-para-a-morte, ele precisa lidar com a transitoriedade própria de suas possibilidades de ser. Nessa lida com suas possibilidades de ser, o real nunca se dá ao Dasein definitivamente, mas sempre limitado pelas suas possibilidades de ser e pelo movimento intrínseco de realização dessas possibilidades de ser. A morte é constitutiva do poder ser que o Dasein sempre é. A morte já está sempre dada como possível irrupção na vida fática do Dasein. Ela é seu poder não mais ser sempre iminente em sua existência.



          3. Uma filosofia ateísta
3.1. O acontecimento da morte de Deus

Uma filosofia do desespero é, necessariamente, uma filosofia ateísta. Ela deve assumir as consequências do acontecimento histórico da morte de Deus.
Para que se compreenda a semanticidade do acontecimento da morte de Deus, sem incorrer no equívoco de lê-la restritivamente como o anúncio da ruína da crença na existência do Deus cristão, devemos ter em conta o que nos diz Nietzsche sobre o conceito de Deus cristão, em Crepúsculo dos Ídolos (2006, p. 27). Escreve Nietzsche: “Todos os valores mais altos são de primeira ordem, todos os conceitos mais elevados, o ser, o incondicionado, o bem, o verdadeiro, o perfeito (...) são subsumidos “pelo estupendo conceito de Deus”. Portanto, Deus é o conceito que abarca todos os conceitos que, forjados na tradição ocidental, dizem respeito ao mundo suprassensível ou meta-empírico. Destarte, a morte de Deus significa, em suma, que o mundo supra-sensível esvaziou-se de sua força e poder de atuação sobre a vida e sobre as formas como o homem (pós)moderno dela se apropria enquanto autoafecção.
Deter-me-ei no esclarecimento da significatividade do acontecimento da morte de Deus anunciado por Nietzsche. Primeiramente, devemos ter em conta que, ao anunciar a morte de Deus, Nietzsche tinha vista o Deus teísta, que é o Deus metafísico cristão. Mas a morte de Deus não pretende significar que Deus não existe; trata-se, na verdade, de dessignificá-lo alijando dele sua base metafísica. A fim de que compreendamos o que significa dizer que Deus está morto, devemos, primeiramente, entender o modo como Deus foi compreendido pela tradição metafísico-cristã. Ora, Deus é o fundamento metafísico supremo do real; é fonte que legitima o comportamento humano; é a instância metafísica doadora de sentido à existência humana. Deus é o princípio de sustentação de tudo que é e, ao mesmo tempo, princípio de inteligibilidade última de todo ente. Deus é a unidade fundante da totalidade. Quais são, pois, os desdobramentos da morte de Deus? A morte de Deus significa:

1) a dissolução da metafísica e de seu poder de estruturação do pensamento e dos comportamentos do homem ocidental;

2) a crise dos sistemas dicotômicos de explicação do mundo, em cujo horizonte um dos elementos da dicotomia funcionava como princípio fundador e legitimador do outro (p. ex., ser x devir; essência x aparência, suprassensível x sensível, etc.).

3) a impossibilidade de pensar em instâncias metafísicas transcendentes como razões últimas do devir. Não há nenhuma realidade transcendente ao devir, a qual seria uma instância garantidora de sentido ao próprio devir.

Em suma, “a morte de Deus dissolve as metanarrativas metafísicas em geral”(Cabral, 2015, p. 68)[4].
O Deus cristão significa o suprassensível por excelência; é fonte criadora e fim de tudo e de todos os entes, sem, no entanto, submeter-se ao devir. O Deus cristão, na condição de criador, transcende toda a criação. Na medida em que esse Deus é uma forma monossêmica de constituição do divino, o significado cristão de Deus determinará a constituição de um corpo vital e condicionará um modo específico de ser do homem e do mundo. O acontecimento histórico da morte de Deus, exaurindo o monossemantismo do Deus metafísico-cristão, destrancará outros modos de ser possíveis. O que seria, então, sentir a vida na contemporaneidade que assiste à consumação do acontecimento da morte de Deus? É experienciar o sentimento de acosmia, ou seja, de pleno abandono num universo vasto, escuro e indiferente, onde não é possível mais encontrar qualquer fonte de sentido último para a existência humana e do próprio mundo; é também, ao menos para os que não buscam mais subterfúgios para escapar ao desespero total que se abre com a tomada de consciência de sua condição insignificante na imensidão cósmica, enfrentar o problema que consiste em explicar por que preferir uma existência absurda ao suicídio. Trata-se do maior problema que a filosofia pós-nietzscheana, ou a filosofia que se pretende ainda necessária em nossa época, deve enfrentar: o problema do suicídio, a que Camus aludiu como o único problema filosófico, deveras, sério. Este é o problema para cujo enfrentamento fui despertado à medida que se me tornava clara minha orientação filosófica. Posso dizer, tendo percorrido ainda um curto caminho da vida e da filosofia, que meu interesse pela filosofia resume-se no enfrentamento deste inquietante problema: por que preferir uma existência sem sentido e marcada profundamente por dores e sofrimentos injustificáveis, cujo início se deu sem razão e cujo fim se dará necessariamente num momento que ignoramos, ao suicídio?


           4. O amor

“Sem o amor, a existência de uma pessoa se mantém dramaticamente incompleta” (Leandro Konder)
Um dos meus temas favoritos para os quais dirijo o vigor de meu espírito é o amor. Sempre que topo com um livro que aborda seriamente – digo, filosófica, sociológica, antropológica, cientificamente – o assunto, procuro comprá-lo, com o interesse de me tornar um pouco menos vulnerável às suas ilusões. Intelectualmente, estou ciente das ilusões a que o estado de apaixonamento amoroso nos expõe, o que não significa que, na prática, eu não me deixe seduzir por elas. Tanto mais que, depois de uma decepção amorosa costumeira, dou-me conta de que me encontrava novamente como uma presa de seus tentáculos.
No que toca aos perigos a que somos expostos na experiência do amor-paixão, refiro apenas dois trechos, colhidos da obra Amor – um sentimento desordenado (2012), de Richard D. Precht. O primeiro trecho é o seguinte: “tudo que imaginamos saber sobre o amor é uma ideia sem um lugar real fora de nossa fantasia.” (p. 253). Nesse trecho, o autor nos adverte sobre o fato de que muitas de nossas representações da experiência amorosa são produtos da fantasia. Por exemplo, a ideia de que o amor é uma experiência de fusão com o outro, de unidade é simplesmente sintoma do desejo, sem que ela mesma tenha algum apoio empírico. O segundo trecho é o seguinte: “o amor não pode ser refutado, apenas decepcionado”. Nesse trecho, somos instados à compreensão de que, apesar de estarmos, na maioria das vezes, enredados em ilusões que produzimos sobre o amor e o amado, quando estamos tomados de amor, a própria experiência de amor não é, necessariamente, algo irreal, passível de ser falseada. O amor nos amarra às suas ilusões, mas nem por isso deixa de ser uma experiência fisiologicamente real e que, por ser real, tende a nos decepcionar.
A experiência amorosa de nossa era líquido-moderna, objeto de reflexão do sociólogo Zygmunt Bauman, pode ser descrita resumidamente na seguinte passagem de Precht: “o amor promove hoje relacionamentos que continuamente são desfeitos de modo unilateral. Se o céu se torna o inferno, podemos romper o vínculo”. (p. 254).
Considerando o que até então já li a respeito do amor, estou convencido de 1) que a pior ameaça ao amor é o ideal e 2) que o amor é um bem tão elevado que não devemos exigir muito dele o tempo todo.
Antes de encerrar, quero, no entanto, externar minha compreensão do amor à luz da visão trágica da vida.
O pensamento trágico, porque afirmador do acaso e do não-ser, segundo Rosset (1989), pensa o real, a vida, como uma experiência dotada de todas as características da festa: “irrupções inesperadas, excepcionais, não sobrevindo senão uma vez e que não se pode apreender senão uma vez”. (p. 127).[5] As ocasiões tanto da vida quanto da festa se dão em um tempo, em um lugar, para uma pessoa. O sabor dessas ocasiões é único, jamais repetível, o que torna cada instante da vida, consoante Rosset, repleto das características da festa, do jogo e do júbilo. Fruir a vida, destarte, depende de que nos apropriemos do kairós, ou seja, que reconheçamos o momento oportuno, o único possível que devemos saber fruir, aproveitar e gozar.
Ora, se a vida se experiencia também sob a dinâmica dos encontros fortuitos, de ocasiões que se nos abrem à fruição por acaso (já que não há Providência e o curso das coisas, portanto, não está predeterminado), a experiência do amor é ela mesma marcada pela gratuidade dos encontros imprevistos, indeterminados, que se dão no próprio movimento da autoexperimentação do viver, o qual carece de uma razão de ser. O acontecimento do amor se torna, portanto, mais importante quanto mais cientes estamos de sua gratuidade, tanto mais dispostos estamos a aceitar o fato de que o amor não nos é um direito que possamos reclamar, que o amor, como todo acontecimento da dinâmica do viver, é uma experiência da ordem do acaso; que não temos, por isso, garantia nenhuma de que o fruiremos. Jogados no mundo com a única garantia de nossa morte inevitável, o encontro amoroso, quando realizado, é suficiente para dividir a humanidade em dois grupos: o dos desgraçadamente felizes e o dos desgraçadamente infelizes. Mas o amor tanto quanto o grau de desgraça que acomete os homens é questão de sorte. Ao nascerem, todos os homens se tornam merecedores de uma única coisa apenas: o túmulo.




