domingo, 29 de maio de 2011

"Quando faltou tempo..."

                                        
                     Nosso tempo

                                       
                                       Houve um tempo em que chorei

                                                                        [  Tempestades de lágrimas
                             Houve um tempo em que ansiei
                                                                                     [por momentos intensos de amor
                                     Houve um tempo em que te esperei
                                                                                                                [o sonho que não se realizou
                                                                           Houve um tempo em que acreditei
                                                                                                                       [que bastava tão-só se entregar
                                                                                   Houve um tempo em que só amei
                                                                                                                       [ e amar a intensidade do eterno
                                              [bastava
                                                                                         Houve um tempo que fora tão belo
                                                                                                                              [mas o silêncio em mim falou
                                                                                            Houve um tempo roubado ao amor.

                                                                                                   (BAR)



terça-feira, 24 de maio de 2011

"O AMOR é o erro mais belo e excitante desta vida!" (BAR)

                                                        

                                                         Amor Imperfeito


        Chega!
Abandonarei os esquadros, as réguas e os compassos de meus ideais. Os amores vão e vêm, como marolas beijando a orla.  O que vejo são pessoas desmanchando amores e reatando-os, como se amarrassem e desamarrassem cadarços. Não as culpo, não as condeno, não as julgo. É que o AMOR é insistente, vive a martelar nosso coração. O AMOR é o erro mais belo e excitante desta vida! Sim, ele é um erro que desejamos que dê certo. É um erro que desejamos se torne um acerto. Quantos de nós desejam, idealizam o amor verdadeiro? Mas qual é a verdade do AMOR? O que é o amor verdadeiro, senão aquele que se manifesta pela abertura irrestrita de nossa alma, pelos gestos de carinho, pelo compromisso que não abandonamos, pelas horas que dedicamos, pelo tempo empregado em seus cuidados?
Aceitemos o AMOR como ele é: errado, defeituoso. O AMOR não é um ser que habita o mundo das ideias perfeitas, como imaginado por Platão. O AMOR é carne, é corpo, é prática, é escolha que não se escolhe. O AMOR é vivido, experimentado, sentido por seres humanos, que erram, que choram, que se entregam, que se abandonam. Ninguém está certo no AMOR. Não há culpados no AMOR. Culpa e AMOR são inconciliáveis, não se casam e só agrava a distância.
O AMOR não é uma figura geométrica perfeita; uma obra prima pintada por Michelangelo. É um borrão que a criança lança sobre a tela, é um desenho infantil num papel. O AMOR não tem formas, nem simetria, não é obra de um desenhista ou arquiteto; ele é humano, demasiadamente humano e imperfeito. Ele traz cicatrizes à alma, mas também cálices de alegria abundante. O AMOR não pode ser escravo das ideias, mas deve servir à linguagem, como sua fonte de inspiração. Palavras podem feri-lo, mas ele pode ressurgir como fênix. O AMOR incendeia, mas não pega fogo, porque não é uma coisa. O AMOR não é uma arte, é um desastre por que desejamos passar por toda a vida. É um desastre que queremos experimentar debaixo dos lençóis. O AMOR é prazer, é gozo desastrado.
O AMOR excede sim as medidas da alma, e também dispensa a métrica dos pensamentos. O AMOR transborda do corpo, escapa pelos poros da pele, está no suor, na saliva, no sêmen, nas genitálias. Está na lágrima, na carne lasciva, no ventre. O AMOR é um erro que queremos cometer sempre mais. É um borrão nas páginas de nossa vida. O AMOR é a explosão do ego, a dinamite do orgulho, a nudez da decência e a indecência do excesso de decoro. O AMOR é transgressor, é, por excelência, sinal de revolta contra tudo que reprime, que coage, que constitui tabu. O AMOR é a negação da rigidez das normas, da própria sociedade de homens conservadores e hipócritas. O AMOR é subversão de toda ordem que censura, que proíbe e nos tolhe a liberdade.
O AMOR é imperfeito, se fosse perfeito seria muito chato!

terça-feira, 17 de maio de 2011

o esvaziamento do ego

                                                                                
                                                      

                                                                           Somos dois

Cuido que a capacidade de autocrítica, de auto-avaliação é uma virtude. Mas o que é uma virtude? Virtude é poder para agir para o bem. Aristóteles a considerava uma disposição para a prática do bem.  A virtude, em suma, constitui a maneira de ser e de agir humanamente visando ao bem.