[1] COMTE-SPONVILLE, André. A felicidade, desesperadamente. São Paulo, Martins Fontes, 2001, p. 129.
[2] HADOT, Pierre. Exercícios Espirituais e Filosofia Antiga. São Paulo: Realizações Editora, 2014.
[3] SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de ser feliz.  São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 60.
[4] CABRAL, Alexandre M. Morte e ressurreição dos deuses: ensaio de crítica ao monótono-teísmo metafísico-cristão. Rio de Janeiro: Viavérita, 2015.
[5] ROSSET, Clément. Lógica do pior. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.
                                                                                     

sábado, 24 de setembro de 2016

Poema - O cotidiano asfixiou a poesia...















Versos lapidares

O cotidiano asfixiou a poesia
Descorou-a na indiferença da pressa
Arrancou-lhe as vísceras
Tornou-a letra morta
Agora dela só resta
Uma inscrição lapidar
“Aqui jaz um poeta
     Vencido
Por tanto do amor esperar!”

(BAR)


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quinta-feira, 22 de setembro de 2016

“(...) a atividade do intelecto (...) será a felicidade completa humana”. (Aristóteles)

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                    Felicidade e prazer
                  Na Ética a Nicômaco
                                       


Parte do trabalho EUDEMONISMO E HEDONÉ
Um estudo sobre a relação entre prazer e felicidade
nas éticas de Aristóteles e de Epicuro desenvolvido na disciplina Ética I do curso de filosofia da UERJ (2015)



1. A Ética Aristotélica

1.2. O lugar e escopo da ética


Quando Aristóteles faz uma sistematização do saber, ele situa as ciências teoréticas[21] , que buscam o saber por si mesmo, numa posição superior à posição ocupada pelas demais. No seu quadro hierárquico das ciências, às teoréticas seguem-se imediatamente as ciências práticas, após as quais figuram as ciências poiéticas. No grupo das ciências teoréticas, se topam a metafísica[22], a física (da qual fazia parte a psicologia) e a matemática. As ciências teoréticas eram consideradas mais dignas e elevadas. Entre as ciências teoréticas, a mais elevada era a metafísica – ciência que se ocupa das causas ou princípios primeiros.
As ciências práticas também visavam à busca do saber, mas não por ele mesmo, mas do saber pelo qual se pudesse atingir outro fim, qual seja, o da perfeição moral. Nessas ciências, o saber está subordinado à atividade prática, visto que elas dizem respeito à conduta dos homens e ao fim que eles buscam alcançar, através dessa conduta. O termo geral “política” foi empregado por Aristóteles para designar “a ciência complexiva da atividade moral dos homens, quer como indivíduos, quer como cidadãos” (Reale, 2007, p. 97). Posteriormente, a política – “a filosofia das coisas humanas”, foi subdividida em “ética” e “política” propriamente dita, isto é, como teoria do Estado. Escapa aos nossos propósitos alongarmo-nos sobre os desdobramentos que resultam da subdivisão da política, naturalmente. Se aludimos à sistematização do saber feita por Aristóteles, é tão-só para situar a ética entre as ciências que se ocupam da sabedoria prática. A ética está preocupada em investigar os princípios de uma vida conforme à sabedoria filosófica; a ética destina-se à elaboração de uma reflexão sobre as razões de querermos a justiça e a harmonia e sobre os meios pelos quais podemos alcançá-las.
Outra forma de compreender o escopo da ética é começarmos pela consideração do desejo. O desejo – reconhecia Aristóteles – é uma inclinação natural, uma propensão interna de nosso ser. O desejo é movimento, uma tendência para alguma coisa, cuja origem é tanto o objeto externo que nos afeta quanto nosso caráter, nossa índole ou temperamento, isto é, nosso éthos. A ética, portanto, ocupa-se do estudo do caráter com vistas a determinar como pode ele tornar-se virtuoso.
É fato reconhecido que cada caráter possui desejos diferentes, uma vez que são diferentes os objetos de prazer e de dor para cada caráter. Destarte, também o caráter é causa de paixões diferentes e é suscetível de determinadas doenças, de determinados vícios; também o caráter é propenso a determinadas virtudes. Entanto, em todo caráter, o vício é sempre o excesso ou a falta entre dois pontos extremos opostos (por exemplo, a temeridade é excesso de coragem; e a covardia é falta de coragem).
Quando se diz que o vício é excesso ou falta, quer-se dizer que ele é hýbris, ou seja, desmedida ou falta de moderação. Estendendo as quatro causas, identificadas por Aristóteles no domínio da metafísica, ao domínio da ética, pode-se compreender como causa material da ação o éthos (caráter); como causa formal, a natureza racional do agente; como causa eficiente, a educação; e como causa final, o bem. O que se chama virtude é, pois, a unidade dessas quatro causas.
As seções subsequentes serão consagradas ao exame de noções que, reunidas, compõem o edifício da ética aristotélica. Nossa análise não pretende cobrir todo o complexo desse edifício, mas apenas fornecer um quadro descritivo tanto mais elucidativo quanto satisfatório para tornar compreensível a investigação sobre a relação entre prazer (hedoné) e felicidade (eudaimonia) no pensamento aristotélico. Constituirão temas das próximas seções, na ordem em que aparecerão: a virtude, a prudência (ou sabedoria prática), a (boa) deliberação, a escolha, a felicidade (eudaimonia) e o prazer (hedoné). Não descuraremos de demonstrar em que medida essas noções se articulam. Essas noções estão na base da constituição da ética aristotélica; e o tratamento delas precisa dar conta da forma como elas se ligam umas às outras.





1.3. Virtude[23]

A ética de Aristóteles é uma teoria da virtude. Definir a virtude e determinar as condições que possibilitam a um homem tornar-se virtuoso é, portanto, a preocupação central do estagirita, ao compor seu tratado Ética a Nicômaco. Todavia, essa preocupação está fundamentada num pressuposto que consubstancia todo o projeto da ética aristotélica. Trata-se do pressuposto que consiste em sustentar o primado do intelecto. É esse primado que qualifica a ética aristotélica de intelectualista. A teoria da virtude desenvolvida por Aristóteles é inteiramente estruturada pela proposição básica segundo a qual o agir virtuoso é aquele que está em conformidade com a atividade do intelecto ou da razão. O primado do intelecto tem seus desdobramentos e está ancorado sobre um pressuposto que revela a absoluta adesão de Aristóteles à doutrina socrático-platônica que identifica a essência do homem com a alma, ou com a parte racional da alma, o espírito, de sorte que “somos a nossa razão e o nosso espírito” (Reale, 2007, p. 102). No tangente aos seus desdobramentos, o primado do intelecto se expressa, por um lado, num apelo à necessidade de subordinar os desejos e as paixões à razão; por outro lado, na assunção de se considerar a atividade da razão ou do intelecto a própria essência da virtude humana. Em outros termos, com base no primado do intelecto, Aristóteles definirá a virtude humana como aquela que consiste na atividade do intelecto ou da razão. No excerto abaixo, é notável o fato de Aristóteles delegar à razão a função de comando da orientação do desejo.

O buscar e o evitar na esfera do desejo correspondem à afirmação e à negação na esfera do intelecto. Consequentemente, na medida em que a virtude moral é uma disposição que diz respeito á escolha, e escolha é desejo deliberado, conclui-se que, se a escolha deve ser boa, tanto a razão precisa ser verdadeira quanto o desejo, correto, e que o desejo tem que buscar as mesmas coisas afirmadas pela razão (grifo nosso)[24]



Antes de fazer incursão no tratamento dispensado por Aristóteles à questão da virtude, prossigamos na mesma linha de raciocínio que ilumina o lugar fixado por Aristóteles para o primado do intelecto. Doravante, queremos mostrar de que modo o tratamento que ele dispensará à virtude em sua ética se esteia nesse primado.
Já dissemos que, para Aristóteles, a essência do homem é a alma. Cumpre, agora, acrescentar que ele divide a alma em três partes: duas irracionais e uma racional. As partes irracionais da alma compõem-se da alma vegetativa e da sensitiva; a parte racional é recoberta pela alma intelectiva. Aristóteles deduzirá as virtudes dessa divisão tripartite da alma. Ele dirá que cada uma dessas três partes tem a sua atividade peculiar (a sua virtude ou excelência). Contudo, a virtude humana é tão-só aquela que consiste na atividade do intelecto ou da razão. É verdade que, diferentemente da alma vegetativa, a alma sensitiva, embora seja irracional, participa, de certo modo, da razão. Mas é por essa participação relativa que a alma sensitiva é suscetível ao domínio da razão. A alma sensitiva é, por natureza, apetitiva e concupiscível; suas tendências e impulsos, por serem desmedidos, devem ser dominados pela virtude ética – a virtude específica dessa parte da alma humana.
Uma vez esteja esclarecido o tipo de orientação da teoria aristotélica da virtude, vamo-nos concentrar na determinação do que é a virtude em geral, na sua classificação em virtudes éticas e virtudes intelectuais, bem como na diferença entre elas.
A primeira lição que devemos reter sobre a virtude é que ela é produto do hábito. Aristóteles é bem claro a esse respeito, ao escrever: “As virtudes (...) nós as adquirimos por tê-las inicialmente e realmente praticado, tal como praticamos as artes”.[25] Assim, segundo Aristóteles, um homem não se torna justo pelo simples fato de saber o que é a justiça; só o se torna praticando atos justos[26]. É necessário enfatizar a ideia de que a virtude é adquirida na prática; só nos tornamos virtuosos através da ação conjunta com outros homens. Aristóteles é bastante claro nesse tocante:

É através da participação em transações com nossos semelhantes que alguns de nós se tornam justos a outros, injustos; através da ação em situações arriscadas e ao formar o hábito [o sentimento] do medo ou da autoconfiança que nos tornamos corajosos ou covardes.[27]

São as ações que estão na base da constituição ou da destruição das virtudes. Destarte, o ser corajoso ou o ser covarde depende das ações que realizamos conjuntamente com outros no viver em sociedade. Da ideia de que a virtude é produto das ações não se segue que não estejamos pré-dispostos à aquisição dela. É oportuno lembrar aqui que Aristóteles pensa a prática da virtude com base na oposição entre potência e ato. Temos a capacidade para praticar a virtude; nesse caso, o ser virtuoso está em potência em nós; todavia, só somos virtuosos, de fato, quando atualizamos a capacidade para a virtude, quando praticamos atos virtuosos. Por isso, Aristóteles ensinará que não nascemos virtuosos; para ser virtuosos, precisamos da prática que produz o hábito; mas a natureza capacitou-nos para adquirir a virtude, consoante se pode ler no trecho abaixo:


As virtudes, portanto, não são geradas em nós nem através da natureza nem contra ela (a natureza). A natureza nos confere a capacidade de recebê-las, e essa capacidade é aprimorada e amadurecida pelo hábito. Ademais, as faculdades que nos são transmitidas pela natureza nos são concedidas primeiramente como potência, e nós exibimos sua atividade posteriormente.[28]


No livro VI de sua Ética, na página 198, Aristóteles opõe virtude natural a virtude que qualifica de “verdadeira”. A virtude verdadeira é a virtude em seu sentido estrito e não pode existir sem a prudência (ib.id.). Mas Aristóteles rejeita qualquer possibilidade de que possamos ser naturalmente virtuosos. Ele nos lembra, na mesma página, que há consenso em supor que “as várias qualidades morais são, de alguma forma, conferidas pela natureza”, de modo que “somos justos e moderados, corajosos e detentores das demais virtudes [morais] desde o momento do nosso nascimento”; mas observa que “não obstante isso, esperamos descobrir que a autêntica qualidade de bom seja algo diferente e que as virtudes em seu sentido estrito venham a nos pertencer de outra forma”. Aristóteles admite que crianças e animais selvagens podem deter disposições naturais, mas elas podem-se revelar danosas, porque lhes falta o entendimento. Para ser considerada virtude, essa disposição deve realizar-se segundo a capacidade do entendimento, cujo desenvolvimento depende da maturidade do indivíduo. Em suma, Aristóteles parece sustentar que podemos ter disposições naturais que não são elas mesmas virtudes ainda, pois estas só se adquirem pela prática, que produz o hábito. A virtude não é produto de herança natural, muito embora a capacidade para o exercício da virtude nos seja transmitida naturalmente.
Sejam suficientes as considerações que precedem para nos advertir de que não podemos perder de vista o fato de que a virtude, para Aristóteles, concerne às ações e, portanto, resulta da realização regular das ações justas e moderadas[29]. Doravante, vamo-nos deter no esclarecimento do que é a virtude. Impõe-se-nos a tarefa de dar a saber o que Aristóteles entende por virtude.
O que é virtude? Para Aristóteles, a virtude é medida entre dois extremos contrários; é moderação entre dois extremos, é o justo meio, nem excesso nem falta. No homem, a virtude se define pela razão em conformidade com a conduta de um indivíduo que age refletidamente. O exame da virtude se faz em correlação com a consideração da influência que sobre nós exercem as paixões, as capacidades, pelas quais nos tornamos suscetíveis de uma ou outra paixão, e as disposições, que são “estados de caráter devido aos quais nos encontramos bem ou mal dispostos em relação às paixões; por exemplo, estamos mal dispostos para a ira, se estivermos predispostos a nos enraivecer com demasiada violência ou sem violência suficiente (...)”[30]. A razão para que o exame da virtude englobe a consideração das paixões, das capacidades que possuímos e das disposições em que nos encontramos é que a virtude está em estreita relação com elas. Dito de outro modo, o âmbito da virtude as compreende. Por um lado, Aristóteles chega a definir a virtude como “uma espécie de disposição”.[31] Por outro lado, as capacidades são faculdades que nos tornam suscetíveis às paixões; nós possuímos certas capacidades por natureza, por exemplo, somos capazes de ser bons ou maus, mas não somos bons ou maus por natureza. Finalmente, as paixões, assim como as ações, são objeto de escolha, que, por sua vez, é determinada pela virtude.  Paixões e ações são objetos com que se relaciona a virtude, por isso, escreve Aristóteles, “a virtude é, então, uma disposição estabelecida que leva à escolha de ações e paixões e que consiste essencialmente na observância da mediana relativa a nós, sendo isso determinado pela razão, isto é, como o homem prudente o determinaria.”[32]
A virtude visa à mediana. Consoante ensina Aristóteles, “a virtude, portanto, é um estado mediano, no sentido de que é ela apta a visar à mediana”.[33] A virtude “é  o estado mediano entre dois vícios”[34]. Um dos vícios se caracteriza pelo excesso; o outro, pela deficiência.  A observância da mediana é a marca da virtude, ao passo que o excesso e a deficiência caracterizam o vício. Segue-se, abaixo, a definição de mediana dada por Aristóteles:

Por mediana da coisa quero dizer um ponto eqüidistante dos dois extremos, o que é exatamente o mesmo para todos os seres humanos; pela mediana relativa a nós entendo aquela quantidade que não é nem excessivamente grande, nem excessivamente pequena, o que não é exatamente o mesmo para todos os seres humanos.[35] (grifos nossos)


Reconhecendo que constitui tarefa árdua ser bom, porque igualmente difícil é encontrar o ponto mediano em qualquer coisa, Aristóteles propõe três regras para nos auxiliar na tentativa de atingir a mediana. A primeira regra consiste em evitar o extremo que mais se opõe à mediana; a segunda regra exige-nos que observemos os erros a que estamos mais propensos, atentando para o prazer e a dor que experimentamos, para, em seguida, movermo-nos na direção contrária a eles; finalmente, a terceira regra consiste em estarmos conscienciosos de nos prevenir contra o que é prazeroso e contra o prazer, “porque, quando este está em julgamento, não somos juízes imparciais”[36]
Desde os pré-socráticos, “medida” não encerra apenas um sentido quantitativo, mas, mormente, qualitativo, e significa moderação. Moderar é pesar, ponderar, equilibrar, deliberar; é  ação que institui a medida, o métron. Na ética aristotélica, a medida moderadora é o médio, o justo meio. É por isso que a ética é a ciência prática da moderação ou da phrónesis (prudência); e a virtude é virtude de caráter ou força de caráter educado pela moderação para visar o justo meio ou a justa medida.
A virtude não é uma inclinação (o desejo sim é uma inclinação natural), mas uma disposição (héxis). Tampouco é a virtude uma aptidão, como pretendia Platão, quando considerou a areté (excelência ou virtude) uma dýnamis que se atualiza pela tékhne baseada na epistéme. Aristóteles, ao contrário de Platão, considerou a virtude um hábito adquirido ou uma disposição constante e permanente para agir racionalmente em conformidade com uma medida humana determinada pelo homem prudente. À ética se atribui, assim, a tarefa de orientar-nos para a aquisição desse hábito (a virtude), tornando-nos virtuosos e, se possível, prudentes.
O hábito a que a ética deve conduzir o homem é o exercício da vontade sob a orientação da razão, que nos permite deliberar sobre os meios e escolher os fins nas ações que se destinam a satisfazer o desejo sem incorrer nos extremos. Só podemos nos tornar bons, praticando atos bons.