            Qual é o bem que se alcança na capacidade de autocrítica ou auto-avaliação? É o autoconhecimento. Uma pessoa capaz de autocrítica reconhece em si as diversas formas de manifestação de seu ser, ou seja, os seus diferentes modos de ser , de se dar ao mundo.
Escrever, para mim, é um meio de me reconhecer. No entanto, há outra maneira de buscar um auto-reconhecimento: a auto-reflexão propiciada pela experiência amorosa. É porque, no AMOR, necessariamente, estamos diante do Outro. E o AMOR que logre sucesso e felicidade deve ser experimentado no intervalo entre o Eu e o Outro. Aqui, se deve reconhecer a necessidade de o Outro ocupar um espaço que lhe é próprio e dele usufruir. O AMOR nos impele à luta do Ego. O ego deve esvaziar-se à medida que se nos vai desanuviando a consciência de que o Outro é um ser independente, autônomo.
O ideal de amor romântico – o amor da desmesura – pode ser assim representado no discurso de Aristófanes, em Banquete, de Platão:

“Ser unido e fundido no amado! Serem apenas um! E a razão disso é que assim era nossa antiga natureza, pelo fato de havermos formado anteriormente um todo único. E o amor é esse o desejo e a ânsia dessa contemplação, dessa unidade”.
(p. 124)

O excerto faz referência ao mito do andrógino. Com a divisão perpetrada pelos deuses, “a humanidade encontraria a perfeita felicidade se se abandonasse às injunções do amor, encontrando cada um o seu próprio amor, e voltando assim ao antigo estado natural” (p. 125).
Evidentemente, entre o AMOR idealizado, sustentado por ideais de sublimidade e perfeição, nutrido pela fantasia, e o AMOR praticado, experienciado, que nos convoca ao convívio com o outro, que nos ensina sobre a sua autonomia e independência em relação à nossa própria capacidade de atuação, há uma distância intransponível. Atuar com o outro e não atuar sobre o outro – é isso o que nos ensina o AMOR.
O AMOR não é saturante; saturação é incompatível com o AMOR. O AMOR é abstinente.
Imagino não ser fácil para muitos de nós esvaziar o ego em face da experiência animicamente impregnante do AMOR. Mas disso depende nosso crescimento individual, nossa maturação amorosa. É certo que o desejo, quando intenso e abrangente, torna-nos incapazes de reconhecer que ao Outro deve ser reconhecido o seu espaço. Nascemos separados em anos, em lugares, em famílias, em formas de educação e de transmissão de valores. O AMOR, todavia, promove um novo nascimento: o da união. Essa união, contudo, não se confunde com dependência unilateral. Reciprocidade não se manifesta por interdependência, mas na quantidade de vezes que somos capazes de emitir sinais de que estamos presentes, nos preocupamos, nos interessamos, nos doamos, nos dedicamos. A reciprocidade é expressa na nossa capacidade de suprir alguma carência mais urgente, aquela que grita do fundo de nossa alma.
Todavia, também me parece equivocada toda a expectativa demasiada projetada sobre o Outro. Esperar demais é caminhar junto ao abismo da frustração. Devemos esperar na medida da possibilidade de espera. Essa medida é determinada pela abrangência do relacionamento amoroso, pela sua maturidade, pela natureza das emoções nele envolvidas, pela solidez de seus projetos.
A experiência amorosa nos põe diante do vazio da existência; de certo modo, ficamos continuamente vulnerável a este vazio. É que sua abrangência existencial é totalizante. O AMOR totaliza o ser, sem sufocá-lo. O laborioso trabalho espiritual e emocional de que nos encarrega o AMOR é, justamente, o esvaziamento do ego.
Acho que depois do AMOR resta o silêncio ou o eterno ressoar silencioso das palavras inaudíveis – aquelas que significam no fundo de nossa alma, que desse fundo lançam seus sons acalentados. Diante do AMOR, convém subtrair o ego e deixá-lo ser como é: incompreensivelmente deleitoso, harmonioso, intrigante e transgressor.