1.2.1. A relação da virtude com os desejos (paixões)

As paixões tocam às virtudes e aos vícios,  e dizemos que, quando somos afetados por uma paixão, somos movidos por ela. Paixões são, para Aristóteles, estados de alma que são acompanhados de prazer ou de dor. Há algumas paixões que são más em si mesmas, de modo que nem todas as paixões (e ações) se prestam à observância da mediana. Destarte, segundo Aristóteles, o adultério, o roubo, o homicídio são ações condenáveis em si mesmas; também a inveja, a malevolência e a imprudência são paixões condenáveis em si mesmas. Nessas ações e paixões não há observância da mediana[37].
Já nos referimos ao desejo como uma inclinação natural, em cuja origem se discriminam duas causas: o objeto externo e o caráter. Cumpre acrescentar que o desejo é paixão, isto é, páthos, passividade, submissão aos objetos exteriores que nos afetam e aos impulsos e inclinações interiores, que são determinados por nosso temperamento ou caráter.
Por outro lado, a virtude é ação, atividade da vontade que delibera e escolhe sob a orientação da razão. Notemos que Aristóteles parece estabelecer uma hierarquia dos domínios que são responsáveis por determinar a orientação da ação: a virtude é ação, que depende da deliberação, que por sua vez implica escolha (há uma dependência recíproca entre deliberar e escolher), estando a orientação da ação, a deliberação e a escolha sob o comando da razão. É a razão ou o intelecto que determina os fins racionais de uma escolha. Essa determinação se faz com vistas ao bem do agente, a saber, à sua felicidade.
A razão é, portanto, a medida não só para os fins e a escolha, mas também da qualidade boa ou má dos desejos e das coisas desejadas.[38] Ao postular a razão como medida da qualidade boa ou má dos desejos, Aristóteles conserva a coerência de sua doutrina da não congenitude da bondade e da maldade. Não nascemos bons nem maus, mas nos tornamos bons mediante a prática de boas ações, porque essas ações atualizam o que, estando em nós em potência, é possibilidade para o exercício do viver racional que conduz à felicidade.
Contrariamente a Sócrates e a Platão, para quem os apetites e desejos são involuntários, porquanto irracionais, passionais e decorrentes da ignorância do sujeito, Aristóteles os considera voluntários, porque entende a vontade como espontaneidade natural. A vontade é aquilo que a natureza de um ser o leva a querer e a realizar naturalmente. No caso particular do homem, além de espontânea, a vontade é consciente (por exemplo, sabemos que sentimos cólera; sabemos que sentimos prazer ou dor, etc.). O que distingue, pois, um ato voluntário de um involuntário? Para que um ato seja voluntário, é necessário que sejam preenchidas as seguintes condições: 1) ele deve ser realizado por escolha e não por uma necessidade natural; 2) deve ser realizado sem constrangimento algum, portanto, deve ser um ato livre; 3) não pode envolver ignorância sobre as circunstâncias e consequências da ação. Na condição 1), a ação poderia ser diferente do que é, porque o agente poderia ter agido de modo diferente. Na condição 2), por depender da liberdade do agente, o ato voluntário pressupõe que o princípio da ação é o próprio sujeito e não algo exterior a ele.
Por outro lado, atos involuntários são aqueles realizados sob duas condições: 1) há constrangimento ou coação envolvidos na circunstância da ação; 2) ou há ignorância do agente a respeito das circunstâncias nas quais ele age. Da distinção entre ato voluntário e ato involuntário Aristóteles é levado a concluir que os acontecimentos naturais são involuntários e necessários; as ações humanas, ao contrário, quando não realizadas sob constrangimento nem sob ignorância, são escolhas voluntárias. Resta, contudo, a questão que consiste em saber quais são as condições para que um ato voluntário seja considerado ético.
Aristóteles, na tentativa de dar conta dessa questão, começa pelo reconhecimento de que a ética se funda numa pergunta que lhe diz respeito por excelência: o que está e o que não está em nosso poder quando agimos? Aristóteles está interessado em dar conta da seguinte questão: o que depende de nós e o que não depende de nós no momento de uma ação?[39] Ora, o ato voluntário é aquele que depende de nós inteiramente no momento em que agimos. As circunstâncias, por outro lado, independem de nós, já que são contingentes. O problema é que a condição para agirmos eticamente é que tenhamos pleno poder sobre nossa ação, mesmo que não possamos estender esse poder sobre as circunstâncias que a acompanham. Aristóteles busca resolver esse problema sustentando que devemos adquirir uma disposição interior (héxis) constante que nos possibilita a agir racionalmente e com prudência nas situações que não foram escolhidas tampouco determinadas por nós. Assim, agir eticamente é realizar um ato voluntário com ou por virtude. Esse ato envolve escolha deliberada, moderação e reflexão sobre os meios e os fins, tendo em vista a excelência ou o melhor.
É justamente porque nossos desejos e apetites são voluntários, porque, de algum modo, tomam parte da alma racional, que eles são suscetíveis de moderação, que eles podem ser controlados mediante um agir determinado pela razão. Para Aristóteles, nós estamos de posse do conhecimento dos desejos e apetites que nos afetam e podemos, por isso, exercer sobre eles influência e controle mediante atos que envolvam deliberação, moderação e, sobretudo, reflexão. Retornaremos a esse tema, quando nos ocuparmos da descrição do papel desempenhado pela deliberação no agir ético. Na próxima seção, debruçar-nos-emos sobre a distinção entre virtudes éticas e virtudes intelectuais.

1.2.2. Virtudes éticas e virtudes intelectuais (ou dianoéticas)

Anteriormente, aludimos ao fato de Aristóteles considerar a virtude em geral uma espécie de disposição. Agora, é imprescindível acrescentar que, para ele, a virtude é uma disposição específica. No homem, essa disposição específica, que é a virtude, não só o torna um bom homem, como também o faz desempenhar bem a sua função.
O exame da alma, por sua vez, levou Aristóteles a distinguir nela três partes: duas irracionais e uma racional. É em consonância com a divisão da alma que Aristóteles distinguiu entre dois tipos de virtudes: as virtudes éticas e as virtudes intelectuais (ou dianoéticas). As virtudes intelectuais recobrem a sabedoria, o entendimento e a prudência[40]; entre as virtudes éticas, estão a temperança, a generosidade, a coragem, entre outras. Doravante, vamo-nos deter a elucidar as características que concorrem para distinguir essas duas espécies de virtude.
As virtudes éticas dizem respeito às funções sensitiva e apetitiva da alma na sua relação com o corpo. Por outro lado, as virtudes intelectuais ou dianoéticas se prendem à função racional ou intelectiva.
A virtude ética é uma disposição interior constante que se inclui no gênero das ações voluntárias, as quais se realizam mediante escolha deliberada dos meios possíveis que servem ao atingimento de um fim sobre o qual se estende o poder do agente e que é um bem para ele. A causa material dessa espécie de virtude é o éthos do agente; a causa formal é a natureza racional do agente; a causa final, o bem do agente; e a causa eficiente, a educação do desejo do agente. É pela virtude ética que se pode escolher o justo meio. Ela diz respeito à estrutura composta do homem, isto é, à alma e ao corpo e, por isso, só pode conduzir a uma felicidade humana.
As virtudes intelectuais, por sua vez, são a areté ou a excelência e perfeição da alma racional. Tais virtudes se chamam dianoéticas porque concernem mais ao pensamento em geral do que simplesmente ao caráter. Vale notar que, conquanto Aristóteles admita uma cisão entre teoria e prática, ou entre sabedoria (sophia) e prudência (sabedoria prática) no interior da razão, não pretende esposar a opinião de que a sabedoria não é uma maneira de agir e de que a prudência não é uma maneira de saber.
É suficiente esclarecer, para os propósitos fixados neste trabalho, que as virtudes dianoéticas são disposições intelectuais que se encontram entre dois extremos: a prudência e a sabedoria teorética (sophia). Porque são virtudes, as dianoéticas são adquiridas na prática.
Uma vez que tenha definido a filosofia primeira como aquela que se ocupa das coisas divinas, das causas primeiras, Aristóteles cuida ser o filósofo o mais virtuoso e mais feliz dos homens. Aristóteles também sustentou a superioridade das virtudes intelectuais sobre as virtudes éticas, por duas razões que se articulam entre si: por um lado, as virtudes intelectuais são as virtudes da parte mais elevada da alma, que é a alma racional e  são elas que tornam possível ao homem realizar a sua obra, conduzindo-o à perfeita felicidade (felicidade da vida contemplativa que, de certo modo, tangencia a vida dos deuses); por outro lado, as virtudes intelectuais mantêm uma relação especial com o prazer. No entanto, todas as virtudes, quer éticas, quer intelectuais, estão situadas sob o princípio do prazer. Ainda que, para o tratamento do prazer na ética aristotélica, tenhamos reservado uma seção particular, mais adiante, cumpre aqui dizer que o prazer é a coroação da vida virtuosa; é a consequência da qual a virtude é o antecedente. Aristóteles nos garante que, se agirmos em conformidade com a virtude, alcançaremos a felicidade maximizada pelo prazer.

1.2.3. Prudência, (boa) deliberação e escolha

Como tais noções estão intimamente articuladas entre si, escusa ocuparmo-nos delas em seções distintas. A prudência é uma das virtudes intelectuais, conforme já apontamos. Ela se diferencia, marcadamente, do que Aristóteles chama de entendimento e de sabedoria (sophia).[41] A sabedoria é o conhecimento dos primeiros princípios, dos quais se deduzem as verdades científicas; a prudência (sabedoria prática), por sua vez, recobre as coisas mutáveis; ela está relacionada à ação e ocupa-se com as coisas particulares. A prudência, observa Aristóteles, é útil porquanto nos auxilia a nos tornarmos virtuosos; por isso, ela será inútil àqueles que já são virtuosos. A prudência é inferior à sabedoria, mas tanto uma quanto a outra produzem um efeito. A sabedoria produz a felicidade; a sabedoria “é uma parte da virtude como um todo e, portanto, através de sua posse, ou melhor, através de seu exercício, torna o ser humano feliz”[42]. A prudência, por sua vez, “determina o desempenho completo da função própria do homem”[43]. Se, por um lado, a virtude ética “assegura a retidão do fim a que visamos”, a prudência “garante a retidão dos meios a serem utilizados para atingir esse fim”[44].
Veja-se, no excerto abaixo, o que nos ensina Aristóteles acerca da interdependência entre a prudência e a boa deliberação:

Quanto à prudência (sabedoria prática), é possível chegarmos à sua definição pela consideração das pessoas com as quais a creditamos. Ora, tem-se como característica do homem prudente ser ele capaz de bem deliberar sobre o que é bom e proveitoso para si mesmo, não num ramo em particular (...) – mas o que é vantajoso ou útil como recurso para o bem-estar em geral.[45]


Atentando para o passo supracitado, compreendemos que a prudência é uma forma de sabedoria que capacita o homem para o bem deliberar em geral. O homem prudente é aquele capaz de deliberar sobre aquilo que, sendo útil e vantajoso, serve de recurso para o bem-estar em geral. A deliberação, diz Aristóteles, envolve cálculo e investigação, mas não é o mesmo que investigação, pois a deliberação “envolve apenas a investigação de uma matéria em particular”[46]. Mas a deliberação está sujeita a erros, donde a necessidade de determinar no que consiste a boa deliberação. É Aristóteles quem nos esclarece: “A boa deliberação é uma certa forma de acerto ou exatidão, ainda que não seja exatidão de conhecimento e nem de opinião”.[47] A boa deliberação, segundo Aristóteles, é acerto e exatidão no pensar. O bem deliberar é uma característica essencial do homem prudente. Consoante escreve Aristóteles, “a boa deliberação [ou excelência no deliberar] deve ser acerto deliberativo no tocante ao que é expediente como meio para o fim, uma autêntica compreensão do que constitui a prudência”.[48] Convém insistir que só deliberamos sobre aquilo que podemos escolher e escolhemos aquilo que a deliberação nos mostrou ser preferível. Só podemos deliberar sobre os possíveis, sobre as coisas contingentes, e nunca sobre as que são necessárias. Somente os contingentes dependem inteiramente de nossa ação.
Toda ação ética está sob nosso poder. Ela envolve escolha preferencial resultante de uma deliberação racional. Não podemos, no entanto – lembra Aristóteles -, deliberar sobre todas as coisas. Deliberamos apenas sobre as coisas que dependem de nós e que podemos realizar. Escapa à nossa capacidade deliberar sobre a natureza, a eternidade do mundo, etc; somente podemos deliberar sobre o que depende da nossa razão e de nossa ação. Ajunte-se que jamais deliberamos sobre os fins, mas tão-só sobre os meios. O fim é o objeto do desejo que o toma como bem; e nós deliberamos em vista desse fim.
Volvendo nossa atenção para a prudência (phrónesis), não se deve perder de vista o fato de que ela é uma virtude intelectual cuja finalidade é determinar o que devemos e o que não devemos fazer. Ela é uma sabedoria prática que toca ao contingente e ao tempo, àquilo que pode ser de outra maneira. A prudência orienta a deliberação racional (proaíresis), dado que torna possível o discernimento do bem e do mal nas coisas e das relações convenientes entre meios e fins.
A grande relevância da prudência se deve ao fato de nela as três condições – já referidas –, que tornam uma ação virtuosa, serem satisfeitas. Por conseguinte, mediante a prudência, avulta a finalidade da ética, qual seja, tornar o homem agente; e o agente, autossuficiente.
Sublinhe-se também que é a prudência que garante a um agente a autárkeia (independência, liberdade ou autossuficiência). A autárkeia opõe-se à passividade ou à paixão. Ora, na paixão, não somos capazes de dirigir as coisas; ao contrário, somos por elas dirigidos. A autárkeia, por seu turno, provém da autonomia, que é justamente o que torna alguém senhor de si mesmo, porquanto não obedece senão à regra de vida que fixou a si mesmo. Na autonomia, a obediência existe não por alguma forma de coação, mas por uma vontade livre que se autodetermina, que fixa uma regra de conduta e decide a ela obedecer.
Passemos à consideração da escolha, que é um desejo deliberado que incide sobre aquilo que está em nosso poder. A escolha não é, pois, um desejo passional que busca o impossível ou se move por uma necessidade natural. A escolha é sempre o desejo de realizar uma ação determinada que torne possível alcançar o fim desejado.
O desejo deliberado, isto é, a escolha, está intrinsecamente articulado ao intelecto ou à razão; é uma forma de desejo sempre acompanhada da reflexão. Disso resulta que a virtude é o acordo entre o desejo e a razão.
Tendo em conta as considerações precedentes sobre a natureza da virtude e do vício, pode-se concluir que virtude e vício são atos voluntários, cuja realização é dependente da natureza da deliberação e da escolha preferencial. A virtude se define, assim, como uma preferência racional voluntária que visa a um bem verdadeiro, em conformidade com o caráter do agente e em conformidade com a medida racional determinada pelo homem prudente.
O ato virtuoso deve, portanto, pautar-se por três regras, que o caracterizam como tal:
1a)  o agente sabe o que faz;
2a) o agente escolhe a ação; ele é o princípio da ação que ele mesmo executa;
3a) o agente realiza a ação em virtude de uma disposição interior e permanente, ou seja, por possuir virtude; por isso, a excelência do agente é o fim da ação.