segunda-feira, 16 de maio de 2011

                                       Desafios docentes

Acho que peso muito sobre a vida; minha alma é densa demais, é repleta demais para que a vida a abrigue. Sua fragilidade é tão evidente, mas muitos de nós fingem não notá-la. Ignoram-na. O nascimento de um ser humano é um acontecimento de resistência à morte; é a vitória da vida sobre ela. No entanto, poucos se apercebem disso.
Ainda me agarro a ideais; fico grudado neles e custa-me desapegar-me. Eles, às vezes, dificultam o vagaroso e consistente percurso dos projetos, certamente mais sólidos e tangíveis. De resto, os ideais são frágeis e dissolúveis; podem evaporar-se nas calorosas emoções.
A palavra paixão foi definida diferentemente na tradição filosófica. Aristóteles chamava paixão a toda ação que se sofre; daí se deduz a ideia de passividade; para Descartes, paixão recobre os estados afetivos impressos na alma,  ou melhor,  no cérebro.
Modernamente, paixão tanto pode designar uma tendência que anula a vontade e a razão, como uma tendência que as reforça, que as potencializa. A paixão em meu espírito cumpre esse último papel: é potencializadora.
Minhas palavras ficaram mergulhadas num silêncio repressor por longo tempo, simplesmente porque se me calou no espírito a paixão. Fui acometido de um resfriamento espiritual que me tornou ausente de mim mesmo. Faço-me presente em mim quando escrevo; as palavras promovem o reencontro de mim comigo mesmo, na medida em que me motivam a externar meus pensamentos e os sentimentos que se vão acumulando ao longo do tempo em que me mantive silenciado.
Acredito em que a vida torna-se insossa e pesada, porque nos fadiga, nos atrofia e nos cerceia a vontade de potência, sempre que nos vemos privados de paixão. É movido pela paixão que exerço a docência e é com paixão, afinada com a razão, harmonizada com o bom-senso, com o espírito crítico, que combato toda forma de preconceito, discriminação e superstição.
Se a existência dos homens se expressa senão através de projetos; se os homens são um projeto, que se reinventam no decorrer de suas inúmeras experiências de vida; se nos resta senão a liberdade de escolhas, considerando-se sempre as condições socioculturais, econômicas e ideológicas em que tais escolhas se tornam mais ou menos possíveis, então sou forçado a admitir que meu projeto intelectual é promover sempre uma tensão, um desequilíbrio, uma desestabilização de nossas crenças mais arraigadas, de nossos padrões de pensamento, de nossas ideias engessadas, enferrujadas e enraizadas.
Como professor-pesquisador, estudioso e leitor tenaz, filósofo das horas vagas, inconformado num mundo de conformados, imponho-me dois desafios: o ensino da leitura crítico-emancipatória (e de sua contra-face escrita desafiadora); e o combate ao preconceito linguístico. Desenraizá-lo da consciência social dos brasileiros não constitui tarefa fácil; e, talvez, pretender que uma sociedade dividida em classes como a nossa se livre do preconceito linguístico seja uma utopia. Não obstante, tal reconhecimento não deve frustrar o admirável trabalho, que consiste na formação de professores de português suficientemente instrumentalizados teórica e metodologicamente para que, atuando no ensino escolar, do nível fundamental ao médio, possa: a)  trabalhar a variação linguística como um fato inegável na heterogênea sociedade brasileira; b) discutir (com os alunos) a adequação/ inadequação de uso de uma ou outra variedade linguística; c) sensibilizá-los para o fato de que não existe uma norma culta; ou melhor, que sua existência é meramente ideológica, já que ela é um ideal de correção linguística; d) ensinar-lhes que não há, de um ponto de vista estritamente linguístico, erro ao usar a língua, mas que as noções de certo e errado resultam de julgamentos socioculturais (em geral, preconceituosos) que as camadas mais favorecidas da sociedade (que detém o poder econômico e político-ideológico) fazem dos usos linguísticos das camadas menos favorecidas; e) mostrar-lhes que também entre os membros das classes mais favorecidas há censura mútua relativamente ao seu comportamento verbal, na base de um ideal de correção linguística, etc. As lições podem ser multiplicadas, é claro.
Ontem, assisti a uma reportagem, divulgada no Jornal do Sbt  apresentado por Carlos Nascimento, sobre a apresentação, em um livro didático destinado ao ensino de português no nível escolar, de variantes linguísticas como “nós vai no cinema”. A autora do livro, que na entrevista, exibia uma formação adequada em Linguística, salientou a importância de discutir essas variantes em termos de adequação de uso. No próprio livro, se achavam observações sobre a possibilidade de uso dessas variantes.  Mas o apresentador Carlos Nascimento ironizou dizendo que agora ele deveria usar “nós vai apresentar” e os telespectadores “vai assistir”. A ignorância quanto às contribuições da sociolinguística no tocante à descrição da heterogeneidade linguística do Brasil e ao combate do preconceito linguístico é um fato geral em nossa sociedade, infelizmente reforçado por aqueles que podem ser incluídos na classe dos intelectuais, como os jornalistas.
Recomendo ao leitor interessado a leitura de alguns livros do professor e pesquisador Marcos Bagno – um dos mais renomados especialistas de Sociolinguística no Brasil -, entre os quais estão O Preconceito Linguístico e Nada na Língua é Por Acaso.
A par do combate ao preconceito linguístico, reside em meu espírito a força sempre renovável para o ensino da leitura, ou seja, da atividade de produção de sentidos para um  texto.  O primeiro problema com que o professor se vê à volta é fazer com que o aluno se desapegue da superficialidade linguística do texto. Com efeito, o esforço docente se destina a levar o aluno a transcender o nível da materialidade linguística do texto, para atingir o nível dos implícitos, dos silenciamentos.
Numa aula com alunos do curso de pedagogia, na faculdade onde trabalho, a fim de ensinar que o leitor experiente é agente de sua leitura, pois que capaz de produzir sentidos para o texto e não “captar” ou “pinçar” sentidos previamente existentes, propus uma frase simples como:

(1) Maria chegou.

Como nenhuma atividade linguística se dá fora de contextos sociais, disse-lhes que reconhecessem (1) como um enunciado, de modo que tivessem de recuperar, pelo menos, as duas instâncias: a) o produtor e b) o receptor.
Posteriormente, solicitei que produzissem uma interpretação dos seguintes pares, tendo em conta uma continuação cognitivo-conceitual entre as duas partes:

(a) – Maria chegou.
      - Podemos ir.

(b) – Maria chegou.
       - É melhor se esconder.

(c) – Maria chegou.
       - Estou salva.

(d) – Maria chegou.
       - Agora, estou perdida!

Para (a), alguns alunos sugeriram que Maria era aguardada para que todos pudessem sair juntos; outros disseram que Maria ficaria encarregada de cuidar das crianças, enquanto os pais estavam fora. Para (b), Maria representava alguma ameaça para alguém e, por isso, essa pessoa devia se esconder. Alunos houve que sugeriram que Maria seria surpreendida com uma festa. Para (c), alguns alunos disseram que Maria iria ajudar numa situação complicada. Para (d), o interlocutor espera que Maria o repreenderá por alguma coisa que ele fez de errado.
Suponhamos que sabemos ser Maria a irmã mais velha do interlocutor. Então, munidos dessa informação contextual, poderíamos dizer que em (a) Maria ficaria encarregada de cuidar de seu irmão mais novo. Em (b), poderíamos dizer que a irmã de Maria fez alguma coisa de errado e que, para evitar a bronca, deveria se esconder. Em (c), Maria ajudará a irmã a solucionar um problema (um exercício de matemática complicado). Em (d), ao contrário, ela representa um problema, uma ameaça (a irmã manchou involuntariamente o vestido de Maria).
O que o exercício revela é que, para que possamos atribuir sentido a uma dada sequência linguística, precisamos reconstruir contextos. Tais contextos são de ordem sociocognitiva. Portanto, dizem-se contextos sociocognitivos. Precisamos saber a respeito dos papéis sociais desempenhados pelos interactantes, as imagens recíprocas que fazem de si mesmos e uns dos outros, que conhecimentos partilham entre si, que expectativas também são partilhadas, etc. Cada qual deles possui uma informação pragmática que será negociada e modificada na interação verbal. Essa informação diz respeito ao conjunto de conhecimentos de que dispõem referentes à situação comunicativa (papeis sociais dos interlocutores, grau de intimidade entre eles, saberes compartihados, etc.). Dada a escassez de informações necessárias à interpretação dos pares de enunciados, cabe ao leitor reconstruir um contexto sociocognitivo que lhe permita produzir um sentido. Por isso, interpretar, isto é, produzir sentido é ir além do material linguístico, sem, contudo, dispensá-lo.