1.2.4. Felicidade (eudaimonia) e prazer (hedoné)

1.2.4.1 Felicidade

Encetemos nossas reflexões sobre o tema da felicidade na ética aristotélica, enfatizando, desde já, que a atividade contemplativa, ainda que seja, segundo Aristóteles, a melhor e mais perfeita, não demanda exclusividade. Na verdade, ela integra as demais atividades sob o seu domínio. Por conseguinte, desejar a eudaimonia como fim último não significa preferir certo fim a outros, “mas sim desejar uma harmonia entre nossos fins” (Zingano, 2007, p. 74).
A ética, na medida em que é uma ciência prática, deve objetivar a determinação da essência do fim a ser alcançado, da essência do agente e das ações e meios que servem para realizá-las. Essas três etapas previstas em seu objetivo se expressam também na forma de definição da felicidade (fim), da natureza humana como éthos e da natureza das virtudes. No entanto, uma filosofia prática não se satisfaz com o conhecimento do que é o bem, mas precisa saber como nos tornamos bons.
Um bem, segundo Aristóteles, é mais perfeito do que outros quando o buscamos por si mesmo e não em vista de outra coisa. A felicidade é, pois, um bem desse gênero; ao contrário, bens como “honra”, “riqueza”, “prazer” e “poder” são buscados tendo em vista outros bens. Essa é uma das razões[49] por que Aristóteles não identifica a felicidade com a busca de qualquer um desses bens, sobretudo com a busca do prazer – tema sobre o qual estendemos nosso interesse neste trabalho.
Destarte, um bem é mais perfeito do que outros pelo seu grau de autossuficiência (autárkeia). A felicidade é um bem desse gênero: o homem feliz é aquele que se realiza plenamente, de nada mais necessita. Para Aristóteles, um bem é sempre uma virtude, ou seja, uma excelência. Se o bem ético se inclui no gênero da vida excelente, a felicidade “é a vida plenamente realizada em sua excelência máxima” (Chauí, 2002, p. 442). A felicidade é a totalidade dos bens que a compõem (Zingano, 2007, p. 88).
Vamo-nos deter, doravante, na descrição da concepção aristotélica de eudaimonia. Importa-nos reter, desde já, que a felicidade, para Aristóteles, não é um estado psicológico, não tem um caráter temporário ou episódico; ela é “alguma forma de atividade”[50]. Essa forma de atividade é a atividade do intelecto. O intelecto, já vimos, é a parte mais nobre da alma humana; e a felicidade é a atividade que se realiza em conformidade com essa parte mais nobre. Para Aristóteles, a felicidade consiste na especulação,

(...) pois a especulação é ao mesmo tempo a forma mais elevada de atividade (uma vez que o intelecto é o que há de mais superior em nós e os objetos com os quais o intelecto se ocupa são as coisas mais elevadas e cognoscíveis), e também a mais contínua, pois somos capazes de pensar com mais continuidade do que somos capazes de executar qualquer ação.[51]


É preciso insistir em que Aristóteles identifica a felicidade com a atividade do intelecto: “(...) a atividade do intelecto (...) será a felicidade completa do homem”[52]. A felicidade se acha nos bens espirituais; ela se identifica com o bem supremo do homem, justamente aquilo em virtude do qual tudo o mais é feito. Esse bem supremo é algo completo.

A felicidade, acima de tudo o mais, parece ser absolutamente completa, nesse sentido, uma vez que sempre optamos por ela por ela mesma e jamais como um meio para algo mais, enquanto a honra, o prazer, a inteligência e a virtude sob suas várias formas (...) também optamos por elas pela felicidade na crença de que constituirão um meio de assegurarmos a felicidade.[53]

De passagem, notemos, contudo, que, segundo Zingano (Idem.), o bem supremo e a felicidade não se definem do mesmo modo. A eudaimonia é definida como uma certa atividade em oposição a um estado psicológico ou a uma simples disposição do sujeito. Por seu turno, o bem supremo é definido como o fim último dessa atividade. O fim último é aquele em vista do qual todos os outros são perseguidos, ele mesmo, contudo, não estando em vista de nenhum outro. Não obstante, a identificação da felicidade com o bem supremo é mantida, pois, afinal, a felicidade é esse bem último em vista do qual os demais bens são perseguidos. É oportuno lembrar que Aristóteles discriminou entre três espécies de bens: 1) os bens da alma (as virtudes); 2) os bens do corpo; 3) os bens exteriores. No que toca a estes últimos, eles auxiliam no alcance da felicidade, de modo que, sem eles, a felicidade não é possível; mas eles não são as causas próprias da felicidade; estas Aristóteles considera serem as virtudes.
A felicidade é também algo autossuficiente, porque, por um lado, ela, por si mesma, torna a vida desejável; por outro lado, ela não carece de nada. Convém atender nas palavras de Aristóteles:

(...) consideramos ser a felicidade a mais desejável de todas as boas coisas sem que seja ela mesma estimada como uma entre as demais, pois se assim fosse ela estimada, está claro que deveríamos considerá-la mais desejável quando mesmo a mais ínfima das outras boas coisas a ela estivesse combinada, uma vez que essa adição resultaria num total mais amplo de bem, e de dois bens o maior é sempre o mais desejável.[54]


A felicidade é, portanto, algo completo (final) e autossuficiente; por isso, dirá Aristóteles “é a finalidade visada por todas as ações”[55]. Até aqui, esperamos esteja claro que Aristóteles está interessado em determinar o que é a felicidade. Cabe acrescentar que essa tarefa só pode ser levada a bom termo com a condição de que se possa determinar a função específica do ser humano. Aristóteles se lança a essa empresa, e não poderia ser mais claro ao sustentar que a função do ser humano é “o exercício ativo das faculdades da alma em conformidade com o princípio racional(...)”[56]. Um pouco adiante, acrescenta Aristóteles: “(...) a função do ser humano é uma certa forma de vida e definimos essa forma de vida como exercício das faculdades e atividades da alma em associação com o princípio racional (...)”[57]. Devemos atentar aqui para a ressonância do postulado com base no qual se estrutura esse trabalho e que consiste na posição segundo a qual a filosofia antiga é exercício espiritual. Está claro que, para Aristóteles, a filosofia consiste em um modo de vida teorético. Sua escolha de vida é por uma vida devotada à atividade especulativa, que é vivida, que é praticada e que conduz à felicidade. Em suma, viver uma vida segundo o espírito, viver uma vida dedicando-se à sabedoria é o modo de vida de que a filosofia aristotélica pretende ser a realização.
A função de um ser humano bom consiste em executar bem e corretamente as atividades da alma; e a função é bem executada quando está de acordo com a sua própria excelência (virtude). Disso resulta que o bem humano é o exercício ativo das faculdades da alma em conformidade com a melhor e mais perfeita delas, a saber, o intelecto.
A concepção aristotélica de felicidade, ou melhor, a própria experiência de felicidade cuja fruição Aristóteles crer ser possível ao homem é a antípoda da visão e da experiência de felicidade que caracteriza especialmente nossa modernidade. A supervalorização da beleza, da exterioridade físico-corpórea consubstancia a valorização do efêmero, do descartável. Nessas condições, tudo que dura é cansativo; a permanência não passa de delírio de uma idade primaveril e romântica da existência humana; delírio que deve ser substituído por possibilidades, aparentemente, mais substanciais de integração. Há uma necessidade insaciável e incessante de busca por experimentar prazeres cada vez mais intensos, tão intensos quanto fugazes. Fugacidade parece definir bem o nosso tempo: tempo prometedor de felicidade imediata, de caminhos sempre abertos a novas experiências sem substância, mas sempre passíveis de renovação. A escolha de vida aristotélica, ao contrário, encaminha o homem para a busca de uma felicidade duradoura. É preciso, então, frisar que a eudaimonia é uma atividade que deve perdurar por toda a vida de um homem. Novamente, é Aristóteles que nos ensina sobre o caráter duradouro da felicidade:

(...) essa atividade deve ocupar uma existência completa, pois uma andorinha não faz verão, nem produz um belo dia; e, analogamente, um dia ou um efêmero período de felicidade não torna alguém excelsamente abençoado e feliz.[58]


Endossando a premissa segundo a qual o exercício ativo de nossas faculdades em conformidade com a virtude é que produz a felicidade, Aristóteles insistirá em que são as atividades em conformidade com a virtude – e nenhumas outras – que encerram a qualidade de permanência plenamente. A durabilidade da felicidade se deve à realização das coisas em conformidade com a virtude. Ajunte-se que, sendo a vida de um ser humano determinada por suas atividades, segue-se daí que sua bem-aventurança é garantida por suas ações em conformidade com a virtude. Um homem bem-aventurado, por conseguinte, nunca poderá tornar-se infeliz, pois nunca praticará ações vis. O homem verdadeiramente bom e sábio suportará tudo que a sorte lhe reservar “e agirá sempre da maneira mais nobre que as circunstâncias permitirem”.[59]
Gostaríamos de pontuar as seguintes características da felicidade, que manifestas ou entrevistas foram contempladas no que precede :
1) A felicidade é excelência da alma, e não do corpo;
2) A felicidade é o primeiro princípio em vista do qual todas as demais coisas são feitas;
3) A felicidade é um bem em ato, não em potência;
4) A temporalidade da felicidade se estende ao longo de toda a vida;

A característica 3) não só reforça a ideia de que a felicidade é alguma forma de atividade – uma atividade que é a própria vida dedicada à contemplação, ao exercício da parte mais nobre da alma, que é o intelecto -, como também explica por que a felicidade não pode reduzir-se à virtude, “uma vez que parece possível possuí-la durante o sono, ou durante a vida inteira, sem pô-la em prática”[60]. Para Aristóteles, a felicidade não se encontra no estado de repouso ou inatividade. Se fosse um bem em potência, a felicidade se encontraria em estado de devir, de potencialidade, de possibilidade de ser, de realizar-se e, nesse caso, deixaria de depender da escolha de um modo de vida específico ou próprio. O homem feliz – repetimos – é aquele que realiza a atividade contemplativa através do exercício da razão teorética. Ao exercitá-la, esse homem se realiza plenamente, pois que vive segundo aquilo (o intelecto, a alma racional) que, em ato, é possibilidade para a (realização da) felicidade.
Concluamos respondendo à questão: por que o sábio é o homem mais feliz? Vimos insistindo que a felicidade perfeita consiste no exercício da razão teorética. O homem que age com prudência (phrónesis), embora detenha a sabedoria moral e goze certa felicidade, dado que é capaz de escolher convenientemente entre os meios possíveis que lhe advém na vida prática, não é ainda perfeitamente feliz. Não o é, por um lado, porque necessita de bens externos para agir em conformidade com a virtude. Se ele é bondoso e pretende ajudar alguém, necessitará de recursos materiais para tanto (p. ex., possuir dinheiro). Por outro lado, ainda não é perfeitamente feliz, porque os que se dedicam à vida contemplativa não carecem de recursos externos. Por isso, a atividade contemplativa nos aproxima do divino. A felicidade – dirá Aristóteles – inere à contemplação. Na atividade contemplativa, o sábio depende mais de si mesmo; por isso se aproxima da vida dos deuses (tem ele autossuficiência). Por isso também ele goza a felicidade perfeita. A felicidade depende, assim, da “excelência intelectual”. Coube a Aristóteles estabelecer, pela primeira vez, uma ligação entre autonomia e felicidade.

1.2.4.2 Prazer

As meditações precedentes foram indispensáveis para pavimentar o caminho que nos conduzisse, com segurança, ao tratamento da questão do prazer no tratado ético de Aristóteles. Tendo-o percorrido com o rigor exigido pela lucubração, que nos impediu de tomar atalhos que facilitassem a tarefa, e crendo que atingimos seu termo com algum êxito, não renunciaremos ao mesmo rigor no exame da relação entre prazer e eudaimonia no pensamento de Aristóteles.
Iniciemos nossa perquirição, destacando três que nos parecem ser as teses basilares sustentadas por Aristóteles no tratamento dispensado por ele à questão do prazer:

1a tese:  O prazer é indissociável da vida;
2a tese: O prazer das atividades que os homens desempenham aperfeiçoa essas atividades;
3a tese: “(...) os prazeres do intelecto superam em pureza os prazeres dos sentidos”.[61] 

A vida, para Aristóteles, é uma forma de atividade. Como o prazer aperfeiçoa as atividades desempenhadas pelos homens, ele também aperfeiçoa a vida. Segundo Aristóteles, “não há prazer sem atividade, e também, nenhuma atividade perfeita sem o seu prazer”.[62] Portanto, a vida se acompanha de um prazer. A terceira tese é consonante com a tese fundamental em torno da qual se estrutura todo o tratado ético aristotélico, qual seja, a que consiste em afirmar o primado do intelecto. A vida teorética é o horizonte de realização da felicidade; é aí que se deve compreender o prazer especificamente humano, qual seja,

“(...) aquele prazer ou aqueles prazeres pelo(s) qual(is) a atividade (ou as atividades) do homem perfeito e bem-aventurado é (são) aperfeiçoada(s) que deverá(ão) ser declarado(s) humano(s) no sentido estrito e mais pleno”.[63]


Quando agimos ou conhecemos, quer de forma sensível, quer de forma inteligível, atualizamos certas potencialidades; e as atividades que daí se seguem têm como escopo o objeto que lhes é próprio. Essas atividades, porquanto realizam objetivamente aquelas potencialidades, se acompanham do prazer que as aperfeiçoam.
Aristóteles admite ser natural, no homem, a aspiração ao prazer; no entanto, também reconhece que, assim como há atividades convenientes e boas, e atividades inconvenientes e más, assim também há prazeres convenientes e bons tanto quanto prazeres inconvenientes e maus. Para ele, uma atividade moralmente boa carreia um prazer bom, ao passo que uma atividade moralmente má carreia um prazer moralmente mau. Segue-se daí a necessidade de estabelecer um padrão para a determinação dos prazeres que, deveras, contribuem para aperfeiçoar a atividade que acompanham (estes é que são verdadeiros prazeres). Esse padrão Aristóteles buscará no homem virtuoso:


(...) sustentamos que (...) a coisa realmente é o que parece ao homem bom. E se essa regra for correta, como geralmente se afirma que é, e se o padrão de tudo é a qualidade do bom, ou o indivíduo bom na qualidade de bom, então as coisas que se afiguram a ele como sendo prazerosas são prazeres e as coisas de que desfruta são prazerosas.[64]



Tomando-se o excerto referido, é notável a relação estabelecida por Aristóteles entre prazer e virtude. Tal relação é tanto mais necessária quanto indispensável é saber que nem todos os prazeres devem ser desejados, dado acarretar mais malefício do que benefício. Como os prazeres são variáveis em gênero tanto quanto as atividades que acompanham, faz-se mister encontrar uma medida segura para determinar quais os prazeres são bons. Esse padrão se encontra no homem bom, ou seja, naquele homem que vive segundo a excelência (areté).
Não perdemos de vista o fato de que há também um critério ontológico para determinar quais prazeres são superiores e quais são inferiores. Os que pertencem ao primeiro caso se prendem às atividades teoréticas ou contemplativas do homem; os que pertencem ao segundo caso ligam-se à sua vida vegetativo-sensitiva. Essa discriminação entre os prazeres segundo um critério ontológico não deixa de ter sua importância; mas, para efeito de nossa discussão, importa considerar a relação que Aristóteles estabelece entre o prazer e atividade contemplativa. A superioridade dos prazeres se deve à ligação íntima deles com essa atividade. Em outras palavras, são superiores os prazeres que se experimentam na atividade da alma em conformidade com o intelecto. Por conseguinte, a vida consagrada à atividade do intelecto é a melhor e a mais prazerosa, conforme enfatiza Aristóteles:

“(...) aquilo que é o  melhor e o mais prazeroso a cada criatura é o que é próprio à natureza de cada um; em conformidade com isso, a vida do intelecto representa a vida melhor e mais prazerosa para o ser humano porquanto o intelecto, mais do qualquer coisa, é o ser humano. Consequentemente, essa vida será feliz” [grifo nosso]. [65]


Não constitui nosso intento recobrir toda a problemática suposta pelo tema do prazer e à qual Aristóteles devotou acurada atenção; se o fizéssemos, deveríamos levar em conta o exame feito por Aristóteles das teorias sobre o prazer, comuns em seu tempo, particularmente sua consideração da opinião de Eudoxo (um discípulo de Platão), ou mesmo o estatuto da dor na tentativa de definir, por contraste, o prazer. Essas lacunas, no entanto, não nos devem escusar de dizer que o prazer não é nem movimento (já que lhe faltam as propriedades de rapidez e lentidão), nem uma restauração de um estado natural (porque nem todos os prazeres são precedidos de uma dor). Para Aristóteles, os prazeres do conhecimento não supõem uma carência prévia, “(...) não apresentam uma dor que os antecede (...)”.[66]
Esperamos esteja suficientemente claro, até o presente momento, que Aristóteles rejeita ser a busca do prazer o princípio da vida feliz, de sorte que, para ele, o prazer não é o soberano bem, no que ele está em inegável divergência com os epicuristas. Mas sobre os pontos convergentes e divergentes entre as duas doutrinas contempladas neste estudo não vamos nos alongar neste momento, visto que será o tema de nosso próximo capítulo.
Recapitulando a tese da coextensividade da felicidade com a especulação,

“A extensão da felicidade é, portanto, a mesma da especulação: quanto mais uma classe de seres detém a faculdade especulativa, mais frui ela da felicidade, não como um concomitante acidental da especulação, mas como algo inerente a ela, uma vez que a especulação é valiosa em si mesma” [grifo nosso].[67]


pode-se concluir que o homem que realiza a vida feliz, porque consagra sua vida ao cultivo do intelecto, é também o homem que, ao consagrá-la a essa atividade valiosa em si mesma, experiencia um prazer insigne. Assim, mantém-se como bem supremo da vida humana a felicidade, que é a atividade da alma em conformidade com a razão teorética ou o intelecto. Uma vida em harmonia com a sabedoria garante ao homem o prazer mais elevado, porque “(...) supomos que a felicidade deva encerrar um elemento de prazer; ora, a atividade que se harmoniza com a sabedoria é, reconhecidamente, a mais prazerosa das atividades que se harmonizam com a virtude”.[68] Essa passagem se acompanha de outra que a reforça:

“Em quaisquer circunstâncias sustenta-se que a filosofia ou a sabedoria encerra prazeres maravilhosos devido à sua pureza e permanência, e é plausível supor que o gozo do conhecimento é uma ocupação ainda mais prazerosa do que sua busca” (grifo nosso) [69].


Não devemos perder de vista, com base no passo acima, duas ideias que se articulam e cuja consistência parece cara a Aristóteles: a primeira diz respeito à subordinação do prazer ao exercício da filosofia, que deve ser uma ocupação do homem ao longo de toda a sua vida; a segunda toca à sua convicção de que quem está ocupado do conhecimento goza de um prazer excelso.
Ainda segundo Aristóteles, “(...) uma atividade é, portanto, aumentada pelo prazer que lhe é próprio e aquilo que aumenta uma coisa lhe é, necessariamente, afim”.[70] – passagem esta que nos leva a entender o prazer como um elemento quantificador de intensidade, na medida em que aumenta a qualidade da atividade que acompanha.
Aristóteles não deixa de reconhecer o caráter fugaz do prazer, muito embora seja ele pleno e completo. O prazer é enérgeia, isto é, ato em si mesmo e por si mesmo. Não tem começo nem tem fim. Para cada um dos nossos sentidos, há um prazer que lhe é próprio; e mais importante: há um prazer próprio a cada atividade desempenhada por nós (falar, fabricar, pensar, etc.).
A plenitude e a perfeição do prazer são alcançadas quando o órgão que o experimenta se acha em perfeita saúde e dispõe das perfeitas condições para realizar a sua função. Ademais, a perfeição do prazer depende de que o objeto experimentado se ache em estado de maior perfeição.
O prazer tem caráter quantitativo, visto que aumenta a qualidade da atividade. Sem atividade não há prazer; sem prazer, a atividade decresce, podendo, inclusive, ser suspensa. É justamente porque Aristóteles estabelece uma relação entre o prazer e a vida, entre o prazer e a atividade, entre o prazer e a perfeição tanto do órgão quanto do objeto de satisfação que ele afirma ser o prazer inseparável da virtude. É também por essas relações que ele pode afirmar que a virtude é uma forma de prazer superior, uma vez que a virtude é capaz de prolongá-lo, convertendo-o num ato menos fugaz. Mas é nas virtudes intelectuais que o prazer é mais intenso, mais vivo, mais longo e duradouro.



[21] “Teorético” não se confunde com “teórico”. O termo “teorético” foi empregado pelo próprio Aristóteles com o propósito de qualificar, por um lado, o modo de conhecimento que visa ao saber pelo saber, ou seja, que não visa a um fim exterior a si mesmo; por outro, o modo de vida que se consagra a essa forma de conhecimento. O termo “teórico”, por sua vez, se define em oposição ao “prático”, de sorte que o primeiro termo qualifica o saber abstrato, especulativo; e o segundo, o saber fazer, o saber concreto que depende da prática, da ação (Hadot, 2010).
[22] Na verdade, o termo não foi cunhado por Aristóteles, mas nasceu por ocasião da edição das obras aristotélicas feita por Andrônico de Rodes, no século I a.C. (Reale, 2007).
[23] Todas as citações de Aristóteles serão colhidas de ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2013. A referência aparecerá em notas de rodapé, com as iniciais da obra, seguidas do número do livro e a página (p. ex. EN, L I, p. 60).

[24] EN, L VI, p. 179.
[25] EN, L II, p. 68.
[26] Essa visão de Aristóteles está em claro contraste com a posição socrático-platônica, que vê no conhecimento (e só há conhecimento do que existe em si, do que é eterno e imutável, para Platão) da Ideia da justiça, por exemplo, a condição primeira para o agir justo. Por isso, para Platão, a cidade justa será aquela governada pelo rei-filósofo, porque, tendo ele contemplado a Verdade, o Belo e o Bem, está excepcionalmente apto para fazer valer a justiça nas decisões importantes da cidade.
[27] Idem.
[28] Ibidem, p. 67.
[29] Não só às ações, as virtudes concernem também às paixões. Mas essa relação com as paixões não precisa nos ocupar aqui, pois ela ficará mais clara ao considerarmos o tratamento dado por Aristóteles às chamadas virtudes éticas.
[30] Ibidem, p. 74
[31] Ibidem, p. 75
[32] Ibidem, p. 77
[33] Idem.
[34] Idem.
[35] Ibidem, p.76
[36] Ibidem, p. 84
[37] Cf. EN, L II, p. 78.
[38] Segundo Chauí (2002, p. 447), “em si mesmos, os desejos não são nem bons nem maus; em si mesmas, as coisas desejadas não são nem boas nem más. O desejo torna-se mau e o objeto torna-se mau quando não se submetem à medida racional; tornam-se bons quando se submetem a essa medida”. 
[39] Preocupados em ensinar o caminho para a vida feliz, a questão sobre quais as coisas que dependem de nós e quais as que não dependem de nós ocupava um lugar de destaque na agenda dos estóicos. Epiteto, por exemplo, nos lembra que não podemos mudar nada na ordem das coisas, mas apenas nossas opiniões sobre elas. Para mudá-las, não nos servimos da compreensão racional, mas de exercícios espirituais. Tais exercícios atuam sobre as paixões e nos levam a perguntar a nós mesmos, em cada situação, se podemos exercer ou não alguma influência sobre as coisas nela envolvidas.
[40] Também a arte e a ciência.
[41] Aristóteles não faz uma distinção essencial entre entendimento e sabedoria (sophia), muito embora a sophia seja um saber profundo e geral, mais elevado do que as demais virtudes intelectuais.
[42] EN, L X,  p. 196
[43] Idem.
[44] Idem.
[45] Ibidem, p. 182.
[46] Ibidem, p.190.
[47] Ibidem, p. 191
[48] Ibidem, p. 192
[49] No Livro I de sua Ética, Aristóteles se detém na apresentação das razões por que a felicidade não pode ser identificada com a “riqueza”, a “honra”, o “prazer” e a “virtude”. No tocante à riqueza, sequer deve ser incluída entre os bens que comumente se buscam. Para ser um bem, é necessário que algo tenha utilidade, e Aristóteles parece sugerir que a riqueza carece dessa qualidade. No tocante à honra, ela não é o bem supremo, porque não é próprio de quem a possui e, por ser atribuída a alguém por outro(s), ela pode ser, em algum momento, suprimida daquele que a recebeu. Ademais, os homens que buscam a honra o fazem por vaidade ou para “o assegurar a si mesmos de seu próprio mérito” (p. 43). De uma maneira geral, parece-nos lícito supor que Aristóteles nos autoriza a dizer que todos os demais bens que as pessoas consideram capazes de realizar a vida feliz carecem da permanência que caracteriza o bem supremo, que é a eudaimonia. O bem supremo não é sujeito à mudança, como o são as demais coisas que se consideram como bens.
[50] Ibidem, p. 304
[51] Ibidem, p. 306
[52] Ibidem, p. 308
[53] EN, L I, p. 48
[54] Ibidem, p. 49.
[55] Idem.
[56] Ibidem, p. 50.
[57] Idem.
[58] Idem.
[59] Ibidem, p. 58.
[60] Ibidem, p. 43.
[61] EN, L X, p. 302.
[62] Ibidem, p. 300.
[63] Ibidem, p. 304.
[64] Ibidem, p. 3003.
[65] Ibidem, p.309.
[66] Idem.
[67] Ibidem, p. 311.
[68] Ibidem, p. 307.
[69] Idem.
[70] Ibidem, p. 301.